A SENHORA DE FÁTIMA E OS FANÁTICOS

No país da caretice contagiosa, o fanatismo religioso continua em ação. Em Brasília, as vítimas da vez são o artista plástico Francisco Galeno e a Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, conhecido cartão postal da cidade. Um grupo de católicos comprou uma briga contra as pinturas de Galeno no interior do templo. Não são apenas ações de censura. Na última segunda-feira, 21 de julho, um agressor, protegido pelo anonimato, rabiscou as obras de Galeno com caneta esferográfica.

A igrejinha de Nossa Senhora de Fátima
é um dos símbolos da arquitetura de Brasília. Projeto de Oscar Niemeyer, localiza-se na entrequadra 307/308 sul e foi inaugurada em 1959, um ano antes da própria cidade. Sua fachada é decorada com azulejos de Athos Bulcão, constantemente agredidos por atos de vandalismo, como aconteceu recentemente em conseqüência de um incêndio mal-explicado.


O interior possuía
originalmente afrescos de Alfredo Volpi, com suas tradicionais bandeirolas. No entanto, uma reforma irresponsável, realizada na década de 60, cobriu as paredes com tinta e a obra de Volpi se perdeu definitivamente.


Estão sendo realizados trabalhos de restauração, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) escolheu Francisco Galeno para fazer uma nova pintura no interior. Ele se inspirou no próprio Volpi, e fez um projeto bonito, singelo, quase infantil: a Nossa Senhora de Fátima, com o rosto não identificável, se apresenta entre pipas e bandeirinhas.

“Essa gente não acredita
em Deus nem na arte”, reclama Galeno, referindo-se aos detratores de seu trabalho. “O fanatismo torna as pessoas cegas.” Para explicar sua pintura, ele lembra que, segundo a tradição católica, Nossa Senhora apareceu para três crianças da cidade de Fátima, interior de Portugal. “Essas crianças eram pastoras, tinham uma vida difícil, mas certamente também brincavam”, afirma ele.


O tom alegre dos desenhos
de Galeno incomoda os fanáticos, que preferem identificar a religião com a dor, a culpa e o martírio. Contra o tradicionalismo, pesa o fato de que a Igrejinha é um dos símbolos da modernidade e do futurismo de Brasília, e ela não é propriedade deste ou daquele grupo religioso. Recebe não apenas católicos intolerantes, mas também turistas e visitantes da cidade, do país e do mundo.


A Igrejinha fica aberta diariamente, de manhã e à tarde, o que a torna vulnerável à agressão e intolerância. Dizem que Deus é onipresente e tudo vê, mas por via das dúvidas vão instalar umas câmeras para vigiar o ambiente.

Há um abaixo-assinado na internet em apoio à obra de Galeno. Acesse
aqui.

OUVIR LEONARD COHEN

Assim como o amor depende de uma química que envolve todos os sentidos, também a música provoca uma reação em nossos neurônios, causando reflexos nos batimentos cardíacos. Como explicar esse poder que a música e seus elementos - melodia, ritmo, palavras - exerce sobre nossas estruturas físicas e psíquicas?

Não explique - mergulhe. Por exemplo, ouça Leonard Cohen. Entregue-se às canções desse bardo canadense, que completa 75 anos em setembro e tem se apresentado nos Estados Unidos e Europa com um megashow de quase três horas de duração, gravado neste precioso CD recém-lançado no Brasil - "Live in London".

Deixe-se envolver por essa música inexplicável, moldada por poemas de grande intensidade, cantados, quase declamados, por sua voz ao mesmo tempo áspera e doce, que você nunca vai se cansar de ouvir.

FESTA À FANTASIA

Você passa um período fora do Brasil e ao retornar a realidade lhe dá um soco na cara. O choque vem da mesmice das notícias. O governo de joelhos alisa as botas do PMDB. O Brasil inventou uma expressão - "governabilidade" - para justificar o rateio do saque. Assim, aos bandidos e corruptos são entregues as chaves dos cofres para que o país se torne governável. O Senado e a Câmara dos Deputados se revezam no banho de pocilga. O presidente da República comparece a encontro de líderes mundiais para distribuir camisas da seleção brasileira e mostrar que no Brasil só o futebol é levado mais-ou-menos a sério. O "supremo" tribunal federal extingue a profissão de jornalista e o coronel matogrossense Gilmar Mendes compara essa atividade à de cozinheiros e costureiros. Nosso presidente compara os senadores aos pizzaiolos. A política externa brasileira presta apoio a ditadores e governos ilegítimos e transgressores. E até os estudantes, que sempre mantiveram acesa a chama da rebeldia e do inconformismo, agora lambem as barbas do governo, com sua entidade oficial entulhada de dinheiro do contribuinte.

Então ficamos assim: o coronel se traveste de juiz, os jornalistas se travestem de cozinheiros e costureiros, os bandidos se tornam guardiões da democracia, o presidente da República se traveste de enviado de Deus para salvar o Brasil e o mundo, os estudantes se travestem de sindicalistas pelegos. Isto não é uma nação, é uma festa à fantasia. De fora do castelo, os não-convidados chafurdam no lixo.