Segundo fim de semana de abril, o clima de São Paulo oscila entre sol, nuvens e ameaça de chuva e os hotéis estão superlotados. Noventa e nove por cento dos turistas que invadiram a cidade neste sábado vão se reunir todos no mesmo lugar. À noite, a banda irlandesa U2 faz um megashow no Morumbi.
Nada contra. Mas o que me levou a São Paulo foi um histórico encontro, visto apenas por algumas centenas de privilegiados, nas belas instalações do Sesc no bairro de Belenzinho. Ali, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, músicos brasileiros de enorme prestígio internacional, se reencontraram para reinterpretar o Dança das Cabeças, álbum mitológico que gravaram na segunda metade da década de 70.
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Daniel, Nádia, Egberto e Naná |
Sem tumultos e fácil estacionamento, chegamos na companhia de Daniel e Ana, que nos garantiram antecipadamente os melhores lugares da platéia de 400 lugares: na primeira fila, de frente para o palco, onde Gismonti e Naná, com entendimento perfeito e sua reconhecida capacidade de improviso, extasiaram o público.
Não tenho fotos do show para mostrar. Era proibido fotografar e, mesmo que não fosse, seria difícil. A presença daqueles seres iluminados no palco criava um ambiente de tal harmonia que o simples espocar de um flash poderia quebrar. Havia tal equilíbrio entre o silêncio e as delicadas ondas sonoras emitidas pelos músicos que qualquer movimento, qualquer ruído estranho, uma tosse ou um disparador de câmera, poderiam interromper. A memória se encarregaria de gravar aquele acontecimento. Era melhor assim.
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Este escriba e Naná |
Na saída, Egberto e Naná atenderam com simpatia aos pedidos para posar para fotos e autografar discos, CDs e vinis que apareceram aos montes nas mãos de fãs deslumbrados. Dança das Cabeças vem atravessando as décadas com o mesmo encantamento misterioso que lhe valeu dezenas de prêmios ao redor do mundo. A magia sonora de dois gênios. Velhos vinis e CDs que pairam acima do tempo.
O show fez parte do Projeto Álbum, do Sesc Belenzinho, que propõe a recriação no palco de álbuns clássicos da música brasileira. Antes de pegar nos instrumentos, Gismonti contou a história do disco, gravado em Oslo, na Noruega, de forma improvisada. Convidado por um estúdio, ele viajava sozinho, mas dois dias antes da data marcada encontrou-se com Naná em Paris e propôs que vivessem juntos a aventura.
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Ana, Egberto e este escriba |
“Não vai dar pra ensaiar”, respondeu Naná, depois de ouvir de Gismonti o que ele pretendia: “Levar um piano para dentro da mata e ouvir animais, rios, sentir a umidade, ver pântanos e clareiras.” Mais de 30 anos depois, lá estávamos nós, cercados por aquele mundo mágico.