[hiatos] A EXPERIÊNCIA DA POESIA

Levei um tempo razoável para encontrar o título para o livro que estou lançando agora, Hiatos, publicado em São Paulo pela Editora Patuá. Ao contrário de todos os seis livros que escrevi anteriormente, desta vez o título só se definiu depois que o livro estava praticamente pronto. Cheguei a adotar cinco ou seis títulos, até encontrar o definitivo. 

“Hiato” é um termo rico e interessante, porque carrega significados amplos. Talvez o primeiro que nos ocorra seja aquele que aprendemos nos bancos escolares, nas aulas de gramática, que descreve o encontro de duas vogais pertencentes a sílabas diferentes – como é o caso da própria palavra em questão, que tem três sílabas (hi-a-to). Quando eu estava na escola, achava extremamente difícil distinguir um hiato de um ditongo, que descreve o caso contrário  união de duas ou mais vogais na mesma sílaba, como “pai” ou “muito”. A diferença é o som emitido em um ou outro caso, e portanto a distinção depende de nosso ouvido. 

Outros significados da palavra “hiato” têm em comum a ideia de interrupção ou descontinuidade. As fissuras que nos ameaçam ou nos salvam. Como disse o poeta canadense Leonard Cohen, que usei como epígrafe do livro, as rachaduras por onde entra a luz. Aquilo que nos falta, ou a experiência única da vida, que, afinal, é um hiato entre o nada e o nada. 

Os 53 poemas que formam meu novo livro abordam temas muito diversos, mas há alguma coisa em comum entre todos eles, já que a sua criação foi impulsionada pelo sentimento de sufocamento e inquietação que nos atinge a todos, nesses tempos caóticos que atravessamos – não só no Brasil. Alguns se alienam para se defender; outros se xingam nas redes sociais; outros perdem totalmente o rumo e partem para a violência, que é uma retaliação contra a humanidade. O caminho para a salvação, no meu caso, é a poesia. E não só aquela que escrevo: é também a que leio e a que me sensibiliza na música, no cinema, nas artes em geral. A poesia está em toda parte – pode ser encontrada também numa conversa entre amigos numa mesa de bar. 

A primeira parte do livro aborda uma experiência que poderia ter sido traumática, mas foi superada graças à minha autoconfiança, às pessoas próximas a mim, que me deram força, e a algumas crenças, e a literatura é uma delas. Tive que fazer uma cirurgia delicada, cujas marcas levo comigo, e transformei um pouco daqueles momentos em poesia. Foi uma experiência sem dúvida muito pessoal, íntima até. Porém, a magia da literatura é alcançar a intimidade das pessoas sem a necessidade de expor a intimidade de ninguém. E é por isso que esse tema está no livro, que uma vez publicado já não pertence a mim. 

Algumas experiências da vida são transformadoras. Trabalhar seriamente com a poesia, lutar com as palavras durante quatro anos, na tentativa de encontrar a melhor expressão, abordar temas que nos obrigam a refletir sobre o mundo, o exterior e o interior, tentar compreender por que nós, seres humanos, somos o que somos, tudo isso provoca um tsunami em nossa normalidade. Não saí ileso disso – mas saí com um novo livro, a que dei o título de Hiatos, um objeto palpável que se tornou uma criatura viva, que agora trago nas mãos. Lá está um pouco de minha vida, de meu olhar, de minha visão de mundo, das pessoas que amo, de minhas perdas e ganhos.