CAIXINHA DE SURPRESAS
O pequeno pacote chegou na quarta-feira, 12 de setembro, vindo de Jaboatão dos Guararapes (PE). Imaginei tratar-se de algum livro. A literatura me proporciona essas surpresas ocasionais, algumas bastante agradáveis. Edson Guedes de Morais, o remetente, era um desconhecido para mim.
Aberto o pacote, encontro uma caixinha de papelão. Na tampa, uma imagem pela qual tenho enorme carinho: uma fotografia de minha mãe, aos nove anos de idade. Essa foto faz parte dos arquivos familiares e serviu de inspiração para o poema Carta a Mariazinha, publicado em meu livro Arqueolhar.
As surpresas estavam apenas começando. Dentro da caixa, mais de uma centena de cartões, com uma série de poemas retirados de meus cinco livros, e um deles do mais recente, Exília, ainda inédito.
Um dos cartões trazia a dedicatória manuscrita: “Ao poeta Alexandre Marino, com os cumprimentos de Edson”.
Edson Guedes de Morais comanda a Editora Guararapes EGM, estabelecida em Jaboatão dos Guararapes. Nascido em Campina Grande (PB) em 1930, tem formação profissional em desenho, pintura, artes gráficas, jornalismo, entre outras. Soube depois que o belo trabalho que ele realizou com meus poemas faz parte de um projeto pessoal a que tem se dedicado ao longo dos anos, divulgando, com abnegação e generosidade, a obra de escritores que admira.
A escolha dos mais de vinte poemas que compõem a caixa exigiu de Edson Guedes uma cuidadosa pesquisa. Traçam um abrangente panorama de meu trabalho literário, que venho realizando desde a adolescência. As imagens com que ilustrou os poemas também demonstram o apreço e sensibilidade com que se dedicou à tarefa.
A literatura vale também por essas pequenas grandes surpresas.
[história afetiva] PROTÓTIPO Nº 5
“Fique por dentro da literatura jovem deste país: leia e passe pra frente”, clamava o texto publicado na primeira página da quinta edição de Protótipo, lançada em agosto de 1973, apenas dois meses após a edição anterior. A revista estava a todo vapor. Elogiada pela imprensa especializada, recebia cartas, livros e colaborações de várias regiões do país e a turma de escritores do grupo conquistava prêmios literários.
O texto da primeira página mostrava um pouco do currículo desses autores, listando alguns dos prêmios conquistados em concursos e festivais de vários estados brasileiros. Definitivamente, a turma da Protótipo rompia as fronteiras de Passos, cidade com pouco mais de 50 mil habitantes no sudoeste de Minas Gerais, onde não se fazia uma ideia exata dos estragos causados pela ditadura militar país adentro.
Novos autores apareciam pela primeira vez nas páginas da quinta edição da Protótipo, que trazia na capa um desenho deste escriba. Mas o expediente registrava uma sentida ausência: Carlos Anselmo Parada, um dos fundadores, se afastou da revista, por discordar de alguns métodos adotados pelo grupo. Posteriormente, ele criou outra, Ardeia, de orientação mais jornalística e cultural, voltada para questões locais.
Neste quinto número, publicaram, pela primeira vez na Protótipo, os autores Geraldo Rezende e José Francisco da Silveira (Guaxupé-MG), Heber Fonseca Santos (Recife), Susete de Lourdes (Passos), Ronaldo Botrel (Belo Horizonte) e Leônidas Azevedo Filho (Salvador). Entre os escritores que não pertenciam ao grupo, mas se tornavam frequentes nas páginas da revista, estavam os paranaenses Domingos Pelegrini e Rui Werneck de Capistrano.
O texto da primeira página mostrava um pouco do currículo desses autores, listando alguns dos prêmios conquistados em concursos e festivais de vários estados brasileiros. Definitivamente, a turma da Protótipo rompia as fronteiras de Passos, cidade com pouco mais de 50 mil habitantes no sudoeste de Minas Gerais, onde não se fazia uma ideia exata dos estragos causados pela ditadura militar país adentro.
Novos autores apareciam pela primeira vez nas páginas da quinta edição da Protótipo, que trazia na capa um desenho deste escriba. Mas o expediente registrava uma sentida ausência: Carlos Anselmo Parada, um dos fundadores, se afastou da revista, por discordar de alguns métodos adotados pelo grupo. Posteriormente, ele criou outra, Ardeia, de orientação mais jornalística e cultural, voltada para questões locais.
Neste quinto número, publicaram, pela primeira vez na Protótipo, os autores Geraldo Rezende e José Francisco da Silveira (Guaxupé-MG), Heber Fonseca Santos (Recife), Susete de Lourdes (Passos), Ronaldo Botrel (Belo Horizonte) e Leônidas Azevedo Filho (Salvador). Entre os escritores que não pertenciam ao grupo, mas se tornavam frequentes nas páginas da revista, estavam os paranaenses Domingos Pelegrini e Rui Werneck de Capistrano.
MONTEIRO LOBATO, RACISTA?
No futuro, quando o Brasil tiver evoluído, educado melhor sua população e se aproximado da civilização, a cena que você vê na foto acima se tornará piada de salão.
Contam os anais do Vaticano que, num passado distante, a alta cúpula da Igreja católica se reuniu durante vários dias para discutir qual era o sexo dos anjos. Ao final da longa maratona de debates, sem chegar a qualquer conclusão, decidiram que os anjos não têm sexo.
A expressão “discutir o sexo dos anjos” se tornou, desde então, sinônimo de discussão infrutífera, sem importância.
No Brasil do futuro, caso o país consiga evoluir, a expressão “discutir o racismo em Lobato” será sinônimo de debater questões inócuas - ainda que a reunião que você vê na foto possa trazer graves consequências.
Um grupo de advogados preocupados com o racismo decidiu levar ao Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país, a descoberta de um mestrando em educação na Universidade de Brasília, o técnico em Gestão Educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Segundo ele, o livro Caçadas de Pedrinho, um clássico da literatura infantil brasileira, é racista. Por causa dessa ideia, há quem defenda a proibição do livro.
O atraso do Brasil em educação é tão grave que educadores como Costa Neto e alguns integrantes do Conselho Nacional de Educação simplesmente não sabem, não têm noção, do que é literatura.
Literatura não é educação moral e cívica. Não é cartilha escolar. Não é manual de instruções para injetar informação na cabeça de crianças.
Literatura é arte! Será que esse pessoal sabe o que é isso, arte?
A coisa chegou a tal ponto que pessoas supostamente intelectualizadas decidiram levar ao banco dos réus, repito, na mais alta corte do país, um autor clássico da literatura brasileira, Monteiro Lobato.
Muitas gerações descobriram o prazer da leitura com livros de Lobato. Será que todos esses leitores se tornaram racistas?
Racismo é consequência da ignorância, professor. E o melhor remédio contra a ignorância é a leitura. De autores clássicos, mais ainda.
Será que os professores que ensinam nossas crianças estão levando a elas a poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Manoel de Barros, de Manuel Bandeira, de Ferreira Gullar?
Em audiência no Supremo, representantes do Ministério da Educação e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) concordaram em discutir novamente em 25 de setembro as questões levantadas pelo “racismo” em Lobato. Entre as quais, as relações étnico-raciais em livros adotados pelo sistema de ensino.
Mais importante que o resultado dessa discussão é perceber que, enquanto a literatura não for vista com seriedade nas escolas, a ignorância tende a se alastrar.
Contam os anais do Vaticano que, num passado distante, a alta cúpula da Igreja católica se reuniu durante vários dias para discutir qual era o sexo dos anjos. Ao final da longa maratona de debates, sem chegar a qualquer conclusão, decidiram que os anjos não têm sexo.
A expressão “discutir o sexo dos anjos” se tornou, desde então, sinônimo de discussão infrutífera, sem importância.
No Brasil do futuro, caso o país consiga evoluir, a expressão “discutir o racismo em Lobato” será sinônimo de debater questões inócuas - ainda que a reunião que você vê na foto possa trazer graves consequências.
Um grupo de advogados preocupados com o racismo decidiu levar ao Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país, a descoberta de um mestrando em educação na Universidade de Brasília, o técnico em Gestão Educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Segundo ele, o livro Caçadas de Pedrinho, um clássico da literatura infantil brasileira, é racista. Por causa dessa ideia, há quem defenda a proibição do livro.
O atraso do Brasil em educação é tão grave que educadores como Costa Neto e alguns integrantes do Conselho Nacional de Educação simplesmente não sabem, não têm noção, do que é literatura.
Literatura não é educação moral e cívica. Não é cartilha escolar. Não é manual de instruções para injetar informação na cabeça de crianças.
Literatura é arte! Será que esse pessoal sabe o que é isso, arte?
A coisa chegou a tal ponto que pessoas supostamente intelectualizadas decidiram levar ao banco dos réus, repito, na mais alta corte do país, um autor clássico da literatura brasileira, Monteiro Lobato.
Muitas gerações descobriram o prazer da leitura com livros de Lobato. Será que todos esses leitores se tornaram racistas?
Racismo é consequência da ignorância, professor. E o melhor remédio contra a ignorância é a leitura. De autores clássicos, mais ainda.
Será que os professores que ensinam nossas crianças estão levando a elas a poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Manoel de Barros, de Manuel Bandeira, de Ferreira Gullar?
Em audiência no Supremo, representantes do Ministério da Educação e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) concordaram em discutir novamente em 25 de setembro as questões levantadas pelo “racismo” em Lobato. Entre as quais, as relações étnico-raciais em livros adotados pelo sistema de ensino.
Mais importante que o resultado dessa discussão é perceber que, enquanto a literatura não for vista com seriedade nas escolas, a ignorância tende a se alastrar.
Foto: Portal do STF
[história afetiva] PROTÓTIPO Nº 4
O quarto número da revista literária Protótipo foi lançado em junho de 1973, e o sucesso das edições anteriores, que atraíram notas, artigos e reportagens em grande número de jornais e revistas, deu uma certa segurança ao grupo para compreender que nossos textos já rompiam as fronteiras da cidade de Passos. No editorial, Antonio Barreto fazia referências ao “país em que as revistas literárias não passam do número três...” e onde uma cruel ditadura militar “ceifava as manifestações culturais ao alvorecer”.
Esta edição teve na capa um desenho de Marco Túlio Costa, um dos escritores do grupo. No expediente, um dado curioso: havia o diretor geral, o diretor executivo, o tesoureiro, o departamento de vendas, o departamento de propaganda, o departamento de intercâmbio; mas na verdade, todos os integrantes eram escritores e publicavam contos e poemas nas páginas da revista. Até hoje não entendi o propósito dessa divisão do grupo em cargos burocráticos, já que todos faziam de tudo. Nenhum de nós saberá explicar isso.
Nessa época, Antonio Barreto já se mudara de Passos para Belo Horizonte, onde se empregou numa pequena gráfica montada pelo também escritor Jefferson Ribeiro de Andrade, a Copibel. Jefferson editava uma revista semelhante à Protótipo, Bel´Contos, e ambas se tornaram revistas irmãs. Barreto datilografava todos os textos em estêncil eletrônico, e outros integrantes do grupo da Protótipo cuidavam das ilustrações, feitas da mesma maneira trabalhosa e rudimentar das edições anteriores, com estilete sobre o estêncil.
Além dos autores do grupo, esta edição de Protótipo também abriu suas páginas a outros autores, como Carlos Verçosa e J. Cristiniano, de Londrina (PR), Maria Aparecida Negrinho, de Guaxupé (MG) , e Carlos Alexander Mínimo, de Passos.
Esta edição teve na capa um desenho de Marco Túlio Costa, um dos escritores do grupo. No expediente, um dado curioso: havia o diretor geral, o diretor executivo, o tesoureiro, o departamento de vendas, o departamento de propaganda, o departamento de intercâmbio; mas na verdade, todos os integrantes eram escritores e publicavam contos e poemas nas páginas da revista. Até hoje não entendi o propósito dessa divisão do grupo em cargos burocráticos, já que todos faziam de tudo. Nenhum de nós saberá explicar isso.
Nessa época, Antonio Barreto já se mudara de Passos para Belo Horizonte, onde se empregou numa pequena gráfica montada pelo também escritor Jefferson Ribeiro de Andrade, a Copibel. Jefferson editava uma revista semelhante à Protótipo, Bel´Contos, e ambas se tornaram revistas irmãs. Barreto datilografava todos os textos em estêncil eletrônico, e outros integrantes do grupo da Protótipo cuidavam das ilustrações, feitas da mesma maneira trabalhosa e rudimentar das edições anteriores, com estilete sobre o estêncil.
Além dos autores do grupo, esta edição de Protótipo também abriu suas páginas a outros autores, como Carlos Verçosa e J. Cristiniano, de Londrina (PR), Maria Aparecida Negrinho, de Guaxupé (MG) , e Carlos Alexander Mínimo, de Passos.
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