Quando cheguei a Brasília, a cidade não era muito diferente daquela que foi inaugurada em 1960, como símbolo de tempos melhores que viriam. Em 1982, a ditadura militar exalava sinais de que não duraria muito tempo, e a Lei da Anistia já estava em vigor. A capital, com apenas 22 anos, inspirava poemas, canções e lendas. Uma dessas dizia que todos os recém-chegados passariam por três fases, os chamados “3Ds”: o deslumbramento, fruto do primeiro contato com a cidade; o desencanto, que viria com o aprofundamento desse contato, e o desespero, trazido pelo tédio, pela solidão e pelo vazio existencial, inevitável em meio ao espaço sem fim do Planalto Central. A essas três fases alguns acrescentavam outras duas: a demência, caracterizada pela intenção de aqui permanecer em definitivo, e a despedida, que se opunha à anterior, ou viria muito tempo depois.
Escrevi o poema As cinco estações em 1999, portanto com tempo suficiente para ter vivido todas as fases. E permaneci em Brasília, não por demência, mas talvez por destino. Procurei fazer uma interpretação poética de minha vivência na cidade e de sua gradual transformação, que eu observava e tentava compreender. No mesmo ano eu lancei meu terceiro livro de poemas, “O delírio dos búzios”, de que este poema fez parte. Agora, abril de 2020, Brasília é outra, vive os mesmos problemas urbanos de qualquer grande metrópole do país e a sentença dos “5Ds” parece ter sido esquecida. Aos 60 anos, Brasília é uma cidade real.
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MEUS LIVROS NA BANCA DA CONCEIÇÃO
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Exília e Arqueolhar, à venda na Banca da 308 Sul |
Conceição Freitas tornou-se, ela própria, uma referência em Brasília, construída ao longo de muitos anos em que escreveu sobre a cidade, defendendo seu projeto, nas páginas do Correio Braziliense. Meus livros fazem parte de uma criteriosa seleção de obras que Conceição escolheu para serem vendidas no limitado espaço da banca. Estou muito bem acompanhado por outros escritores que aqui constroem não apenas a sua obra, mas o acervo literário de uma cidade ainda jovem, mas que gera e acolhe grandes talentos.
Só posso agradecer à Conceição. O espaço da Banca da 308 Sul, além de restrito, é valioso.
O NOVO QUINTAL DA JORNALISTA
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Conceição Freitas na Banca da 308 Sul |
Seria óbvio, mas impreciso, dizer que Conceição é uma jornalista que virou jornaleira. Ao longo de duas décadas, Brasília se espelhou nas suas reportagens e especialmente na coluna Crônica da cidade, em que defendeu, com unhas e dentes, o projeto da capital. E ela não vai parar de fazer isso. Continuará jornalista e a banca será mais que uma banca de revistas e jornais – será um centro de cultura, um ponto de encontro de turistas e brasilienses, mais um laço que a une à cidade.
Conceição está cheia de ideias e planos, que tenta ordenar. O primeiro passo é se reciclar. Ela reconhece que por muito tempo se fechou numa redoma, voltada para a coluna do jornal, para as pautas, e até para as restrições tecnológicas que o Correio lhe permitia. Agora, convive com os moradores da quadra, com porteiros dos blocos, com os entregadores de jornais, com amigos e desconhecidos que passam para conversar.
“Eu vim para a rua”, sintetiza. “Foi uma estratégia de sobrevivência. Eu precisava virar rapidamente a página, não poderia ficar indefinidamente à espera de novo emprego. Precisava responder à altura, e a banca me deu a energia de que eu precisava.”
Uma série de coincidências levou Conceição Freitas a se tornar proprietária da Banca de Revistas da 308 Sul. A primeira é que ela já havia sido proprietária de uma banca, ainda nos tempos de universidade. A segunda é que havia uma banca à venda quando foi dispensada do Correio Braziliense, no final de setembro. E a terceira é que essa banca se localizava numa quadra emblemática, com projeto paisagístico de Burle Marx e única construída exatamente de acordo com o projeto urbanístico de Lúcio Costa. “Turistas e arquitetos do mundo inteiro passam por aqui para conhecer a quadra”, diz Conceição. “É impressionante.”
“A banca de revistas é um patrimônio público. Acho que Brasília ainda não tem noção do valor dessas bancas, que ficam na entrada das quadras e congregam a comunidade. Os jornaleiros ainda não entenderam isso. Numa cidade com poucos cruzamentos, as bancas podem reunir as pessoas”, observa Conceição, que passou pela banca por acaso e, durante a conversa, o antigo proprietário propôs o negócio.
Ela tem a sensação de que alguma força superior a retirou da redação do jornal e a colocou diante da banca. Mas será que o objetivo do Correio, ao dispensá-la, não seria a de romper com a cidade, expurgando de sua equipe a profissional que melhor a representava? “Não há como saber isso, eles é que devem responder”, diz Conceição. “Mas uma coisa é certa: o Correio não vai tirar Brasília de mim.”
Conexão epifânica – Há 30 anos Conceição vive em Brasília. Nasceu em Manaus e passou a infância em Belém, onde vivia em bairro pobre, sem saneamento, com esgoto a céu aberto. Um dia, seu pai, Isaías, que vendia terras e viajava muito, lhe deu de presente um álbum de fotografias. “Era uma cidade bonita, com prédios organizados, ruas limpas. Eu folheava aquele álbum sem parar.”
Adolescente, Conceição sobreviveu ao acidente que matou seu pai na Belém-Brasília. Foi nessa época que ela se mudou para Goiânia, onde se formou em jornalismo e depois começou a trabalhar como repórter policial. Quando o repórter Mário Eugênio, do Correio Braziliense, foi assassinado, em 1984, ela veio para Brasília integrar a equipe do jornal. Passou alguns anos circulando de delegacia em delegacia atrás de notícias.
Foi nessa época que teve o que chama de “conexão epifânica” com Brasília. “Comecei a observar a cidade, e me lembrei daquele álbum de fotografias da minha infância, e me toquei que a cidade que me encantava era Brasília. Lia muito sobre a história da cidade, que era muito maior em mim que eu imaginava.”
Conceição já criou um blog para escrever sobre a capital, uma forma de dar continuidade à coluna que conquistou os leitores do Correio, enriquecida agora pelas histórias que vai colhendo na 308 Sul. Também pretende reunir em livro uma seleção dos 20 anos de crônicas e reportagens sobre lugares, personagens e casos da cidade. O tempo é curto para tanta coisa. E Conceição ainda está tentando se atualizar com a tecnologia, porque, mais do que nunca, precisa dela. Enquanto isso, o Blog da Conceição já pode ser visitado neste endereço: https://bancadaconceicao.wordpress.com/.
“Ainda tenho resistência às redes sociais. Uso para fins profissionais, mas tenho medo dessa carga de ódio, da exposição exacerbada e vazia”, analisa. Mas reconhece: hoje, o que não passa pelas redes não existe. Foi pelas redes sociais que ela sentiu que os leitores continuavam de seu lado quando o jornal a dispensou. Mais de mil curtidas numa postagem no facebook lhe deram essa certeza e abriram o caminho.
Apesar de tudo, Conceição acredita que as redes sociais salvaram Brasília de seus agressores. “Foi pelas redes que os defensores de Brasília ocuparam os vazios da cidade, superaram as dificuldades urbanas e se uniram”, diz ela. “As novas gerações se agregaram aos pioneiros. Mas a cidade está muito maltratada, só tem ‘gentinha’ fazendo política. Infelizmente, Brasília não é uma flor de estufa, estamos vinculados ao Brasil. Então, temos de cuidar de nosso quintal.”
À sombra daquele flamboyant e ouvindo os bem-te-vis, Conceição Freitas cuida de seu quintal.
[Reportagem publicada na revista Roteiro Brasília nº 245, de novembro de 2015.
A foto é de Rodrigo Ribeiro]
À DERIVA NA CIDADE
As cidades guardam segredos em seus caminhos. As cidades e suas erosões, cicatrizes, feridas, cansaços. As cidades e suas memórias, visões, sombras e clareiras. A cidade e suas artérias, seu sangue, poeira, fragmentos, desejos. Carícias e agressões. Riquezas e misérias. Imagens e miragens.
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Grafitti de José Augusto Iowa |
Na sexta-feira, 16, vamos conversar sobre o que será, o que não será, o que poderá ser essa expedição que espera apenas a surpresa. Participarei de um bate-papo com a arquiteta Marcia Metran e o fotógrafo Helio de Oliveira, quando tentaremos convergir nossas visões pessoais sobre a cidade e tentar compreendê-la sob o olhar da arquitetura, da fotografia e da poesia. Será no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (UFG), a partir das 20h.
Vou apresentar aos participantes da Deriva o meu livro Exília, criado a partir do sentimento de desenraizamento que atormenta o artista e o cidadão comum e que representa a tentativa de explicar esse lugar que só existe dentro de cada um de nós, como um refúgio pessoal e utópico. E tentar compreender a poesia como ferramenta para criar espaços mentais e espirituais que nos salvem de um mundo inóspito e devorador.
A Deriva nasceu em 2008 como disciplina do curso de Arquitetura da Universidade Estadual de Goiás (UEG), e depois passou a acontecer de maneira informal, sob a coordenação do arquiteto e professor Braúlio Vinícius Ferreira. Os inscritos doam litros de leite para a Missão Pão e Vida, entidade que apoia moradores de rua e dependentes de drogas. As imagens e textos que resultarem dessa experiência serão publicados no site da Deriva.
LITERATURA NAS ESCOLAS
A I Flipassos foi oficialmente aberta em 8 de maio. No dia 11, sexta, falei sobre a importância dos livros e da literatura a mais de 700 alunos da Escola Estadual Nazle Jabur. Os estudantes haviam lido meu livro Arqueolhar, e fizeram emocionantes apresentações de meus poemas. No mesmo dia, conheci o belo trabalho que os alunos da escola Júlia Kubitschek fizeram sobre o mesmo livro.
Cerca de 30 escritores convidados tiveram atividades semelhantes em várias escolas. Quando não estavam conversando com os estudantes, eram entrevistados na tenda montada na Praça Geraldo da Silva Maia e conversando com o público. Alguns fizeram palestras em auditórios superlotados. Diariamente houve lançamentos de livros, nas dependências do Palácio da Cultura (sede da Secretaria) ou na praça.
No dia 14 de maio, segunda-feira, aniversário dos 154 anos de Passos, os escritores foram homenageados pelas escolas, participando do desfile que atraiu grande público, mesmo debaixo de chuva, à região central da cidade.
Este ano, o tradicional Carnaval da cidade foi cancelado pela prefeitura devido à alta incidência de casos de violência. Os R$ 80 mil investidos na I Flipassos foram remanejados da festa que não houve. O aumento de interesse pelos livros e pela leitura é evidente. Tem havido crescente procura de livros nas bibliotecas escolares, que a Secretaria de Educação e Cultura tem mantido bem equipadas.
Os escritores nascidos em Passos que participaram do evento - este escriba, Antonio Barreto, Marco Túlio Costa, Alexandre Brandão, Marise Pacheco, Benedito José, Sebastião Wenceslau Borges, Deucélia Maciel - se tornaram profetas em sua terra. Uma bela homenagem prestada pela cidade, que pode reverter em enormes benefícios.
O trabalho desenvolvido pela Secretaria de Educação e Cultura e pelas escolas já fez subir o Ideb (índice que mede o grau de educação do município) para 6,3, média prevista para o Brasil em 2020. Investir em educação é garantir um futuro melhor para todos. Passos no caminho certo.
ARQUEOLHAR NA FLIPASSOS
Meu livro de poemas Arqueolhar, lançado em 2005, foi escrito durante quatro anos – desde 2001, quando me ocorreu a ideia de fazer um mergulho em minha infância, até 2005, quando o publiquei. Foi uma fascinante experiência de cavoucar meus abismos interiores por meio da literatura. Ao mesmo tempo, considero o resultado bem sucedido em termos de projeto literário, o que prova, ao menos para mim, que a poesia, a literatura e as artes em geral só se realizam plenamente quando o autor lança mão de seus fantasmas e pirações para produzir suas obras, dosando os frutos desse mergulho com a técnica, o lirismo e um certo olhar crítico, de forma a tornar sua obra palatável a quem teve outras vivências.
O cenário dos poemas de Arqueolhar é minha terra, Passos, no sul de Minas Gerais, que realiza esta semana, com encerramento em 14 de maio, a sua primeira Feira Literária, a Flipassos. Volto à cidade para conversar sobre o livro com grupos de estudantes, em duas escolas, e em encontros com outros escritores. Minha expectativa é grande, porque terei a oportunidade de apresentar novamente a meus conterrâneos um trabalho que não deixa de ser, também, uma homenagem à cidade onde passei minha infância e adolescência.
Os poemas de Arqueolhar abordam aquilo que poderíamos chamar de alma de uma cidade, ou ao menos um espírito que identifiquei como tal. Lá estão lugares, personagens, objetos, anônimos e banais, que podem ou não ser reconhecidos, mas que compuseram o mosaico de minha formação – e prova disso é que estão arraigados em minha memória. Conviver de novo com o cheiro do cômodo da antiga cadeia pública, onde meu pai trabalhava como radiotelegrafista, ou o sabor do sorvete vendido nas imediações da antiga rodoviária, numa máquina trêmula e barulhenta, foi uma experiência quase psicanalítica.
Ao descrever o livro numa frase, eu dizia que escrever esses poemas foi como escavar o fundo do quintal, como fazem as crianças, ao sonhar com a possibilidade de descobrir a ossada de um dinossauro. Assim, minha intenção não foi de falar de saudade, nem de recordar o passado, não foi de entrar numa sessão de nostalgia. Arqueolhar é um encontro, um mergulho numa caverna escura, uma descoberta.
O cenário dos poemas de Arqueolhar é minha terra, Passos, no sul de Minas Gerais, que realiza esta semana, com encerramento em 14 de maio, a sua primeira Feira Literária, a Flipassos. Volto à cidade para conversar sobre o livro com grupos de estudantes, em duas escolas, e em encontros com outros escritores. Minha expectativa é grande, porque terei a oportunidade de apresentar novamente a meus conterrâneos um trabalho que não deixa de ser, também, uma homenagem à cidade onde passei minha infância e adolescência.
Os poemas de Arqueolhar abordam aquilo que poderíamos chamar de alma de uma cidade, ou ao menos um espírito que identifiquei como tal. Lá estão lugares, personagens, objetos, anônimos e banais, que podem ou não ser reconhecidos, mas que compuseram o mosaico de minha formação – e prova disso é que estão arraigados em minha memória. Conviver de novo com o cheiro do cômodo da antiga cadeia pública, onde meu pai trabalhava como radiotelegrafista, ou o sabor do sorvete vendido nas imediações da antiga rodoviária, numa máquina trêmula e barulhenta, foi uma experiência quase psicanalítica.
Ao descrever o livro numa frase, eu dizia que escrever esses poemas foi como escavar o fundo do quintal, como fazem as crianças, ao sonhar com a possibilidade de descobrir a ossada de um dinossauro. Assim, minha intenção não foi de falar de saudade, nem de recordar o passado, não foi de entrar numa sessão de nostalgia. Arqueolhar é um encontro, um mergulho numa caverna escura, uma descoberta.
COMEÇA A FLIPASSOS
A I Feira Literária de Passos, Flipassos, será aberta nesta terça-feira, 8 de maio, com palestra da escritora Maria Antonieta Cunha, secretária-executiva do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) do Ministério da Cultura. Passos localiza-se no sudoeste de Minas Gerais, tem cerca de 100 mil habitantes e a I Flipassos é um acontecimento histórico, no entender deste escriba. Afinal, a cidade é celeiro de escritores, tem uma História que daria um romance – ou vários, alguns dos quais já foram escritos – e precisava há muitos anos promover esse encontro, que será, acima de tudo, uma troca de experiências entre escritores e potenciais leitores.
A programação da feira é ampla e contará com debates, seminários, lançamentos de livros, oficinas, apresentações musicais e de peças teatrais, a partir desta quarta-feira, 9, até o dia 14, segunda-feira, quando uma série de festividades encerra a feira e comemora o aniversario da cidade.
Não é possível citar a programação inteira neste espaço. Mas vou citar os escritores que passarão por lá. Banca Maria de Paula (dia 9), Marco Túlio Costa (9), Jairo de Paula (9), Ronaldo Simões Coelho, Décio Martins Cançado (10), Alexandre Brandão, Marise Pacheco, Leo Cunha, Maurílio Andréas Silveira, Nelson Cruz, Jaime Prado Gouveia, Neusa Sorrenti, Hilda Mendonça, Sérgio Fantini (dia 11), Luís Giffoni, Deucélia Maciel, Sebastião Wenceslau Borges, Alexandre Marino, Benedito José, Adriano Alcântara, Antonio Barreto, Ricardo Bastos Machado, Marcelo Xavier (dia 12).
A feira privilegia atividades que atraiam os estudantes do ensino médio, como encontros com escritores, oficinas, narração de histórias. Uma proposta extremamente importante para a cidade, que tem boas bibliotecas mas é pobre em livrarias e tem baixo índice de leitura – nada diferente de outras cidades médias de um país chamado Brasil.
FLIPASSOS, LÁ VOU EU
Praça da Matriz de Passos, Minas Gerais. Minha terra. Nesta praça, dei meus primeiros passos, fiz meus primeiros grandes amigos, namorei pela primeira vez. Nesta igreja transgredi pela primeira vez a obrigação da missa dominical. Esta semana, volto à cidade para participar da I Feira Literária de Passos, Flipassos. Em ótimas companhias.
ABRAÇO ÀS NASCENTES
O Parque Olhos D´Água ocupa 21 hectares na Asa Norte de Brasília,
equivalente a uma quadra residencial. É uma área de preservação, com
espécies do cerrado, e possui trilhas internas e parquinho infantil.
Dentro de seus limites corre um riacho que deságua numa lagoa, e essa
água flui em direção ao Lago Paranoá. As nascentes ficam fora da área do
parque, e estão ameaçadas pela especulação imobiliária. A população se
mobiliza para que o governo determine a integração das
nascentes, que ficaM entre as quadras 212 e 213, à área do parque. Este
vídeo reporta a manifestação realizada em 25 de setembro de 2011.
BRASÍLIA, 51 ANOS [2]
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Tratores destroem o gramado da Esplanada... |
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...para montar um gramado artificial. |
Para as comemorações do aniversário da cidade, em 21 de abril, cobriram toda a extensão da Esplanada com circos, palcos, arquibancadas, barracos e até campos de futebol. Provavelmente vão desmontar tudo isso em seguida, deixando os gramados destruídos. Mas será por pouco tempo.
O governo do DF trará para Brasília, no final de maio, o Red Bull X-Fighter, evento internacional de motocross. A empresa Red Bull vai montar uma grande estrutura nos gramados da Esplanada. Se a Esplanada é tombada, a Red Bull não tem nada com isso.
Quem anuncia o evento é o secretário de Turismo do DF, Luiz Otávio Neves. Em entrevista à revista Roteiro Brasília, ele anuncia "um show de motocross, de piruetas de motos, iluminação, fogos, um grande espetáculo". Para se ter idéia da qualidade dos secretários que assumiram o "novo" governo do DF.
BRASÍLIA, 51 ANOS
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Roupa de festa |
Brasília completa 51 anos de inauguração no dia 21 de abril. A cidade que nasceu das utopias é hoje vítima da cultura do saque e da ganância. A cidade que surgiu das pranchetas como um projeto de obra de arte vai aos poucos incorporando o espírito da favelização: ocupação desordenada, desprezo pelo planejamento urbano, desrespeito aos monumentos históricos.
Para a comemoração do aniversário de 51 anos, o Governo do DF, em vez de embelezar a cidade, enche a esplanada de barracos, palcos, arquibancadas, altares e até campos de futebol. Destrói o gramado e faveliza a área mais importante da cidade.
Pelo projeto original de Brasília, a Esplanada dos Ministérios foi desenhada para ser um grande espaço aberto, por onde se pudesse observar o Congresso Nacional desde a rodoviária. A Esplanada é tombada pelo Patrimônio Histórico e faz parte da área tornada intocável pelo título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco. Ali, é proibida a execução de qualquer edificação acima do solo, de forma a garantir total visibilidade do Congresso Nacional.
Com todo respeito à Feira de Caruaru, Brasília é outra coisa. A Feira de Caruaru é um grande encontro espontâneo, uma festa popular. O atrativo de Caruaru é a multidão e a muvuca bem organizada; o da Esplanada dos Ministérios é o espaço vazio. Os governos querem atrair turistas para Brasília, mas se esquecem de manter a cidade bem arrumada para quando eles chegarem.
Assim como o governo local pratica e é conivente com esses atentados contra a integridade da cidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se omite e o Instituto dos Arquitetos do Brasil silencia. Então, por que a população, que tantas vezes se levantou em defesa de Brasília, não grita? Ou será que essa população, outrora consciente e atuante, agora prefere ouvir a música de péssima qualidade que emana dos palcos na Esplanada?
[A foto que ilustra esta postagem foi tomada emprestada ao Correio Braziliense]
BRASÍLIA NÃO TEM O QUE FESTEJAR
Os compêndios médicos tratam de uma rara doença, a síndrome de Hutchinson-Gilford, popularmente conhecida como progéria, que se caracteriza pelo envelhecimento precoce de crianças. Apresenta-se antes da adolescência e a perspectiva de vida é de no máximo 17 anos. A cidade de Brasília padece de uma síndrome parecida - uma certa progéria urbana.
Ao completar 50 anos, Brasília sofre de todos os males de metrópoles que o tempo arruinou aos poucos. O péssimo serviço de transporte urbano cria o caos no trânsito. O desemprego estimula a violência, e a segurança pública é a pior possível. Miséria, corrupção sem disfarces em todos os níveis da administração pública, problemas ambientais. Hospitais não oferecem nem o mais básico serviço esperado. Crianças vivem nas ruas, sobrevivendo de esmolas e consumindo drogas. E para completar, a própria população carece de respeito pela cidade. Um retrato do Brasil.
Inaugurada em 1960, trazia o germe de males que grandes cidades do Brasil e do mundo já enfrentavam. Muitos desses problemas poderiam ter sido previstos ainda na prancheta, e sanados gradualmente.
Seus criadores esqueceram-se de um detalhe: como qualquer aglomerado urbano, nascia ali um organismo vivo, e seu destino era ser habitado por milhões de almas, criando uma sociedade, ou várias sociedades, complexas e carentes de boas condições de vida.
O primeiro erro de seus construtores, que sonharam uma cidade meramente estática, foi não pensar o projeto de ocupação de todo o quadrilátero do Distrito Federal. Prevista para ser um centro administrativo, a capital do país é uma cidade artificial, com uma população de 200 mil habitantes. Tombada pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, ocupa uma área de 450 quilômetros quadrados dentro dos 5.800 quilômetros quadrados do quadrilátero do Distrito Federal, que na época da construção de Brasília era uma enorme extensão de terra vazia sem qualquer planejamento de ocupação.
Os 200 mil habitantes dessa área privilegiada estão cercados de uma população de 2,4 milhões de “vizinhos” sem qualquer identidade com Brasília, que vivem em dezenas de cidades que se multiplicaram ao redor, sem qualquer planejamento urbano.
Os sucessivos governos do Distrito Federal, ao longo desses 50 anos, permitiram e até incentivaram essa ocupação desordenada, alimentada por uma especulação imobiliária descontrolada e pelo mito de que Brasília era um eldorado. O governo local chegou ao ponto de distribuir gratuitamente lotes para moradia de milhares de famílias, criando aglomerações urbanas populosas, sem que se criasse uma estrutura econômica geradora de empregos.
Essa enorme população, sem consciência de cidadania, sem qualquer projeto para o futuro, sem quaisquer intenções coletivas, só tem olhos para os problemas individuais de cada um. Os políticos entenderam que somente com propostas assistencialistas terão chance de se eleger. O eleitor do Distrito Federal não se incomoda com a corrupção, e é o grande culpado, sim, pela gente desqualificada que ocupa cada vez mais cargos públicos. Repito: é o retrato do Brasil.
Algumas das maiores cidades do Distrito Federal, com mais de 200 mil habitantes, não têm cinemas ou teatros. Todos os equipamentos públicos do setor cultural, quase todos localizados na pequena área central tombada pela Unesco, estão abandonados. Obras importantes de artistas do Brasil e exterior, que compõem o acervo do Museu de Arte de Brasília, estão empacotadas para se proteger de goteiras e do mofo. O Cine Brasília, onde se realiza um dos mais tradicionais festivais de cinema do país, o Espaço Cultural 508 Sul, Concha Acústica, envelheceram sem manutenção.
Monumentos de grande importância cultural, como o Memorial JK, Teatro Nacional, Catedral Metropolitana, Palácio do Planalto (sede do governo federal) estão em péssimo estado de conservação. Os três últimos estão em obras, que não ficarão prontas na data de comemoração dos 50 anos, 21 de abril.
Criada para ser um modelo para o futuro, Brasília falhou em tudo e, ao completar 50 anos, não tem do que se orgulhar. A cidade é hoje um microcosmo do Brasil, um país incapaz de planejar seu desenvolvimento e que tenta resolver os problemas depois que eles surgem, sem criar uma estrutura de prevenção.
A grande utopia de Brasília, cidade cheia de propostas utópicas, foi a tentativa de se criar no centro do Brasil uma civilização avançada, de primeiro mundo. Foi também o grande fracasso. Se Brasília tivesse sido criada no mundo civilizado, provavelmente seria uma das cidades mais visitadas do planeta. Mas foi criada no Brasil, país que prefere crescer como um câncer, sem qualquer planejamento. Brasília tornou-se, assim, apenas a caricatura de uma utopia.
Ao completar 50 anos, Brasília sofre de todos os males de metrópoles que o tempo arruinou aos poucos. O péssimo serviço de transporte urbano cria o caos no trânsito. O desemprego estimula a violência, e a segurança pública é a pior possível. Miséria, corrupção sem disfarces em todos os níveis da administração pública, problemas ambientais. Hospitais não oferecem nem o mais básico serviço esperado. Crianças vivem nas ruas, sobrevivendo de esmolas e consumindo drogas. E para completar, a própria população carece de respeito pela cidade. Um retrato do Brasil.
Inaugurada em 1960, trazia o germe de males que grandes cidades do Brasil e do mundo já enfrentavam. Muitos desses problemas poderiam ter sido previstos ainda na prancheta, e sanados gradualmente.
Seus criadores esqueceram-se de um detalhe: como qualquer aglomerado urbano, nascia ali um organismo vivo, e seu destino era ser habitado por milhões de almas, criando uma sociedade, ou várias sociedades, complexas e carentes de boas condições de vida.
O primeiro erro de seus construtores, que sonharam uma cidade meramente estática, foi não pensar o projeto de ocupação de todo o quadrilátero do Distrito Federal. Prevista para ser um centro administrativo, a capital do país é uma cidade artificial, com uma população de 200 mil habitantes. Tombada pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, ocupa uma área de 450 quilômetros quadrados dentro dos 5.800 quilômetros quadrados do quadrilátero do Distrito Federal, que na época da construção de Brasília era uma enorme extensão de terra vazia sem qualquer planejamento de ocupação.
Os 200 mil habitantes dessa área privilegiada estão cercados de uma população de 2,4 milhões de “vizinhos” sem qualquer identidade com Brasília, que vivem em dezenas de cidades que se multiplicaram ao redor, sem qualquer planejamento urbano.
Os sucessivos governos do Distrito Federal, ao longo desses 50 anos, permitiram e até incentivaram essa ocupação desordenada, alimentada por uma especulação imobiliária descontrolada e pelo mito de que Brasília era um eldorado. O governo local chegou ao ponto de distribuir gratuitamente lotes para moradia de milhares de famílias, criando aglomerações urbanas populosas, sem que se criasse uma estrutura econômica geradora de empregos.
Essa enorme população, sem consciência de cidadania, sem qualquer projeto para o futuro, sem quaisquer intenções coletivas, só tem olhos para os problemas individuais de cada um. Os políticos entenderam que somente com propostas assistencialistas terão chance de se eleger. O eleitor do Distrito Federal não se incomoda com a corrupção, e é o grande culpado, sim, pela gente desqualificada que ocupa cada vez mais cargos públicos. Repito: é o retrato do Brasil.
Algumas das maiores cidades do Distrito Federal, com mais de 200 mil habitantes, não têm cinemas ou teatros. Todos os equipamentos públicos do setor cultural, quase todos localizados na pequena área central tombada pela Unesco, estão abandonados. Obras importantes de artistas do Brasil e exterior, que compõem o acervo do Museu de Arte de Brasília, estão empacotadas para se proteger de goteiras e do mofo. O Cine Brasília, onde se realiza um dos mais tradicionais festivais de cinema do país, o Espaço Cultural 508 Sul, Concha Acústica, envelheceram sem manutenção.
Monumentos de grande importância cultural, como o Memorial JK, Teatro Nacional, Catedral Metropolitana, Palácio do Planalto (sede do governo federal) estão em péssimo estado de conservação. Os três últimos estão em obras, que não ficarão prontas na data de comemoração dos 50 anos, 21 de abril.
Criada para ser um modelo para o futuro, Brasília falhou em tudo e, ao completar 50 anos, não tem do que se orgulhar. A cidade é hoje um microcosmo do Brasil, um país incapaz de planejar seu desenvolvimento e que tenta resolver os problemas depois que eles surgem, sem criar uma estrutura de prevenção.
A grande utopia de Brasília, cidade cheia de propostas utópicas, foi a tentativa de se criar no centro do Brasil uma civilização avançada, de primeiro mundo. Foi também o grande fracasso. Se Brasília tivesse sido criada no mundo civilizado, provavelmente seria uma das cidades mais visitadas do planeta. Mas foi criada no Brasil, país que prefere crescer como um câncer, sem qualquer planejamento. Brasília tornou-se, assim, apenas a caricatura de uma utopia.
[Foto 1: Poesia Nômade; foto 2: Ecotidiano; foto 3: UnB]
NOSSO CARNAVAL
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Este carnaval também será de silêncio, o mesmo silêncio de perplexidade e impotência, ainda que os blocos saiam às ruas para cantar versos engraçadinhos tendo como tema a desgraça que não é brasiliense, é nacional. No cárcere, ou em casa, se conseguir, o ex-governador curtirá a solidão, a da justiça fingida e hipócrita. Afinal, por que os outros personagens de todos os outros mensalões não estão ao lado de Arruda, compondo o bloco dos mensaleiros?
O governo do DF pretendia promover um festejo inesquecível para comemorar o cinquentenário. Ao invés de trazer artistas de todas as regiões do país para uma grande confraternização - Brasília é a síntese brasileira, já se cansou de repetir - pretendia trazer Paul McCartney. Pretensão e megalomania.
Com as mesmas intenções megalômanas, injetou dinheiro no carnaval carioca. O tema da escola de samba Beija-Flor é Brasília. Muitos brasilienses estarão desfilando na escola. Não sei se, diante dos últimos fatos, a platéia vaiará. Se o fizer, os passistas tentarão demonstrar seu orgulho de viver em Brasília, apesar da bandidagem que tomou o poder.
Não é bem assim. Quem dá o poder aos bandidos é o povo. Brasília se confunde com todo o Distrito Federal, mas o Distrito Federal não se identifica com Brasília. O primeiro erro foi não ter havido um projeto para todo o quadrilátero, como houve o originalíssimo projeto de Lúcio Costa para Brasília. Seria, talvez, revolucionário. Como não foi assim, tornou-se mera utopia, que se esgota enquanto a população do entorno se volta contra uma cidade com a qual não se identifica.
Nessa guerra, políticos desprovidos de ética só enxergam as perspectivas do lucro sem limites. Repetindo mais uma vez, Brasília é a síntese do Brasil.
FEIRA? LIVRO? BRASÍLIA?

Feiras de livros são importantes para estimular a leitura e aproximar escritores e leitores. Não são apenas um amontoado de barracas onde se vendem livros. São eventos onde ocorrem palestras, lançamentos, concursos, encontros.
A novela da 28a. Feira do Livro de Brasília vem de longe. Havia sido marcada para a primeira semana de setembro, depois foi adiada para 16 a 25 de outubro, depois para 23 de outubro a 1 de novembro. Vai ficar para 2010 - se vier.
A Câmara do Livro do DF precisa de dinheiro oficial para viabilizar a Feira. Nos últimos anos a Feira realizou-se em local inadequado e improvisado, os corredores externos do centro comercial Pátio Brasil. A previsão, este ano, era utilizar o cimentão armado do Conjunto Cultural da República para montar a Feira. A Câmara do Livro precisa de R$ 2,5 milhões para preparar a estrutura. O governo José Roberto Arruda prometeu R$ 700 mil. Já havia prometido para que a feira começasse a 23 de outubro, mas às vésperas o dinheiro não havia saído.
O secretário de Cultura (?) do DF, Silvestre Gorgulho, garantiu aos livreiros: "A Feira vai acontecer, nem que seja na minha casa." Até parece. A diretoria da Câmara, que empurrou o problema com a barriga até chegar a hora da decisão, deu um sorriso amarelo. Até esta terça-feira, 27 de outubro, tudo permanece na estaca zero.
O evento é importante e o governo deveria ter interesse de contribuir. Mas governador, secretário e toda a turma nada entendem de cultura. No ano passado, eles (o governo) compraram de uma entidade qualquer o título de "Brasília, capital brasileira da cultura", com validade de um ano. Nada aconteceu, absolutamente nada, que pudesse lembrar à cidade o pretenso título. Como se título mudasse alguma coisa.
Nos 49 anos de Brasília, comemorados em abril deste ano, o GDF teve o prazer de pagar R$ 950 mil para as "cantoras" Xuxa e Cláudia Leitte se apresentarem ao público. No aniversário de 50 anos vão torrar muito mais. Cultura, para o governo local, é isso: juntar uma multidão ao redor de cantores bregas para duas horas de show.
O jornalista Sérgio de Sá, no Correio Braziliense de sábado, 24, foi incisivo. Lembrou que uma feira do livro "precisa ter conceito", e que a sociedade brasiliense, "desinteressada", precisa "decidir se a cultura é importante para a vida em comunidade ou se prefere se contentar com shoppings, bares, automóveis e nada mais".
Sérgio de Sá está certo. Enquanto a Câmara do Livro dorme e deixa tudo na mão do governo, o governo prefere construir viadutos, massacrar o verde da cidade com rodovias e promover megashows de duplas breganejas para celebrar a cultura. É a capital do Brasil.
É o Brasil.
ADEUS, CALIANDRAS!!

Em desabafo poético, o ator e escritor Adeilton Lima apresenta dois lados de Brasília: o romântico, que se esconde no passado, e o real, que parece apontar para o futuro... Com a publicação deste texto, este blog faz uma homenagem ao amigo Adeilton Lima e dá uma cutucada comemorativa nos 49 anos de Brasília, na esperança (?) de que os 50 anos nos reservem uma comemoração mais digna.Velhos tempos os de Eduardo e Mônica, personagens da canção de Renato Russo. Eles iam ao Parque da Cidade passear, à Cultura Inglesa ver um filme, à Escola Parque assistir a uma peça de teatro, e também ao Teatro Galpão, não perdiam o Concerto Cabeças, etc. Tempos em que podiam jogar uma conversa fora embaixo do bloco onde moravam; ou mesmo, sem qualquer preocupação, pegar um ‘busão’ e se mandar para Taguatinga para acompanhar a programação do Teatro Rola Pedra.
O romantismo acabou. A cidade cresceu, ou melhor (pior), inchou. Foram tantas as doses de botox político nos currais eleitorais do Centro-Oeste, que hoje quase não se reconhece mais o velho Distrito Federal doutros tempos, agora obeso, maltrapilho e jogado na sarjeta. De tempos em tempos, alguém se lembra de lhe dar um prato de sopa, sob o viaduto fedorento, frio e desnudo da miséria, das drogas e da violência.
Vive-se hoje em Brasília, e no Distrito Federal como um todo, na base da paranóia coletiva, com o medo constante da própria sombra, e cada vez mais as pessoas se vendo trancafiadas atrás de grades, alarmes e câmeras de segurança, etc. Isso, para os que têm dinheiro, porque quanto ao pobre, ele continua sofrendo discriminações e estupros no bolso, na carne e na alma. Se de um lado, o trabalhador é assaltado pelo político, por outro, levam-lhe as parcas economias numa esquina qualquer da cidade que não tinha esquinas...
Investir em cultura e educação ninguém quer, não dá voto, não dá lucro. Preferem inaugurar postos policiais de fachada para “combater a violência”. Tudo tão medíocre e hipócrita quanto o choro de Joaquim Roriz ou de José Roberto Arruda na tribuna do Senado.
Brasília está tão descaracterizada que Eduardo e Mônica soam distantes e amarelados na memória, como o gramado nos tempos da seca. A cidade está secando moral, cultural e politicamente. O bom gosto, a irreverência e o rock se foram.
Imperam agora a violência, os playboys e o axé music.
Adeus, caliandras!
Adeilton Lima mantém o blog Transe Teatro.
A VELHA SENHORA ABENÇOA A CIDADE

É uma velha senhora, uma avó centenária, com seus longos braços abertos para o aconchego dos netos. Enorme, como se fosse gorda, oferece colo e conforto. A longa cabeleira redonda toma conta da praça, de uma rua a outra. Na verdade não é uma cabeleira, é uma copa, e não são cabelos, são folhas. É uma árvore, mas tem nome de mulher e, mais que isso, de santa: Árvore de Santa Bárbara. Não tem certidão de nascimento, mas há registros que lhe asseguram muito mais que 100 anos de vida.
A história da árvore mistura-se à história da cidade que cresceu à sua sombra – Passos, que já foi uma pequena vila no sudoeste de Minas e hoje se espalha por antigos campos de café e pastagem. Conheci e convivi com essa árvore até a adolescência, e desde então penso nela sempre, se estou longe, e periodicamente volto para revê-la. Essa história de amor dura coisa de meio século. Ao dizê-lo, penso que estou velho, você também pensará, mas olho para a árvore e ela está quase do mesmo jeito que sempre a vi, jovem e bonita - então concluo que o tempo não faz tanto estrago assim.
Perdi a conta de quantas vezes fotografei essa velha árvore. As fotos estão espalhadas em paredes, em alguns velhos álbuns, outras arquivadas no computador, estou cercado de árvores de Santa Bárbara. Também fiz vários poemas para ela, e é possível que faça outros, porque a árvore é um depositário de histórias e segredos, que se escondem estrategicamente a seus pés, dentro das dobras de sua pele, nos caminhos que só os pássaros conhecem, ainda que as crianças também andem por seus galhos à procura de aventuras ou para fazer voar suas fantasias.
A árvore posta-se, com elegância e paradoxalmente certa displicência, na praça do Cemitério - para ser mais exato, do lado oposto. É posição estratégica. Quase todos os passenses que vão a um velório, ou a algum enterro, ou simplesmente chorar diante de algum túmulo, passam antes sob sua sombra, e o estado emocional em que se encontram os deixa sensíveis para receber os benditos fluidos dessa santa árvore. Aconteceu comigo em dezembro passado, quando viajei em estado de desespero por 740 quilômetros, desde Brasília, para visitar minha mãe no hospital e acabei tendo de mudar o rumo, para vê-la pela última vez.
Antigamente, os passenses velavam seus mortos em casa - foi assim com meus avós maternos - e os enterros percorriam as ruas diante dos homens que tiravam os chapéus e as lojas que cerravam as portas. E o último consolo do morto, depois dos sofrimentos deste mundo, era a sombra da árvore, que o acolhia por breves minutos, importantes minutos, ainda que o futuro fosse a eternidade.
Falar de mortos e velórios pode ser triste, mas a Árvore de Santa Bárbara tem uma aura de felicidade e esperança, que atrai os passarinhos para seus galhos e os passantes para os bancos distribuídos sob sua copa. São taxistas, moradores das redondezas, gente que passa a trabalho, gente que passa vadiando, mendigos, engravatados, prostitutas, pensantes. Ali debaixo acaba o estresse, acabam os maus pensamentos, e o choro, se não acaba, pelo menos vem sem desespero.
A árvore de Santa Bárbara é um símbolo. É um símbolo de Passos e do aconchego que a cidade oferece a seu povo e a esses passenses desgarrados. Ao olhar para ela, ao vivo ou em fotos, penso que esta cidade pode continuar bonita e forte, como cada vez mais tem sido, serena, acolhedora, de braços abertos. É assim que a árvore está, num velho desenho do artista plástico Wagner de Castro, ele mesmo com idade de tê-la conhecido pouco mais que um arbusto, e ainda assim até hoje exalando os bons fluidos de sua arte, como a própria árvore. No desenho, ela oferece sombra a um animal que pasta a seus pés, em cenário quase rural. Ela deve se espantar com a urbanidade que se espalhou a seu redor.
A árvore é o vínculo histórico de Passos com seu povo. É um símbolo porque Passos, para mim, se parece com ela: uma sombra onde eu posso respirar e ser acolhido. Ao vê-la, sonho que a sabedoria que exala de seus velhos galhos e o carinho que transpira de sua casca grossa são incorporados pelas ruas, pelos paralelepípedos, pelas paredes das casas e pelas almas de seus viventes, numa relação abençoada.
Brasília, 48 anos. O sonho e o pesadelo.
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A Esplanada dos Ministérios, cantada como uma das obras-primas do arquiteto Oscar Niemeyer, que valeu a Brasília o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco, recebeu 850 mil pessoas nas comemorações dos 48 anos da cidade, no dia 21 passado. Foi uma data especial, pois a cidade acaba de receber outro título importante, o de Capital Americana da Cultura 2008. Pois não é que essa massa deixou sobre os belos gramados da Esplanada mais de 70 toneladas de lixo!!!
Não é erro - foram 70 toneladas, que fizeram da bela área administrativa da capital federal um lixão a céu aberto... Há alguma coisa errada nessa história. Não é possível que alguém considere isso normal.
Capital Americana da Cultura 2008... A massa não sabe o que é isso. Foi à Esplanada para ver shows do nível do breganejo Leonardo, uma banda qualquer de axé... E, acima de tudo, para pisar, destruir, mijar onde fosse possível. Um dos comentários mais comuns, no dia seguinte, era o cheiro de pocilga da Esplanada.
O secretário de Cultura do DF, Silvestre Gorgulho, disse a este escriba que a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional é uma das mais importantes das Américas. Ela só se apresenta no espaço elitista do Teatro Nacional. Por que não oferecaram ao povo a oportunidade de ouvi-la a céu aberto?
Não. Há um mito de que o povo só gosta de lixo. Deve ser por isso que o povo devolve lixo ao logradouro admirado pelo mundo inteiro. Alguma coisa está fora da ordem. E depois me criticam quando digo que morro de saudades de passear nos gramados de Champs de Mars.
Não é erro - foram 70 toneladas, que fizeram da bela área administrativa da capital federal um lixão a céu aberto... Há alguma coisa errada nessa história. Não é possível que alguém considere isso normal.
Capital Americana da Cultura 2008... A massa não sabe o que é isso. Foi à Esplanada para ver shows do nível do breganejo Leonardo, uma banda qualquer de axé... E, acima de tudo, para pisar, destruir, mijar onde fosse possível. Um dos comentários mais comuns, no dia seguinte, era o cheiro de pocilga da Esplanada.
O secretário de Cultura do DF, Silvestre Gorgulho, disse a este escriba que a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional é uma das mais importantes das Américas. Ela só se apresenta no espaço elitista do Teatro Nacional. Por que não oferecaram ao povo a oportunidade de ouvi-la a céu aberto?
Não. Há um mito de que o povo só gosta de lixo. Deve ser por isso que o povo devolve lixo ao logradouro admirado pelo mundo inteiro. Alguma coisa está fora da ordem. E depois me criticam quando digo que morro de saudades de passear nos gramados de Champs de Mars.
Brasília, 48. Em busca do sonho.

I Bienal de Poesia promete iluminar Brasília

Escritores e estudiosos reconhecidos internacionalmente estarão na capital brasileira para participar de atividades que vão de sessões livres de recitais a conferências e debates. A BIP será realizada em salas da Biblioteca Nacional, do Teatro Nacional e de vários outros espaços, pertencentes ou não ao governo local, além de bares, cafés, escolas, livrarias, e também ao ar livre. Os eventos não se restringirão a Brasília – os poetas invadirão outras cidades do DF e do Entorno. A programação ainda não está fechada, mas o evento, segundo o diretor da Biblioteca, Antonio Miranda, já conta com patrocínio de entidades nacionais e internacionais e apoio de diversas embaixadas, além do interesse de poetas brasileiros e estrangeiros.
As novas tendências da poesia contemporânea brasileira e internacional estarão representadas em diversas linguagens – escrita, falada, musical, performática. Estão previstas sessões de poesia visual, varais, exposições de banners gigantes, exibição de documentários, projeção de textos nas paredes externas de monumentos da Esplanada dos Ministérios, além da realização de oficinas, concursos, seminários e conferências.
A Bienal de Poesia, da forma como está sendo pensada, tem tudo para exercer o papel agregador que falta ao cenário poético da capital brasileira, que conta com bons escritores, muita atividade literária, mas de forma segmentada e fragmentária. Espera-se que a Poesia se desnude de paletós e gravatas e invada as ruas de Brasília, atraindo não apenas os freqüentadores de alguns auditórios isolados, como também a moçada que discute literatura nos bares. Este será o primeiro grande desafio da Bienal. O segundo será a continuidade, para que possa, de fato, ser chamada de Bienal – ou, quem sabe, até Anual, por força do sucesso.
Leia aqui todas as notas e informações sobre a Bienal Internacional de Poesia de Brasília publicadas neste blog.
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