UM CERTO DIA EM DEZEMBRO DE 1980

Um festival de Poesia em Minas, anos 80: estado poético permanente
Lembro-me nitidamente do que fazia no dia 8 de dezembro de 1980, há exatos 30 anos. Recém-formado em Comunicação Social na Universidade Católica de Minas, sobrevivia como jornalista e publicitário free-lancer e estava em lua de mel com Belo Horizonte. Um ano antes eu lançara meu primeiro livro de poemas, Os operários da palavra, e descobrira que livros de poesia de autores novos e desconhecidos não se vendem espontaneamente. Assim, meus fins de semana eram uma mistura de diversão e trabalho: eu enchia uma mochila de livros e saía pelos bares da cidade para mostrá-los a possíveis leitores e, à medida do possível, vendê-los.

O dia 8 de dezembro era uma segunda-feira, o fim de semana havia rendido alguma grana e eu estava mais ou menos folgado. Namorava uma estudante de jornalismo da Universidade Federal, que morava na rua Aimorés, ao lado da Igreja de Lourdes. Havíamos combinado de almoçar juntos no bandejão da Faculdade de Direito, localizada na Praça Afonso Arinos, próxima à casa dela. Por volta de 11 horas da manhã, eu vinha descendo a avenida Augusto de Lima em direção à praça, pensando em minhas próximas aventuras poéticas, quando um jornaleiro saiu da rua Goiás em minha direção.

Na rua Goiás ficava a sede do Estado de Minas, e no final da manhã saía a edição do Diário da Tarde, tendo como principal atrativo os resultados e comentários sobre os jogos de futebol. Mas, naquela segunda-feira, o jornaleiro, esbaforido, bradava uma manchete que nada tinha a ver com o caderno de esportes. “Mataram John Lennon”, gritava, sem se incomodar com o peso dos jornais que carregava.

Como acreditar naquelas palavras impressas em letras garrafais que ocupavam metade da capa do jornal? Paguei ao jornaleiro e me sentei num banco, a alguns metros da porta do restaurante da universidade. O cara que escrevia canções e promovia eventos e performances para pregar a paz – assassinado a tiros?

Eu tinha 24 anos e vivia em estado poético permanente, como costumávamos dizer, eu e o grupo de poetas com quem editava revistas, promovia saraus e tomava de surpresa bares e outros ambientes para declamações surpresa – as guerrilhas poéticas. A maioria dessa turma já publicara um ou vários livros, alguns editados de forma rudimentar, mas com muito amor. A poesia, para nós, era uma arma ao mesmo tempo poderosa e pacífica, e com ela haveríamos de colocar as coisas em seus devidos lugares.

A notícia que o jornal esfregava na minha cara naquele 8 de dezembro desmentia minhas convicções. Não havia como dar um jeito no mundo. Guardo hoje a sensação de que ali, naquele lugar e naquele momento, perdi pela primeira vez a esperança na humanidade.

Talvez não tenha sido de forma definitiva. Tanto que outras vezes perdi a esperança. Mas continuei escrevendo, lendo, ouvindo e vivendo poesia. Talvez John Lennon gostasse de saber disso. Afinal, ele também deve ter perdido a esperança várias vezes, para fazê-la renascer em seguida. Não foi ele que nos conclamou a imaginar um mundo perfeito? A música de Lennon continua ao nosso alcance, diante do edifício Dakota ou na praça Afonso Arinos, em Belo Horizonte. Dane-se a esperança; a poesia nos salvou a todos.  

VIVA MONTEIRO LOBATO!

Monteiro Lobato foi um dos autores que marcaram minha infância. Eu sonhava em ser como aquelas crianças que frequentavam o Sítio do Picapau Amarelo. Suas histórias me transmitiam um clima de amizade e aventura que me fascinava.

Agora, alguns supostos "educadores" querem me convencer que a obra de Monteiro Lobato é racista. Fico estarrecido. A sensação que guardei das leituras da infância, sobre a relação entre aquelas crianças e a Tia Nastácia, a personagem negra que os tais "educadores" supõem vítima de racismo, é de amor, respeito e amizade. 


Minha geração cresceu lendo Monteiro Lobato. Ninguém se tornou racista por causa disso. 

O "escritor" e "pesquisador" Alberto Mussa defendeu, durante o Fórum das Letras de Ouro Preto, a proibição da obra de Monteiro Lobato nas escolas. O nigeriano Felix Ayoh´Omidire, presente ao Fórum, concordou com ele. Nada sei de um ou outro, mas acho estarrecedor.

Há algumas semanas, a "professora" Nilma Lino Gomes, integrante do Conselho Federal de Educação (CNE), defendeu a mesma proibição em um parecer solicitado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Presidência da República.

Quem levantou o assunto foi o técnico em Gestão Educacional Antônio Gomes da Costa Neto, da Secretaria de Educação do DF, que faz mestrado em Educação na Universidade de Brasília. De que tipo de educação esse cara entende?

 
O fato é extremamente preocupante. Além da ameaça de atirar um manto de maldição sobre um autor clássico da literatura brasileira, é um sinal de que muito mais vem por aí. Estamos caminhando com passos firmes e ligeiros rumo ao pior obscurantismo.

Esses "escritores", "pesquisadores" e "educadores" sectários deveriam entender que a causa de todo o racismo é a ignorância, e ignorância se combate ensinando literatura de qualidade nas escolas.

Preparem-se. Brevemente vão propor a proibição de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e outros autores clássicos de nossa literatura. É assim que se destrói uma cultura.

BRASÍLIA VOLTA À POESIA


O II Simpósio de Crítica de Poesia, promovido pelo Departamento de Teoria Literária e Literaturas da Universidade de Brasília e coordenado pela professora Sylvia Cintrão, traz novamente a poesia para o coração da cidade. Maltratada cidade. Agora vamos falar do que realmente importa. Como disse Mário Quintana, fora da poesia não há salvação.

  O II Simpósio faria parte da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (II BIP). Com o cancelamento desse evento, o Simpósio segue sozinho. Menos mal. O tema geral do Simpósio é Poesia contemporânea: olhares e lugares.

Segunda, terça e quarta-feira próximas (8, 9 e 10), pesquisadores, professores, estudantes, poetas e leitores estarão reunidos no Auditório do Instituto de Biologia da UnB para seis mesas de debate e oito mesas de comunicação, sempre para discutir poesia.

Este escriba participará da mesa Poesia contemporânea: Brasília 50 anos, ao lado de Amneres Santiago, com mediação de Alexandre Pilati. Será na terça-feira, 9, às 15h30. Vamos tentar dirigir nossos olhares para a poesia que se faz no Brasil atualmente e, mais especificamente, em Brasília, em momento extremamente marcante. Afinal, os 50 anos de Brasília, comemorados este ano, em meio a intensa crise política, têm que provocar algum tipo de tremor também na poesia que se faz na cidade.

Essas questões provavelmente serão discutidas também por Nicolas Behr e Luís Turiba, com mediação de Augusto Rodrigues, na mesa anterior, que tem como tema Do local ao global (às 14h).

Outras mesas de debates reunirão Eliana Yunes, Sylvia Cintrão e Julliany Mucury; Rodrigo Garcia Lopes, Antonio Miranda e Sérgio Leo; José Castello, Sérgio de Sá e Maurício Melo Jr. Nas mesas de comunicação, pesquisadores de diversos estados apresentarão trabalhos em sessões abertas.

Na quarta, 10, às 9h30, o poeta Fabrício Carpinejar conversa com o público.

A abertura oficial será na segunda-feira, 8, às 14h. No mesmo dia, às 19h, será apresentado no auditório I do Museu da República (Esplanada dos Ministérios) o espetáculo Brasílias de luz, com o grupo Vivoverso, que presta uma homenagem ao músico e compositor Oswaldo Montenegro, convidado especial do Simpósio, e aos poetas da cidade.

A programação completa do II Simpósio de Poesia e Crítica está aqui

OS CAMINHOS ATÉ LEONARD COHEN

Estrasburgo: uma das mais belas cidades da França

A bordo de um trem TGV francês, vejo passarem pela janela as belas paisagens da Alsácia. Estou a caminho de Estrasburgo, cidade sede do Parlamento Europeu, quase fronteira com a Alemanha. O trem é veloz, o dia está bonito, ligeiramente nublado, mas é impossível evitar uma certa ansiedade.  É manhã de sábado, véspera de realizar um antigo desejo: estar na platéia de um concerto de Leonard Cohen, um personagem quase lendário entre minhas admirações musicais.


Na bagagem, uma camisa de malha preta, em que mandei imprimir a frase “From Brazil to see Leonard Cohen in Strasbourg”, e dois ingressos, comprados quase por impulso, em 11 de fevereiro, pela internet. Naquela noite, soube pelo site “Leonard Cohen Files”, desenvolvido na Finlândia, maior fonte de informações sobre o compositor canadense, que os shows previstos para os primeiros meses deste ano haviam sido adiados para o segundo semestre. Por causa de dores na coluna, Cohen deveria se submeter a seis meses de fisioterapia. O adiamento me soou como um convite. Eu teria tempo de planejar a viagem. Com um simples clique no mouse, garanti meu lugar e tornei próximo um sonho distante.

O ticket: sete meses de espera

Na viagem de duas horas
entre Reims e Estrasburgo, penso em Leonard Cohen, suas histórias e lendas. Nascido em Montreal em 1934, Leonard dedicou-se à poesia desde muito jovem, para desespero de sua família, de origem judaica, que o pretendia um brilhante homem de negócios. Por não obter renda suficiente com os vários livros que publicou, decidiu fazer da música um veículo para seus belos e sensíveis poemas, e assim atingir um público maior. Passo a passo, chegou em 1968 ao primeiro disco, batizado apenas de Songs, ou canções. Tinha 34 anos quando estreou no mercado musical.

Hoje, é um dos últimos grandes ídolos que, surgidos nos anos 60, deram à música jovem um status que jamais tivera. Os Beatles, Bob Dylan, Lou Reed, Pink Floyd, Bob Marley e uma lista significativa de artistas transformaram um divertimento de adolescentes em veículo de reflexão, que propôs novos comportamentos e reinventou o mundo. A diferença entre Leonard Cohen e todos os outros é que Cohen começou apenas como poeta – como se fosse pouco.

Eu havia conhecido Cohen
com enorme atraso, na década de 80, quando um amigo, o jornalista João Alberto Ferreira, me deu um extraordinário presente de aniversário, o vinil I´m your man. A música título é uma de suas obras clássicas, mas o que me pegou pelo coração naquele álbum irretocável foi uma canção construída sobre um poema de Federico Garcia Lorca, Take this waltz, ou Pequena valsa vienense, título do poema original. 

Ao fundo, o Zenith

Com esse álbum,
Cohen começava a confrontar um mundo em desintegração, segundo sua própria leitura, o que se evidenciava na canção First we take Manhattan. O choque total veio no álbum seguinte, The future, em que sentenciava, logo na primeira faixa: “Prepare-se para o futuro, ele é assassino.”  A poesia de Cohen sempre abordou os conflitos humanos e sociais e a inútil busca da salvação, seja pelo amor, pelo sexo ou pelos caminhos religiosos. Mas parecia, com esse disco, ter chegado a um impasse. Logo em seguida, Cohen saiu de cena, e desapareceu por mais de 10 anos.

Desde 1993, Leonard Cohen não se apresentava em público. Passou cinco anos recluso no mosteiro budista de Mont Baldy, nos arredores de Los Angeles. Mas reapareceu em 2001, quando lançou o CD Ten new songs, em parceria com a cantora e compositora Sharon Robinson. Para Cohen, é um álbum de celebração. Talvez a redenção que foi buscar no mosteiro, onde escreveu as letras das canções. 

Doze mil fiéis súditos de Cohen

A turnê mundial iniciada
em 2008 é uma megaprodução, com uma superbanda, formada não apenas por artistas contratados para acompanhá-lo, mas músicos que são, acima de tudo, súditos a serviço de seu mestre. Esse grupo harmonioso tem se apresentado em espaços de alto prestígio, sempre lotados.  O Zenith de Estrasburgo, por fora, parece um ginásio de esportes. Por dentro, é uma casa de espetáculos de alto nível, com uma acústica inimaginável para os padrões brasileiros. Tem precisamente 12.079 lugares. Estava totalmente tomado por pessoas que foram não apenas ouvir Cohen, mas reverenciá-lo. 

Eu e meu amigo inglês

Um público enorme,
mas nenhum sinal de tumulto, nenhuma fila, nenhum estresse. Uma hora antes, os portões estão abertos, as pessoas aos poucos vão tomando o hall que cerca as entradas da platéia. Há alguns bares e quiosques onde são vendidos CDs, livros e camisetas. Minha camisa de brasileiro exótico chama a atenção. Algumas garotas pedem para tirar fotos comigo. Já na platéia, eu e minha esposa, Nádia, explicamos a um grupo de ingleses que Leonard Cohen nunca esteve no Brasil, onde tem um público sofisticado e reverente, mas supostamente pequeno.

O concerto vai começar. Os músicos assumem seus lugares e tocam os primeiros acordes de Dance me to the end of love. Vemos apenas seus perfis, no palco em penumbra. Então, a intensidade da luz aumenta e Cohen entra correndo, com um largo sorriso. Traja um terno bem cortado e o mesmo chapéu que o acompanha nos últimos anos. Está a dois dias de completar 76 anos. Quando sua voz inconfundivelmente grave se projeta e hipnotiza o público, sinto que vivo um momento especial. Aquelas horas vividas ali na platéia do Zenith ficarão congeladas no tempo. 

Cohen, com as Webb Sisters ao fundo: emoção

As canções mais emblemáticas
de Cohen, que tive o privilégio de ouvir como se ele as cantasse para mim, fizeram de seus discos verdadeiras obras primas. Suzanne, Famous blue raincoat, Sisters of mercy, Hallelujah são algumas delas. Bird on the wire é uma espécie de projeto de vida de Leonard. “Como um pássaro no fio, como um bêbado numa cantoria noturna, vou buscando meu jeito de ser livre”, diz a letra. Cohen cita um conhecido verso dos Beatles antes de cantá-la: “Dizem que tudo que precisamos é amor, mas penso que é liberdade”, diz ele. Nessas alturas, já está difícil conter as lágrimas.

Cohen disse certa vez
ao jornalista Mikal Gilmore, da revista Rolling Stone, que encontrou na arte conforto e força – “ao fazer canções, muito da dor da minha vida se dissolvia.” É este Leonard Cohen que vemos ao longo de quase três horas de concerto, cantando de olhos fechados, muitas vezes de joelhos, prestando total reverência a cada palavra com que construiu seus poemas e às belas melodias com que os vestiu. Creio que aqui reside minha maior identificação com Leonard Cohen, a crença de que a poesia é a cura para os males da vida. 


A música a serviço da poesia

Cohen canta em estado de êxtase,
trocando reverências com os músicos, que parecem tão deslumbrados quanto o público. Ao apresentá-los – o produtor musical e baixista Roscoe Beck, o tecladista Neil Larsen, os guitarristas Javier Mas e Bob Metzger, o baterista Rafael Gayol, o saxofonista Dino Soldo e as vocalistas Hattie e Charley, as Webb Sisters – Cohen compõe um poema para cada um. Quando um deles apresenta um solo, Cohen tira o chapéu, segura-o junto ao peito e ouve atentamente.

A maior parte deles trabalha com Cohen há décadas. “Podemos jogar pela janela tudo que sabemos sobre música, porque o importante é interpretar as letras de Leonard”, afirma Metzger, no documentário Songs from the road, recém-lançado. O espírito da turnê é revelado pelo produtor Rob Hallett: “Não estamos tentando vender nada, nem quebrar recordes... apenas promover encontros entre Cohen e seus fãs.”

“Não sei quando voltaremos, mas estejam certos que eu e os músicos damos o melhor de nós”, diz Leonard. Os dois telões, ao lado do palco, mostram closes dele e dos músicos, e todas as canções são legendadas em francês. A música mais aplaudida, The partisan, fala de um personagem da resistência francesa, formada por civis que tentavam sabotar a dominação alemã durante a segunda guerra mundial. 


Leonard Cohen, canções para sempre na memória

Iniciado às 20h20,
o concerto só termina às 23h30. No bis, Cohen canta mais seis canções, até que o público se acalma e cessa de chamá-lo de volta. Uma dessas canções – If it be your will – ele apenas declama, passando a tarefa de cantar para as vocalistas Webb Sisters. Outro momento de emoção. Cohen tira novamente o chapéu e fecha os olhos. No final, entrega a elas um buquê de flores que alguém colocou no palco. Cohen é o mesmo cavalheiro cortês de sempre, agora de cabelos grisalhos e rosto vincado. O tempo passa e o concerto chega ao fim, mas as canções permanecem no ouvido, no cérebro, no coração. Dou uma última olhada para o palco, já vazio, antes de sair. Eu sei que, sempre que ouvir de novo aquelas canções, estarei de volta a Estrasburgo. 


Esta crônica foi publicada no Correio Braziliense, Caderno Pensar, em 23/10/2010

BIBLIOTECA PROMOVE A PRÉ-BIENAL

O poeta Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, não desistiu de promover a II Bienal Internacional de Poesia (II BIP),embora a tenha cancelado por insuficiência de patrocínio. Programada para setembro passado, será realizada em 2011, garante Miranda. Vamos acreditar.

Nesta quinta, 14, e sexta, 15, dois eventos fazem o lançamento público da II Bienal. Chamados de Pré-Bienal, é um "ato de afirmação da poesia", segundo o poeta, reúnem no auditório da Biblioteca poetas nacionais e de países hispano-americanos, além dos cantores Zeca Baleiro e Célia Porto. Célia canta em homenagem a Renato Russo, nesta quinta. Na sexta, Zeca Baleiro lança discos e livro.

O poeta brasiliense Jarbas Junior, o uruguaio Roberto Bianchi, a argentina Maria Casiraghi e a nicaragüense Milagros Terán participam dos dois eventos. O grupo OiPoema, formado por Amneres, Angélica Torres, Bic Prado, Cristiane Sobral, Luis Turiba e Nicolas Behr, encerra o primeiro dia de atividades com o lançamento da Coleção OiPoema.

Na sexta, recital com o poeta brasiliense Sids Oliveira e com a argentina Ana Guillot, além de lançamento do livro Poesia em tránsito: Antologia de poetas argentinos y brasilenõs contemporâneos, edição bilíngue português/espanhol, que inclui os brasilienses Anderson Braga Horta, Isolda Marinho, Antonio Miranda e  Salomão Sousa.

Tudo a partir das 19h. Força a Miranda e à Bienal de Poesia, ainda que ela se transforme em trienal!

A FEIRA DO LIVRO E OS ESCRITORES

 A Feira do Livro de Brasília acontece este ano no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. Começa nesta sexta-feira, 8. Finalmente a retiraram do shopping Pátio Brasil, o que é uma grande evolução. No entanto, a Câmara do Livro do DF segue cometendo seus equívocos e pouco fazendo para aproximar o público brasiliense da leitura e, mais importante, de seus escritores.

Na página da feira na internet, o secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, publica um artigo sobre as virtudes do livro. Será que ele se lembra do desprezo demonstrado pelo governo do DF pela Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que teve que ser cancelada este ano? Aliás, se o governo local tivesse algum apreço pelos livros, a Biblioteca Nacional de Brasília já estaria consolidada há muito tempo.

Mas os escritores de Brasília seguem em frente. Este ano, cinco deles - Reynaldo Jardim, Sérgio Maggio, José Rezende Jr, Anderson Braga Horta e Graça Ramos - foram finalistas do Prêmio Jabuti, promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), e os três primeiros, premiados. O poeta Ronaldo Costa Fernandes recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio de melhor livro de poesia do ano com A máquina das mãos.  No entanto, não vi o nome de nenhum desses autores na programação da Feira do Livro de Brasília, nem para uma palestra, um bate-papo com os leitores ou um lançamento. Assim é difícil.

Para completar, os potenciais visitantes da Feira não parecem muito preocupados com livros ou leitura. Quase todos os internautas que inseriram comentários no site da Feira do Livro estão preocupados com shows de música que, depois de anunciados, foram cancelados. Ninguém pergunta, por exemplo, por que o poeta Ferreira Gullar, que este ano completou 80 anos, lançou um novo livro e foi homenageado em vários cantos do país, não foi convidado para comparecer.

E depois querem fazer de Brasília a capital da leitura... 

CENÁRIO BRASILEIRO

 Vinte dias fora de Brasília, e retornamos com a primeira chuva. A cidade nos recebe sem a luminosidade dos ipês, mas os gramados ainda guardam o tom pastel que mais de 120 dias de seca impuseram como marca da paisagem.

Brasília está coalhada de lixo, forrada de farrapos de papel, restos de uma campanha eleitoral medíocre. Há quem diga que não é sujeira, é democracia; como se a democracia não fosse feita de propostas concretas para levar uma sociedade à evolução, como se a democracia se restringisse a papeizinhos impressos com sorrisos falsos.

Neste sábado, a primeira chuva, o cansaço, uma última tentativa de isolamento de uma realidade deprimente. O senso crítico apurado por anos de jornalismo leva-me a rejeitar notícias. No domingo, o voto obrigatório. As opções que me apresentam não correspondem a meus sonhos de democracia.

No Distrito Federal, o candidato do partido do governo tem ligeira vantagem sobre uma desconhecida. Surpreendo-me. Mas é a esposa do candidato, e não o candidato... Ameaçado de ter sua candidatura cassada, renuncia e inscreve a própria mulher em seu lugar. O tribunal aceita.

Nas eleições para a presidência da República, uma outra desconhecida lidera. É a máscara de um presidente que não pode disputar o terceiro mandato. O outro candidato parece envergonhado, não defende as ideias e realizações do próprio partido. E há outra mulher tentando se eleger. Não corta os cabelos porque a religião não lhe permite, mas acredita ser capaz de dirigir um país.

No domingo, a chuva que fingiu chegar vai-se embora. Visto meu traje de votar e dirijo-me às modernas urnas eletrônicas que não me permitem escrever mensagens na cédula. Mas basta teclar o número zero e confirmar para anular meu voto. Mais simples que eleger um canalha.

BONS TEMPOS AQUELES

Trabalhei na sucursal de Brasília do Jornal do Brasil entre 1985 e 1988, e considero esse período a mais importante experiência da minha vida profissional. O JB, apesar da fama de empresa eternamente endividada, era um dos quatro grandes da imprensa nacional, e na opinião da maioria dos jornalistas, o melhor de todos. Ali estava o jornalismo mais criativo, o melhor texto, as reportagens mais originais.

Hoje, 31 de agosto de 2010, circula pela última vez a edição impressa do Jornal do Brasil, fundado há 119 anos e mergulhado numa dívida de R$ 800 milhões. As últimas edições tiveram tiragem de 30 mil exemplares, segundo o próprio jornal, que, nos anos 60, chegou a tirar 230 mil exemplares aos domingos. A partir de agora, o JB será lido apenas na internet, em "nova e melhor fase", anunciada por um editorial que enaltece o "primeiro jornal 100% digital"...

Em meados dos anos 80, quando a redação brasiliense tinha uns 30 jornalistas, os grandes jornais brasileiros adotavam a impressão offset, com fotos a cores e importantes mudanças gráficas. Só o JB, primo pobre, continuava com o anacrônico sistema leterpress, pouco mais evoluído que a tipografia. As fotos, sempre em preto-e-branco, tinham baixa nitidez, o que não tolhia o talento dos fotógrafos.

Ricardo Noblat era o editor executivo da sucursal, dirigida por Luiz Orlando Carneiro. O braço direito de Noblat era João Santana, um talentoso ex-poeta, que no passado era conhecido como Patinhas e escrevia belas letras para as canções da banda baiana Bendegó. Hoje ele abandonou também o jornalismo e transformou-se em vendedor de ilusões... Que evolução!

O lendário colunista político Carlos Castelo Branco publicava todos os dias na página dois, e eventualmente aparecia na redação para entregar sua coluna datilografada. Luiz Orlando raramente saía de sua sala, afastada da redação, mas de vez em quando aparecia para um comentário interessante, um papo rápido com os repórteres presentes. Além de jornalista, Luiz Orlando é um dos maiores especialistas brasileiros em jazz, essa forma elevada de música, e desenhista diletante. Dois de seus desenhos a crayon, de temática jazzística, decoram uma parede de meu apartamento.

"Jornalista trabalha melhor sob tensão", ensinava Noblat, que atribuía a si essa nobre missão - estressar os repórteres. Contam as lendas da época que todos os jornalistas da redação mantinham agenda semanal com a mesma psicanalista. Ao chegar um novato, ela advertia: "Fale-me de sua mãe, porque do Noblat eu já sei tudo."

Bons tempos aqueles. Acho que estou ficando velho. Não há mais JB nas bancas e tenho cada vez mais histórias para contar. 

INCLUSÃO CULTURAL

O escritor e jornalista Wilson Rossato teve a idéia de escrever o livro O sonho de Fernão - Uma aventura com Fernão Dias Paes ao descobrir que é descendente do bandeirante. Com essa obra, voltada para o público infanto-juvenil, Rossato dá prosseguimento a um interessante projeto, o de contribuir para a inclusão cultural de jovens carentes. Ao vender o exemplar ao preço simbólico de R$ 1,00, ele permite que os estudantes das escolas que visita adquiram o livro, e estimula a leitura ao conversar com eles sobre seu trabalho. Para os leitores tradicionais, Rossato lança o livro na próxima quinta-feira, 26, a partir das 19h, no Açougue Cultural T-Bone (312 norte). A eles o livro também é vendido a R$ 1,00, mas Rossato sugere que quem puder pague um pouco mais, levando apenas um exemplar, contribuindo, assim, para a distribuição de mais volumes. O projeto de inclusão cultural promovido por Rossato começou em 2008, com o livro O DJ e as armas proibidas. Total apoio ao Wilson. 
 

A REINVENÇÃO DO ESCRITOR

Jornalista e crítico literário, Sérgio de Sá lança nesta terça-feira, 24, no Restaurante Carpe Diem (104 sul), A reinvenção do escritor: literatura e mass media. O livro, publicado pela Editora da UFMG, analisa as conexões entre a vida literária latino-americana e seu contexto histórico e social, e questiona o papel da literatura e do escritor no mundo urbano. Sérgio de Sá tem tido importante participação no movimento literário de Brasília.

MARCELO SAHEA EM BRASÍLIA

O poeta Marcelo Sahea volta a Brasília para apresentar sua performance poética intermídia e lançar seu novo livro, Nada a dizer - além, é claro, de rever os velhos amigos e incorporar os novos.

Vamos encontrá-lo na Galeria Objeto Encontrado (102 Norte, Bloco B, Loja 56, Asa Norte), a partir das 19h, na próxima terça-feira, 24.

Sahea é diretor de arte, além de artista visual e sonoro, e participou de exposições coletivas como a Obranome II, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, no ano passado, e na I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, em 2008. No mesmo ano fez uma individual na Mostra Sesc de Artes, em São Paulo.

Artista inquieto e criativo, Sahea tem investido em performances poéticas que reúnem palavras a sonoridades diversas. Em seus livros, utilizando conhecimentos de artes gráficas e as possibilidades ilimitadas da informática, ele desenvolve um trabalho absolutamente pessoal. Será uma bela experiência comparecer e ver o que ele nos reserva.
 

DESENVOLVIMENTISMO DESTRUIDOR


Esta foto, feita por Wilson Pedrosa e publicada no jornal O Estado de S. Paulo desta quinta-feira, 19, ilustra com perfeição o tipo de desenvolvimento proposto pelo bando de Dilma Rousseff e seu partido e que a mim, como eleitor, não interessa. Ela mostra o avanço da Ferrovia Transnordestina, como um tanque de guerra, sobre a histórica igreja de São Luiz Gonzaga, no povoado de Fazendinha, sertão de Moxotó, Pernambuco.
 
A igreja, de acordo com reportagem de Leonêncio Nossa, é um raro símbolo do Brasil Colônia, encravado na caatinga desde o século 18. Antes de chegar às proximidades da igrejinha, as máquinas sedentas do desenvolvimentismo a todo custo passaram por cima de velhas baraúnas, também cultuadas pelas cerca de 200 famílias descendentes de africanos e portugueses, que vivem no local.

Há um livro que conta a história do povoado e da igreja, e cita os ancestrais dos nativos enterrados dentro da igreja, alguns deles personagens históricos. Uma equipe de arqueólogos contratados pela Odebrecht já andou revirando as ossadas.

Muitos dos nativos vivem da bolsa-família, mas todos sabem do óbvio: a ferrovia passará pelo povoado como um bólido, sem deixar qualquer benefício. Os políticos locais estão em cima do muro, preocupados apenas com votos a ganhar ou a perder. E a ferrovia, que poderia muito bem fazer uma volta ao redor do sítio histórico, aguarda apenas a destruição de mais um de nossos bens culturais para seguir em frente.


[Foto: Wilson Pedrosa, Agência Estado]

NOVOS POEMAS DE ANDERSON HORTA

  O poeta Anderson Braga Horta (à esquerda, na foto) lançou em Brasília, na última quarta-feira, 4, seu livro Signo - Antologia Metapoética. No livro, o poeta conta um pouco da história da poesia por meio de seus próprios poemas, criados ao longo de décadas e fiéis a diferentes estilos e vanguardas. O livro foi publicado pela Thesaurus Editora, de Brasília, e lançado no restaurante Carpe Diem. 

 Mineiro de Carangola, Anderson Braga Horta vive desde 1960 em Brasília, e sua presença enriquece o meio literário da cidade. Não apenas pelo grande poeta que é, como também pela amizade e prestatividade. Quando publiquei o livro Poemas por amor, reunindo versos dedicados a minha companheira, Nádia (a meu lado na foto), Anderson escreveu um belo texto de apresentação, publicado na contracapa, em que ficava evidente sua sensibilidade de leitor. 

Na primeira foto, aparece também o tradutor e poeta Jeronymo Rivera (à direita).

COMEÇA A FLIP


Montagem da Tenda dos Autores
Foto: Flip Festa Literária (Flickr)
Começa nesta quarta-feira, 4 de agosto, a Festa Literária Internacional de Paraty. Na mesa de abertura do evento, o sociólogo e professor universitário Fernando Henrique Cardoso, autor do prefácio da edição mais recente de Casa-grande & Senzala e um dos principais estudiosos de Gilberto Freire no Brasil, fala sobre a obra do intelectual pernambucano.

O anúncio da presença de Fernando Henrique, ex-presidente do Brasil, na Flip, foi suficiente para despertar algumas polêmicas, especialmente entre petistas exacerbados, que saíram por aí perguntando se a Flip "tucanou". Ora, FHC é sociólogo, professor universitário e especialista na obra de Freire... O que há de errado, então, em convidá-lo para falar a respeito, e na mesa de abertura, já que Freire é o homenageado oficial da festa?

Mais estranho seria convidar o atual presidente, Lula da Silva, para falar sobre qualquer coisa.

Há outras polêmicas sobre a Flip rolando na imprensa. Uma delas é o pequeno número de escritores ficcionistas, numa festa que se propõe literária, privilegiando ensaístas.

Faz sentido. Mas é importante lembrar que a Flip, hoje o mais badalado evento literário do Brasil, é na verdade um evento comercial, comandado pelas grandes editoras. A Flip é realizada pela Associação Casa Azul, uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) criada com o objetivo de contribuir para a solução dos problemas de infraestrutura urbana de Paraty, informa a página oficial do evento na internet. 

Paraty é cidade turística. Realizar na cidade uma festa literária, reunindo escritores de nome internacional, com o patrocínio de grandes empresas e dos governos federal e estadual, só poderia dar certo. Além de levar à cidade turistas interessados em ouvir palestras durante duas horas do dia, e depois badalar pelas charmosas ruas da cidade, a Flip também atrai aquele tipo de turista endinheirado que vai aonde a badalação está, não importa em função de quê. 

Escritores "não oficiais" que comparecem a Paraty apenas para aproveitar o clima e exibir e vender seus livros nas ruas não são bem-vindos à cidade. Nos últimos anos, houve casos de apreensão de livros e repressão policial. 

A partir desta oitava edição, a preocupação dos organizadores passa a ser uma forma de impedir o contínuo crescimento da festa, que a cidade parece já não comportar.

A BIENAL DE POESIA E A PALESTINA

 No mesmo dia em que o diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, oficializou o cancelamento da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP), por falta de patrocínio,  o presidente da República, Lula da Silva, sancionava a lei 12.292, autorizando o Poder Executivo a doar R$ 25 milhões à Autoridade Nacional Palestina, "para a reconstrução de Gaza".

As palavras que você lê acima são as mesmas que estão no texto da lei: doar R$ 25 milhões, etc... Repito para não haver dúvidas.

Não sei os verdadeiros propósitos dessa doação, nem se o governo brasileiro tem feito doações semelhantes pelo mundo afora. É possível que os defensores da lisura petista digam que os recursos de doações para o exterior nada têm a ver com os investimentos que se façam ou deixem de ser feitos em cultura no Brasil.

O Brasil é um país miserável e uma das razões dessa miséria é o baixíssimo grau de educação de seu povo. E educação não é apenas ensinar crianças a ler e investir em professores.

Um povo educado e civilizado não sabe apenas ler. Sabe admirar a boa música, a boa literatura, e prefere trocar o Domingão do Faustão por um passeio a um museu ou uma galeria de arte.
 

Além de saber ler e escrever com correção, um povo civilizado admira e respeita as artes e seus artistas. E, convenhamos, nem o nosso presidente entende muito bem o que é isso, a julgar por centenas de suas frases folclóricas: "Ler dá uma preguiça desgramada." Apesar de seus desejos secretos, nem tão secretos assim, de ocupar um cargo de destaque na ONU ou ganhar o Prêmio Nobel.

Por tudo isso, pode fazer todo sentido que o governo ache uma bobagem "investir num festivalzinho de poesia" e relevante doar R$ 25 milhões à autoridade palestina.

Mas, para este solitário escriba, isso é uma aberração. Ainda que reconheça que essa aberração é típica do Brasil.


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SIMPÓSIO DE POESIA SERÁ EM NOVEMBRO

  O II Simpósio de Crítica de Poesia, que faria parte da programação da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP), está confirmado pelos organizadores, mas será adiado de setembro para novembro. A professora Sylvia Cintrão, da Universidade de Brasília, que coordena o evento, informou que a mudança de data é necessária para que seja feita nova organização logística, independente da BIP. O diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, coordenador da Bienal, cancelou o evento devido a perda de patrocínios (leia postagem anterior), mas o simpósio já conta com os recursos necessários.

O tema do II Simpósio será Poesia contemporânea: olhares e lugares. Em diversos painéis distribuídos ao longo de três dias, reunirá autores como Marina Colassanti, José Castello, Floriano Martins, Rodrigo Garcia Lopes, Fernando Fiorese, Antonio Carlos Secchin, entre outros, além de poetas radicados em Brasília, como Antonio Miranda, Sérgio de Sá, Nicolas Behr e este escriba. O compositor Oswaldo Montenegro permanece como homenageado do evento. A organização do simpósio aguarda, agora, nova confirmação dos palestrantes. A data prevista é 8, 9 e 10 de novembro, coincidindo com a Semana de Extensão da UnB.

Menos mal. Quem sabe não conseguiremos transformar o simpósio numa pequena amostra do que seria a II Bienal de Poesia - que, se não puder acontecer ainda este ano, jamais poderá ser chamada novamente de "bienal"? 

II BIENAL DE POESIA É CANCELADA

 Aconteceu a tragédia anunciada. A Biblioteca Nacional de Brasília acaba de cancelar a II Bienal Internacional de Poesia (BIP), prevista para acontecer na primeira semana de setembro.

Os escritores convidados, que já haviam confirmado sua participação, estão sendo comunicados pelo diretor da biblioteca e organizador do evento, o poeta e professor Antonio Miranda. A carta atribui a decisão à insuficiente captação de patrocínios, provocada pelo atraso na aprovação do projeto do festival pelo Ministério da Cultura e o contingenciamento de recursos do governo federal.

A página da II BIP ainda estava na internet, às 14h desta terça, 20. Lá está a lista dos poetas confirmados para o evento: Ernesto Cardenal (Nicarágua), Humberto Ak´abal (Guatemala), Leo Lobos (Chile), entre muitos outros. Marina Colasanti, Augusto de Campos, Antonio Cícero, Marco Lucchesi, Floriano Martins, Miriam Fraga, Eucanaã Ferraz, Fred Maia, Wilmar Silva, Ruy Espinheira Filho eram alguns dos brasileiros já confirmados.

Os poetas homenageados da Bienal seriam Cardenal, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e o compositor Oswaldo Montenegro, que teve sua formação em Brasília.

A grave crise política que transtorna o Distrito Federal desde o final do ano passado foi uma das causas do cancelamento da Bienal, mas não a principal delas. Qualquer evento cultural de porte, em Brasília, sempre acontece apesar do governo local, e não graças a ele. A principal razão foi a desistência da Petrobrás de patrocinar o evento, depois de haver se comprometido a contribuir. A decisão da Petrobrás é ordem do governo federal.

A Petrobrás também retirou o patrocínio, na última hora, para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A diferença é que o governo do Estado do Rio reconheceu a importância do evento e injetou R$ 1,5 milhão para viabilizá-lo. Já o atual governador do Distrito Federal, o quarto em um único mandato, depois da prisão do primeiro, da renúncia do segundo e da passagem do terceiro, não chegou a pensar no assunto.

Qualquer grande evento cultural, seja no Brasil ou em Brasília, depende de muita luta e da disposição de indivíduos que acreditam e o levam adiante, como verdadeiros quixotes. O poeta Antonio Miranda é um desses personagens. Infelizmente, o sucesso da bienal de 2008 não foi suficiente para sensibilizar os patrocinadores.

A II Bienal de Poesia era a última esperança de que algum evento realmente importante marcasse o calendário de 2010, ano em que Brasília comemorou melancolicamente seus 50 anos de inauguração.

UM POEMA DE ROBERTO PIVA

Poema submerso

Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror
quando os cílios do anjo verde enrugavam as
chaminés da rua onde eu caminhava
E via tuas meninas destruídas como rãs por
uma centena de pássaros fortemente de passagem
Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o
infinito pousava na palma da minha mão vazia
E meninos prodígios eram seviciados pela Alma
ausente do Criador
Havia um revólver imparcialíssimo vigiado pelas
Amebas no telhado roído pela urina de tuas borboletas
Um jardim azul sempre grande deitava nódoas nos
meus olhos injetados
Eu caminhava pelas aléias olhando com alucinada ternura
as meninas na grande farra dos canteiros de
insetos baratinados
Teu canto insatisfeito semeava o antigo clamor dos
piratas trucidados
Enquanto o mundo de formas enigmáticas se desnudava
para mim, em leves mazurcas

Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 poetas hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Piva foi marginal por natureza, e crítico feroz do conformismo e da cultura oficial. Tudo a ver com uma das epígrafes de seu último livro, Estranhos sinais de saturno: "A verdadeira poesia se encontra fora das leis", frase de Georges Bataille. Piva morreu no dia 3 de julho, aos 72 anos. Algumas semanas antes dele, morreu também o editor Massao Ohno, responsável pelo lançamento de seu primeiro livro e por revelar um grupo importante de poetas brasileiros. Duas grandes perdas, que atestam o enorme capacidade deste país de se empobrecer culturalmente ao negligenciar o que tem de bom.

EM MEMÓRIA

Já pensei várias vezes em não mais escrever obituários neste blog. Recentemente, tivemos perdas importantes de grandes artistas: Glauco, Wilson Bueno, Antonio Poteiro e, agora, José Saramago. Bem, pessoas chegam ao fim de suas trajetórias todos os dias, e nem sempre seus nomes alcançam a mídia ou o nosso conhecimento. Certamente muitos trabalhos interessantes são interrompidos sem nos darmos conta. Mas é impossível não lembrar da grandeza de algumas dessas trajetórias e lamentar as perdas, embora o mais agradável seja contribuir para o conhecimento de suas obras. 

RONALDO FERNANDES, PRÊMIO DA ACADEMIA

A poesia de Ronaldo Costa Fernandes não silencia sobre os ruídos obscenos do mundo. Seus versos são serenos, como se ao abrir a cortina ele apenas pronunciasse as palavras exatas, sem alterações na voz, para analisar a cena que desnuda. São poemas altamente líricos, coloridos com ironia sutil e imagens às vezes inusitadas, que fazem mudar o foco do sentido nos objetos descritos. É o caso, por exemplo, do intrigante Churrasco: "Da minha janela, vejo fornos crematórios. / (...) / Nos fins de semana, / começa o sacrifício de bois e rins ; e a fumaça se evola, em suas cólicas / cinzas, a passagem das horas, / o riso grotesco dos feriados (...)".
 
 Seu livro A máquina das mãos, onde se lê esse poema, valeu a Ronaldo Costa Fernandes, maranhense radicado em Brasília, o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras deste ano. Os acadêmicos Lêdo Ivo, Affonso Arinos de Mello Franco e Alberto da Costa e Silva assim explicaram a sua escolha: “Trata-se de um livro em que a experiência pessoal do poeta, convertida em linguagem, se transmuda em poemas de excelente nível, e nos quais se casam a emoção e a execução apurada, sob a regência de um rigor que não exclui a aventura e a transgressão.” A máquina das mãos foi publicado pela Editora 7 Letras, do Rio de Janeiro. 

 
Os demais vencedores do Prêmio Literário da ABL foram, respectivamente, Rodrigo Lacerda (romance Outra vida), Ângela-Lago (Marginal à esquerda) e Milton Lins (Pequenas traduções de grandes poetas), nas categorias ficção, literatura infanto-juvenil e tradução. O mais importante dos prêmios, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra, coube ao crítico literário, professor, escritor, ensaísta e filósofo paraense Benedito Nunes.

FERREIRA GULLAR, PRÊMIO CAMÕES

"A arte existe porque a vida, só, não basta." Esta é uma das frases lapidares do poeta Ferreira Gullar, maranhense prestes a completar 80 anos e a lançar mais um livro - Em alguma parte alguma. Ao longo do tempo, Gullar refinou sua linguagem poética sem jamais perder a capacidade de observação e indignação que o leva a ganhar, agora, o Prêmio Camões, principal distinção concedida a autores de língua portuguesa. 
 
Gullar está cheio de energia, e esta semana participa do programa Viagem Literária, da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, que leva escritores a cidades do interior para falar com estudantes e leitores. Em setembro, mês de seu aniversário, Gullar será um dos homenageados da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que deve reunir na capital do país poetas de todas as linguagens artísticas, vindos das Américas, Europa e Ásia.
 

Um viva para Ferreira Gullar.

HOMENAGEM AOS POETAS DE BRASÍLIA

  O poeta e compositor Climério Ferreira presta uma inusitada homenagem aos poetas que vivem em Brasília. Seu livro Da poética candanga - Poesia sobre poesia (Ed. Casa das Musas) traz releituras e recriações de versos de autores da cidade. Este escriba é um dos homenageados, ao lado de Reynaldo Jardim, Guido Heleno, Cassiano Nunes, Ariosto Teixeira, Paulo Tovar, Eudoro Augusto, Chico Alvim, entre outros. 

Climério é professor aposentado da Universidade de Brasília e autor de canções de sucesso da MPB, ao lado de seus irmãos Clodo e Clésio. 

O livro será lançado nesta quinta-feira, 29, no Açougue Cultural T-Bone, 312 norte, em Brasília. Estaremos lá. 

[Foto: Arquivo Correio Braziliense, Elza Fiúza - 1979]

BELO MONTE DE MERDA

O Greenpeace depositou diante da entrada principal da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a melhor representação da Usina de Belo Monte e de outros projetos do governo: um monte de esterco. Sem maiores comentários. 

[clique na foto para ampliá-la]

BRASÍLIA NÃO TEM O QUE FESTEJAR

Os compêndios médicos tratam de uma rara doença, a síndrome de Hutchinson-Gilford, popularmente conhecida como progéria, que se caracteriza pelo envelhecimento precoce de crianças. Apresenta-se antes da adolescência e a perspectiva de vida é de no máximo 17 anos. A cidade de Brasília padece de uma síndrome parecida - uma certa progéria urbana.

 Ao completar 50 anos, Brasília sofre de todos os males de metrópoles que o tempo arruinou aos poucos. O péssimo serviço de transporte urbano cria o caos no trânsito. O desemprego estimula a violência, e a segurança pública é a pior possível. Miséria, corrupção sem disfarces em todos os níveis da administração pública, problemas ambientais. Hospitais não oferecem nem o mais básico serviço esperado. Crianças vivem nas ruas, sobrevivendo de esmolas e consumindo drogas. E para completar, a própria população carece de respeito pela cidade. Um retrato do Brasil.

Inaugurada em 1960, trazia o germe de males que grandes cidades do Brasil e do mundo já enfrentavam. Muitos desses problemas poderiam ter sido previstos ainda na prancheta, e sanados gradualmente.

Seus criadores esqueceram-se de um detalhe: como qualquer aglomerado urbano, nascia ali um organismo vivo, e seu destino era ser habitado por milhões de almas, criando uma sociedade, ou várias sociedades, complexas e carentes de boas condições de vida.

 O primeiro erro de seus construtores, que sonharam uma cidade meramente estática, foi não pensar o projeto de ocupação de todo o quadrilátero do Distrito Federal. Prevista para ser um centro administrativo, a capital do país é uma cidade artificial, com uma população de 200 mil habitantes. Tombada pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, ocupa uma área de 450 quilômetros quadrados dentro dos 5.800 quilômetros quadrados do quadrilátero do Distrito Federal, que na época da construção de Brasília era uma enorme extensão de terra vazia sem qualquer planejamento de ocupação.

Os 200 mil habitantes dessa área privilegiada estão cercados de uma população de 2,4 milhões de “vizinhos” sem qualquer identidade com Brasília, que vivem em dezenas de cidades que se multiplicaram ao redor, sem qualquer planejamento urbano.

Os sucessivos governos do Distrito Federal, ao longo desses 50 anos, permitiram e até incentivaram essa ocupação desordenada, alimentada por uma especulação imobiliária descontrolada e pelo mito de que Brasília era um eldorado. O governo local chegou ao ponto de distribuir gratuitamente lotes para moradia de milhares de famílias, criando aglomerações urbanas populosas, sem que se criasse uma estrutura econômica geradora de empregos.

Essa enorme população, sem consciência de cidadania, sem qualquer projeto para o futuro, sem quaisquer intenções coletivas, só tem olhos para os problemas individuais de cada um. Os políticos entenderam que somente com propostas assistencialistas terão chance de se eleger. O eleitor do Distrito Federal não se incomoda com a corrupção, e é o grande culpado, sim, pela gente desqualificada que ocupa cada vez mais cargos públicos. Repito: é o retrato do Brasil.

 Algumas das maiores cidades do Distrito Federal, com mais de 200 mil habitantes, não têm cinemas ou teatros. Todos os equipamentos públicos do setor cultural, quase todos localizados na pequena área central tombada pela Unesco, estão abandonados. Obras importantes de artistas do Brasil e exterior, que compõem o acervo do Museu de Arte de Brasília, estão empacotadas para se proteger de goteiras e do mofo. O Cine Brasília, onde se realiza um dos mais tradicionais festivais de cinema do país, o Espaço Cultural 508 Sul, Concha Acústica, envelheceram sem manutenção.

Monumentos de grande importância cultural, como o Memorial JK, Teatro Nacional, Catedral Metropolitana, Palácio do Planalto (sede do governo federal) estão em péssimo estado de conservação. Os três últimos estão em obras, que não ficarão prontas na data de comemoração dos 50 anos, 21 de abril.

Criada para ser um modelo para o futuro, Brasília falhou em tudo e, ao completar 50 anos, não tem do que se orgulhar. A cidade é hoje um microcosmo do Brasil, um país incapaz de planejar seu desenvolvimento e que tenta resolver os problemas depois que eles surgem, sem criar uma estrutura de prevenção.

A grande utopia de Brasília, cidade cheia de propostas utópicas, foi a tentativa de se criar no centro do Brasil uma civilização avançada, de primeiro mundo. Foi também o grande fracasso. Se Brasília tivesse sido criada no mundo civilizado, provavelmente seria uma das cidades mais visitadas do planeta. Mas foi criada no Brasil, país que prefere crescer como um câncer, sem qualquer planejamento. Brasília tornou-se, assim, apenas a caricatura de uma utopia. 

[Foto 1: Poesia Nômade; foto 2: Ecotidiano; foto 3: UnB]

A PROFECIA DE SÁ, RODRIX & GUARABYRA

Gravado no segundo semestre de 2008, o CD Amanhã, de Sá, Rodrix e Guarabyra só foi lançado em fevereiro de 2010, quase um ano após a morte de Zé Rodrix. O CD traz 12 canções inéditas do trio, mas a faixa que mais chama a atenção é Novo Rio, uma profecia, carregada de lirismo, da tragédia que assolou o Rio de Janeiro nos últimos dias. Clique para ouvir.

UMA PERGUNTA E INFINITAS RESPOSTAS

O que é poesia? A pergunta desperta mais questões do que respostas. O livro organizado por Edson Cruz, fundador e ex-editor do portal de literatura Cronópios, é, por isso, um labirinto em espiral. Affonso Romano de Sant´Anna, Antonio Cícero, Cláudio Daniel, Frederico Barbosa, Sebastião Nunes são alguns dos 45 poetas que tentaram responder a pergunta. O resultado gerou uma instigante antologia reflexiva sobre essa linguagem que encanta, seduz e às vezes assusta leitores. O que é poesia?, publicação das editoras Calibán e Confraria do Vento, será lançada nesta sexta-feira, 26 de março, em Brasília, com a presença dos poetas Antonio Cícero, Antonio Miranda, Chico Alvim, Felipe Fortuna, Frederico Barbosa, Nicolas Behr e Ronaldo Costa Fernandes, em debate com apresentação e mediação do próprio Edson Cruz. Será na Livraria Dom Quixote, no Centro Cultural Banco do Brasil, a partir das 18h.

LÁ VEM BOMBA!!!


Você pode dizer o que quiser, mas Sérgio Fantini é o cara. Ele gosta de zanzar por aí com seu jeito sarcástico, mais que irônico, sempre amigo, mas quando solta um livro novo, lá vem bomba. A ponto de explodir. Você que se segure com essa escrita que é só dele, ainda que ele dê uma entrevista aqui e ali tentando explicar um pouco a coisa e tal.

Algumas dessas explicações
ele deu em entrevista à Revista de Autofagia, publicada em Belo Horizonte e disponível na internet, se você procurar. "Transformei o poeta em prosador". Desde 1976 ele vinha publicando seus poemas em xerox, zines, livrinhos, folhetos, e a coisa tomou grandes dimensões.

A ponto de explodir
, sua mais recente façanha, começa com um contozinho despretensioso, HC, uma historinha adolescente, que você vai guardar na memória até a velhice,como se aquilo tivesse acontecido com você. "Um dia vamos rir disso tudo", você diz para ele, ele e os personagens, a Liz e o Pistache, você já imaginou um personagem que se chama Pistache? E de repente você já está a ponto de explodir de rir daquilo tudo.

Tem também aquela gente sofrida e amarga
que circula pelas páginas a ponto de explodir. Tem aquela história policial com um título instigante, seu deus não é o meu, tem o John Lennon marcando para sempre a agenda de três jovens soltos na vida... Sim, todo o mundo se lembra o que fazia naquele 8 de dezembro!

E tem poesia, é claro.
Implícita e explícita. Por exemplo, Diário do inclame, mais que justa homenagem a Tião Nunes, e o texto título, uma porrada que nos atira contra o muro dos becos sem saída.

O livro foi lançado pelo selo Uainote
em 2008 e circula entre amigos, parentes, eventos, lugares onde o Sérgio circula. Sempre haverá o risco de dar de cara com ele. Em Belo Horizonte, onde vive, ou qualquer outra quebrada por aí. E então, está esperando o quê para ler o livro do Sérgio Fantini? A ponto de explodir estamos todos.