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A ARTE COMO TRANSCENDÊNCIA


 Com 57 anos de carreira, o artista plástico Carlos Bracher transforma cada movimento de suas mãos diante de uma tela em um ritual mágico e transcendente. Essas mãos, que constroem catedrais, enriquecem paisagens, dão vida a naturezas mortas e revelam a alma dos personagens de seus retratos, estão em busca do caminho para a liberdade. “Estamos na vida para isso”, diz ele. “O destino do ser é se libertar. É a razão de nosso tempo de viver.” 

Carlos Bracher é mineiro de Juiz de Fora, onde nasceu em 1940. Em seu trajeto de vida, a relação com a pintura se aprofundou e se tornou fonte de enorme energia. Desde a primeira exposição, realizada em 1960 em sua cidade natal, ao lado dos irmãos Nívea e Décio, até a retrospectiva Bracher – Pintura & Permanência, que os brasilienses podem ver no Centro Cultural Banco do Brasil até 27 de julho, fez inúmeras mostras no Brasil e tornou-se o artista brasileiro que mais expôs no exterior, em galerias e museus da França, Itália, Inglaterra, Holanda, Espanha, Portugal, Rússia, Japão, China, Uruguai, Chile e outros países. 


E, no entanto, ele ainda é o menino que vivia no Castelinho, como a casa da família em Juiz de Fora é conhecida até hoje, enriquecido pela genialidade que a vida e a dedicação à arte fertilizaram e fizeram florescer. Essa fusão de imagens e palavras é fruto de um longo caminho de iluminação, ao longo do qual ele vem plantando sua arte frondosa, regada com poesia. A arte, para Bracher, é uma espécie de religião. Não o que se entende convencionalmente como religião, “essa coisa chata, cheia de regras”, mas a permanente busca do renascer, do sonhar. 


“Quero inventar a minha santidade”, afirma ele. “Com minha vivência, vou chegando a isso. Criando novos signos, complexos, mágicos. Renascendo sempre. Sem limites. Porque a arte não tem limites, não tem regras, não quer chegar a coisa alguma, não quer provar nada. É a minha busca por Deus, que nada tem a ver com religião.”


Seguindo seu caminho, Bracher se define como “um sujeito que não pensa em nada”. Selvagem, sem regras, sem método. “Quero ilações só com a emoção. Pintar, escrever, viver.” Um sujeito que gosta de “conversas de almas”. Nessa busca transcendental, um dia ele chegou a Ouro Preto, cidade mágica entre as montanhas de Minas, que entrou em sintonia com sua viagem interior. 


A riqueza cultural de Ouro Preto, onde a arte brota da terra como nos séculos 17 e 18 brotava o ouro, faz da cidade o ambiente perfeito para Carlos Bracher. A força dessas montanhas embelezadas pelo barroco, pela arquitetura colonial, pelas “igrejas pastoreando casas”, como descreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, está impregnada em sua pintura. 


Carlos Bracher não tem a intenção de descrever a matéria. “Quero a essencialidade imaterial da paisagem”, afirma. Não é por outra razão que suas telas causam tamanho impacto e despertam no espectador sua capacidade de se elevar, de alcançar a “cena cósmica” que se esconde na essência das igrejas, montanhas, paisagens, personagens dos retratos, incluindo os autorretratos. 

“Não sou um sujeito criativo”, Bracher diz. “Sou apenas um pintor. Pinto as mesmas coisas de sempre.” A exposição no CCBB, que tem cerca de 80 quadros, é oportunidade para quem quiser ver ou rever uma parte de sua obra e também conhecer um pouco da alma deste homem que direcionou sua vida na busca da transcendência pela arte. Lá está seu olhar sobre Ouro Preto, sobre Van Gogh, uma de suas paixões, e sobre Brasília, cidade que o encanta. 


A forte ligação de Bracher com Brasília, retratada por ele em mais de 60 quadros, em 2006, vem desde o berço. Sua avó, Josefina, era vizinha da casa de Juscelino Kubitschek em Diamantina, e sua mãe, Hermengarda, era amiga de infância do futuro construtor de Brasília. A lembrança de Juscelino o emociona. “Um homem notável, que nasceu de uma família muito pobre, mas sempre dedicado à leitura, e que aos 38 anos se tornou prefeito de Belo Horizonte, transformando a cidade, e depois construiu Brasília, um projeto que vinha desde o império.” 


Na exposição do CCBB estão, além de algumas de suas obras mais representativas, alguns ambientes de sua intimidade, como o atelier de sua casa, em Ouro Preto. “Dos meus 74 anos, 44 os passei aqui dentro, sessenta por cento do que sou nesses parcos metros quadrados, o meu atelier”, conta, em um de seus textos para a mostra. 

E também lá está o lugar de sua infância, o Castelinho, sua casa de Juiz de Fora, “ambiente sem regras”, como ele descreve, mas transbordante de arte – podem ser vistos vários quadros de seus irmãos, e no vídeo pode-se ouvir seu pai, Waldemar, ao piano. Esse ambiente familiar tem tudo a ver com a retrospectiva de Bracher, porque a habilidade manual vem de várias gerações. Desde o bisavô suíço, Cristiano, que era floricultor, passando pelo avô Frederico, típógrafo e violinista, o tio Frederico Júnior, pintor; o pai, músico amador que também trabalhou com cerâmica; Lótus Lobo, prima, gravadora de renome, além de Décio e Nívea, irmãos, também pintores. Mas a arte permanece na família, com Fani, a esposa há 50 anos, pintora, as filhas Larissa, atriz, casada com o músico Paulinho Moska, e Blima, jornalista e videomaker. 


A concepção da mostra é de Larissa Bracher, com seleção de Olívio Tavares de Araújo e do próprio artista, produção executiva de Carlos Chapéu e concepção cenográfica de Fernando Mello da Costa. Blima Bracher cuidou da pesquisa, documentação e dos vídeos. “É uma das exposições mais bem estruturadas que já vi”, observa Carlos Bracher, elogiando o trabalho da equipe e especialmente das filhas, que se dedicam a divulgar a obra do pai. “O Brasil tem 9 mil exposições por ano, e essa aqui é uma epopeia, a cenografia, a sonoplastia, um trabalho enorme para mostrar que a pintura é uma arte linda, linda e atual. A Larissa, a Blima e a Fani estão comigo nisso, é muito bonito.” 


Prazer em conhecê-lo, Bracher!
A mostra Bracher – Pintura & Permanência foi contemplada com o Prêmio Destaque Especial 2014 pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), superando exposições de artistas clássicos, como Salvador Dali, Kandinski e Picasso. Foi vista por 120 mil pessoas em Belo Horizonte, 90 mil pessoas em São Paulo e mais de 200 mil no Rio de Janeiro. 

Bracher – Pintura & Permanência
10 de junho a 27 de julho, quarta a segunda, das 9h às 21h
Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB

[Matéria publicada na revista Roteiro Brasília nº 240, junho/2015]

A ARTE DE JOSÉ VASCONCELLOS

A infância redescoberta
Eu conhecia o artista plástico José Vasconcellos graças a um pequeno e belo desenho a lápis, feito por ele nos anos 70 numa folha de papel A4. Minha mãe, prima dele, o ganhou de presente e o guardava com carinho entre objetos preciosos. “Isso vale muito dinheiro em Copenhague”, me disse o próprio Vasconcellos, quando o conheci na sala Martins Pena do Teatro Nacional, em Brasília, na semana passada.
 
Vasconcellos vive desde 1974 na Dinamarca, onde é reverenciado pelos museus e galerias e, é claro, também pelo público. Suas obras fazem parte de coleções de vários países europeus e dos Estados Unidos, e livros sobre ele foram publicados em edições inglesas, francesas, alemãs, entre outras. 

Ele trabalha, hoje, basicamente com resina vegetal sobre tela ou madeira, às vezes usando colagens, criando obras complexas, de grande beleza plástica. Há muitos anos não produz mais gravuras como a que lhe mostrei no dia 2 de agosto, quando enfim o conheci pessoalmente.

Sem título
 Apesar do parentesco e de nascidos na mesma cidade – Passos, em Minas Gerais – só o encontrei agora, em Brasília, onde ele esteve para abrir uma exposição de 23 de suas obras no Espaço Cultural Zumbi dos Palmares, na Câmara dos Deputados. Fiquei impressionado com as cores, as texturas e sua abordagem muito pessoal do realismo fantástico, expressão, aliás, que dá nome à exposição. “Um mergulho no universo mágico do inconsciente coletivo, apontando certos arquétipos comuns a todos nós e resgatando fantasmas adormecidos no canto da memória de cada um”, como ele mesmo escreveu no catálogo da exposição.

Embora viva há quase 40 anos fora do Brasil, Vasconcellos é aquele mineiro típico – eu diria até um passense típico – que gosta de uma boa prosa, desenrolada com sotaque inconfundível. E é casado com uma artista igualmente talentosa, a pianista Valéria Zanini, que fez um recital inesquecível na Sala Martins Penna, tocando peças de Schubert, Schumann, Liszt, Villa-Lobos e Prokofieff. 

Valéria é goiana de Anápolis. Ela e Vasconcellos deixaram o Brasil em 1973, por pressão da ditadura militar. Foram para o Chile, de onde saíram no ano seguinte, após o golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende. Partiram direto para a Dinamarca, onde encontraram terreno fértil para desenvolver sua arte. 

A SENHORA DE FÁTIMA E OS FANÁTICOS

No país da caretice contagiosa, o fanatismo religioso continua em ação. Em Brasília, as vítimas da vez são o artista plástico Francisco Galeno e a Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, conhecido cartão postal da cidade. Um grupo de católicos comprou uma briga contra as pinturas de Galeno no interior do templo. Não são apenas ações de censura. Na última segunda-feira, 21 de julho, um agressor, protegido pelo anonimato, rabiscou as obras de Galeno com caneta esferográfica.

A igrejinha de Nossa Senhora de Fátima
é um dos símbolos da arquitetura de Brasília. Projeto de Oscar Niemeyer, localiza-se na entrequadra 307/308 sul e foi inaugurada em 1959, um ano antes da própria cidade. Sua fachada é decorada com azulejos de Athos Bulcão, constantemente agredidos por atos de vandalismo, como aconteceu recentemente em conseqüência de um incêndio mal-explicado.


O interior possuía
originalmente afrescos de Alfredo Volpi, com suas tradicionais bandeirolas. No entanto, uma reforma irresponsável, realizada na década de 60, cobriu as paredes com tinta e a obra de Volpi se perdeu definitivamente.


Estão sendo realizados trabalhos de restauração, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) escolheu Francisco Galeno para fazer uma nova pintura no interior. Ele se inspirou no próprio Volpi, e fez um projeto bonito, singelo, quase infantil: a Nossa Senhora de Fátima, com o rosto não identificável, se apresenta entre pipas e bandeirinhas.

“Essa gente não acredita
em Deus nem na arte”, reclama Galeno, referindo-se aos detratores de seu trabalho. “O fanatismo torna as pessoas cegas.” Para explicar sua pintura, ele lembra que, segundo a tradição católica, Nossa Senhora apareceu para três crianças da cidade de Fátima, interior de Portugal. “Essas crianças eram pastoras, tinham uma vida difícil, mas certamente também brincavam”, afirma ele.


O tom alegre dos desenhos
de Galeno incomoda os fanáticos, que preferem identificar a religião com a dor, a culpa e o martírio. Contra o tradicionalismo, pesa o fato de que a Igrejinha é um dos símbolos da modernidade e do futurismo de Brasília, e ela não é propriedade deste ou daquele grupo religioso. Recebe não apenas católicos intolerantes, mas também turistas e visitantes da cidade, do país e do mundo.


A Igrejinha fica aberta diariamente, de manhã e à tarde, o que a torna vulnerável à agressão e intolerância. Dizem que Deus é onipresente e tudo vê, mas por via das dúvidas vão instalar umas câmeras para vigiar o ambiente.

Há um abaixo-assinado na internet em apoio à obra de Galeno. Acesse
aqui.

Tramas

É hoje a abertura de Tramas, exposição do artista plástico Gomes de Souza na Marcos Caiado Galeria de Arte, em Goiânia. Sempre surpreendente e inquieto, Gomes recicla alguns de seus trabalhos antigos, alguns com mais de 10 anos, retalhando-os com estilete, destruindo e reconstruindo, renovando. Gomes, agora, é mais artesão que artista plástico: recorrendo a materiais como couro de boi, plásticos, borrachas e papéis, e os próprios filetes que sobreviveram de suas obras recicladas, dá vida nova ao antigo. O resultado são imagens como esta, ricas em efeitos de óptica. A galeria fica na rua 1136, número 56, no Setor Marista, e a abertura é às 20h. Visitação até dia 13 de junho.