BRASÍLIA, 51 ANOS [2]

Tratores destroem o gramado da Esplanada...
...para montar um gramado artificial.
Os gramados da Esplanada dos Ministérios serão palco, no final de maio, de um evento internacional de motocross. A Esplanada é tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional e é considerada área intocável, em função do título de Patrimônio da Humanidade concedido pela Unesco a Brasília. Mas o governo do DF ignora isso.
 

Para as comemorações do aniversário da cidade, em 21 de abril, cobriram toda a extensão da Esplanada com circos, palcos, arquibancadas, barracos e até campos de futebol. Provavelmente vão desmontar tudo isso em seguida, deixando os gramados destruídos. Mas será por pouco tempo.

O governo do DF trará para Brasília, no final de maio, o Red Bull X-Fighter, evento internacional de motocross. A empresa Red Bull vai montar uma grande estrutura nos gramados da Esplanada. Se a Esplanada é tombada, a Red Bull não tem nada com isso.
 

Quem anuncia o evento é o secretário de Turismo do DF, Luiz Otávio Neves. Em entrevista à revista Roteiro Brasília, ele anuncia "um show de motocross, de piruetas de motos, iluminação, fogos, um grande espetáculo". Para se ter idéia da qualidade dos secretários que assumiram o "novo" governo do DF.

BRASÍLIA, 51 ANOS

Roupa de festa
Isto é a Esplanada dos Ministérios ou a Feira de Caruaru?

Brasília completa 51 anos de inauguração no dia 21 de abril. A cidade que nasceu das utopias é hoje vítima da cultura do saque e da ganância. A cidade que surgiu das pranchetas como um projeto de obra de arte vai aos poucos incorporando o espírito da favelização: ocupação desordenada, desprezo pelo planejamento urbano, desrespeito aos monumentos históricos.

Para a comemoração do aniversário de 51 anos, o Governo do DF, em vez de embelezar a cidade, enche a esplanada de barracos, palcos, arquibancadas, altares e até campos de futebol. Destrói o gramado e faveliza a área mais importante da cidade.

Pelo projeto original de Brasília, a Esplanada dos Ministérios foi desenhada para ser um grande espaço aberto, por onde se pudesse observar o Congresso Nacional desde a rodoviária. A Esplanada é tombada pelo Patrimônio Histórico e faz parte da área tornada intocável pelo título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco. Ali, é proibida a execução de qualquer edificação acima do solo, de forma a garantir total visibilidade do Congresso Nacional.

Com todo respeito à Feira de Caruaru, Brasília é outra coisa. A Feira de Caruaru é um grande encontro espontâneo, uma festa popular. O atrativo de Caruaru é a multidão e a muvuca bem organizada; o da Esplanada dos Ministérios é o espaço vazio. Os governos querem atrair turistas para Brasília, mas se esquecem de manter a cidade bem arrumada para quando eles chegarem.

Assim como o governo local pratica e é conivente com esses atentados contra a integridade da cidade, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se omite e o Instituto dos Arquitetos do Brasil silencia. Então, por que a população, que tantas vezes se levantou em defesa de Brasília, não grita? Ou será que essa população, outrora consciente e atuante, agora prefere ouvir a música de péssima qualidade que emana dos palcos na Esplanada?


[A foto que ilustra esta postagem foi tomada emprestada ao Correio Braziliense]

QUE U2, QUE NADA!


Segundo fim de semana de abril, o clima de São Paulo oscila entre sol, nuvens e ameaça de chuva e os hotéis estão superlotados. Noventa e nove por cento dos turistas que invadiram a cidade neste sábado vão se reunir todos no mesmo lugar. À noite, a banda irlandesa U2 faz um megashow no Morumbi. 
 
Nada contra. Mas o que me levou a São Paulo foi um histórico encontro, visto apenas por algumas centenas de privilegiados, nas belas instalações do Sesc no bairro de Belenzinho. Ali, Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos, músicos brasileiros de enorme prestígio internacional, se reencontraram para reinterpretar o Dança das Cabeças, álbum mitológico que gravaram na segunda metade da década de 70.
Daniel, Nádia, Egberto e Naná
 
Sem tumultos e fácil estacionamento, chegamos na companhia de Daniel e Ana, que nos garantiram antecipadamente os melhores lugares da platéia de 400 lugares: na primeira fila, de frente para o palco, onde Gismonti e Naná, com entendimento perfeito e sua reconhecida capacidade de improviso, extasiaram o público.
 
Não tenho fotos do show para mostrar. Era proibido fotografar e, mesmo que não fosse, seria difícil. A presença daqueles seres iluminados no palco criava um ambiente de tal harmonia que o simples espocar de um flash poderia quebrar. Havia tal equilíbrio entre o silêncio e as delicadas ondas sonoras emitidas pelos músicos que qualquer movimento, qualquer ruído estranho, uma tosse ou um disparador de câmera, poderiam interromper. A memória se encarregaria de gravar aquele acontecimento. Era melhor assim.
Este escriba e Naná
 
Na saída, Egberto e Naná atenderam com simpatia aos pedidos para posar para fotos e autografar discos, CDs e vinis que apareceram aos montes nas mãos de fãs deslumbrados. Dança das Cabeças vem atravessando as décadas com o mesmo encantamento misterioso que lhe valeu dezenas de prêmios ao redor do mundo. A magia sonora de dois gênios. Velhos vinis e CDs que pairam acima do tempo.
 
O show fez parte do Projeto Álbum, do Sesc Belenzinho, que propõe a recriação no palco de álbuns clássicos da música brasileira. Antes de pegar nos instrumentos, Gismonti contou a história do disco, gravado em Oslo, na Noruega, de forma improvisada. Convidado por um estúdio, ele viajava sozinho, mas dois dias antes da data marcada encontrou-se com Naná em Paris e propôs que vivessem juntos a aventura. 
Ana, Egberto e este escriba
 
“Não vai dar pra ensaiar”, respondeu Naná, depois de ouvir de Gismonti o que ele pretendia: “Levar um piano para dentro da mata e ouvir animais, rios, sentir a umidade, ver pântanos e clareiras.” Mais de 30 anos depois, lá estávamos nós, cercados por aquele mundo mágico.