A BABEL DA POESIA


Quando o avião pousou no aeroporto de Lima, no Peru, por volta de meio-dia do dia 3 de julho, tinha início uma fascinante experiência. Eu chegava à cidade para participar do II Festival Internacional de Poesia de Lima, o Fiplima, a convite de seus organizadores, e estava ansioso para saber como se daria o encontro, durante os quatro dias do evento, entre os 114 poetas de 30 países que o evento anunciava. 

A Casa da Literatura Peruana
Realizado pela prefeitura da cidade e pela Associação Fórnix Poesia, o Fiplima contou com o apoio de grande número de empresas e entidades, incluindo a Unesco e a Embaixada do Brasil. Quem manteve a máquina funcionando , resolvendo pequenos e grandes problemas, foi o poeta Renato Sandoval, que contou com uma equipe dedicadíssima e um grande número de jovens voluntários. 

Outro personagem importante foi o próprio público, que prestigiou o evento. O Peru tem uma relação carinhosa com seus escritores, que se manifesta em entidades como a Casa da Literatura Peruana, sediada em edifício majestoso, no centro da capital. Não se faz um festival internacional de poesia em lugar qualquer.  

Fizemos 23 recitais, distribuídos em auditórios de bibliotecas, parques, universidades, centros culturais, em diferentes pontos de uma cidade enorme e caótica. Lima tem clima úmido, onde o tempo é permanentemente nublado e raramente se vê a cor do céu. Para chegar ao local do evento, os poetas escalados, geralmente em número entre sete e nove, eram transportados em vans contratadas pela organização do festival. No interior do carro, que inevitavelmente ficava preso em enormes engarrafamentos, o som era de uma babel, onde se misturavam as mais diversas línguas. 

Nos recitais, cada poeta falava um poema em sua língua original e em seguida um dos organizadores lia uma tradução em espanhol, ouvidas, ambas as versões, por um público atento, curioso e sensível. Havia, entre os participantes, poetas de países tão distintos quanto Suécia, França, Dinamarca, Palestina, Argélia, Armênia, Espanha, Noruega, Sérvia, entre outros, além dos latino-americanos – Argentina, Uruguai, Colômbia, México, Brasil. Alguns desses escritores nem compreendiam o espanhol, o que tornava os recitais ambientes sonoros sem muito sentido para eles, a não ser pela curiosa musicalidade da poesia em línguas estranhas. 

Mesa brasileira
Do Brasil, fomos 10 poetas convidados. Além deste que lhes escreve, lá estavam Affonso Romano de Santanna, Fabrício Marques, Iacyr Anderson Freitas, Sérgio Cohn, Fabrício Corsaletti, Luiz Silva Cuti, Lucila Nogueira, Camila do Valle e Angélica Freitas. O evento coincidiu com a realização da Festa Literária de Paraty (Flip), que excita de tal forma a imprensa cultural brasileira que não se fala de outra coisa. Uma pena, porque o Brasil foi o país convidado de honra desta edição da Fiplima, e creio, sem julgar a minha parte, que nossa poesia estava bem representada. 

Ao lado de mais de 100 poetas, ainda que todos hospedados no mesmo hotel, era impossível aproximar e tomar conhecimento de todos. No entanto, foi riquíssima a experiência de entrar em contato com a poesia de escritores de grande talento. Cada um em seu canto, formados em culturas tão diversas, esses homens e mulheres praticam o ofício de ler o mundo pela linguagem da poesia, que supera fronteiras e os une ao redor das afinidades e diversidades de sua arte.

A poesia carrega o vigor de quem toma da palavra para lutar contra a adversidade, enaltecer a beleza, demonstrar seu estranhamento diante de um mundo caótico ou questionar aparentes certezas. A poesia é uma linguagem mágica, por não se prender aos limites do sentido e estar aberta a todas as possibilidades. É o que os poetas têm em comum, ainda que venham de culturas distintas.

De 4 a 7 de julho, quando se deu o encerramento do festival, ouvi poemas que me surpreenderam pela beleza, profundidade e força. Falados em idiomas familiares ou estranhos, muitos deles permaneceram reverberando na mente e no coração. Ao deixar Lima, eu tinha certeza de que havia enriquecido e aprofundado um pouco mais a minha experiência com a poesia.