[poema] HIATO
No dia 12/12/12, há exatos 10 anos, o cirurgião Fábio Jatene me abria o peito, retirava meu coração e fazia a substituição de uma válvula, que já não cumpria sua função. Pode ser assustador, mas foi o que aconteceu.
Daquela experiência, vivida no hospital HCor, em São Paulo, surgiram muitas histórias e muitos poemas, alguns dos quais fazem parte do livro Hiatos, que publiquei em 2017. O poema que se lê aqui é um deles.
O Dr. Fábio Jatene é um dos seres humanos mais admiráveis que conheci. Ele é personagem importante de uma longa história que tem, e teve, outros personagens importantes, como Dr. José Carlos Quinaglia, de Brasília, que esteve ao meu lado durante quase 30 anos, até que a covid o levou para outras dimensões.
Eu costumo dizer que um ser humano tem sempre várias idades. A minha válvula mitral, por exemplo, só viveu 56 anos. Eu estou vivo, saudável e levando vida plenamente normal graças à Ciência.
[poema] ESTE HOMEM
Poema publicado em meu livro Hiatos (Ed. Patuá, 2017).
[poema] CLAUSTROFOBIA
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[poema] OS VASTOS HORIZONTES DO MEU SILÊNCIO
[poema] AMNÉSIA
[poema] ETERNO FLAGRANTE
[hiatos] PALAVRAS DE MARCO TÚLIO COSTA
HIATOS E DITONGOS
Impossível ler completamente um livro de poemas. Embora tenha ido da primeira à última página de Hiatos (Patuá Editora, São Paulo, 2017) do Alexandre Marino, relido do último ao primeiro poema, não terei lido o livro todo. Mas, possivelmente, fui lido por ele.
São os poemas que nos declamam, nos escandem a alma da pele aos ossos, dão ritmo e rimam os sentimentos que nos alinham em versos de riso e lágrimas, nos decifram e nos definem em versos brancos.
Tomar nas mãos uma obra como Hiatos, é sentar-se na antessala dessa ressonância poética, dessa tomografia lírica, do ecocardiograma trágico – Ecocardiografia, aliás, é título do primeiro poema do volume, que fala de nosso próprio coração exposto: “ali se guarda toda a tristeza do mundo/ labirinto onde o homem feliz se esconde”.
Hiatos, esses momentos de estupor do poeta, diante de cenas de um mundo visto de forma desesperançada, mesmo que com ternura de despedida, melancolia. Marino já tinha demonstrado essa perplexidade, essa impotência diante da cena mundana em obra anterior (Exília, Dobra Editorial, SP, 2013) como no poema O Velho Poeta, pessoa que “divaga sobre refazer o mundo/ reordenar a história” mas “cansado de caminhos/quer só a viagem”. A viagem é esse hiato entre o partir e o chegar, origem e destino, entre passado e futuro, onde flutua a consciência do indivíduo que recolhe provas da própria existência, coleciona trivialidade que deem sentido à vida, pequenos objetos capazes de fazer a amálgama entre uma ponta e outra.
Já na sua obra Arqueolhar (L.G.E. Editora, Brasília, 2005) vagava Marino nessa arqueologia do tempo presente, garimpando seu passado. Lá, no poema Paisagem Doméstica, ele diz que “ninguém sabe a história inteira/ evocam-se vazios invulneráveis/ o tempo é feito de destroços”. Os vazios, os hiatos, os momentos de contemplação presente, que não podem ser transpassados. E sim, ninguém sabe a história inteira, ninguém lê um livro de poemas completamente, ainda que o esgote da primeira à última página. Nós é que vamos sendo lidos aos poucos, nesse hiato entre abrir o livro e fechar nossos olhos.
Procurei em minha confusoteca – essa biblioteca ainda de pernas pro ar – o livro de estreia do Alexandre Marino. Livros gostam de passear, parecem buscar conversas uns com os outros. Mas encontrei Os Operários da Palavra (Batanguera, Belo Horizonte, 1979) que para mim, ou para nós que conhecemos este poeta desde sua gênese, é um símbolo, um troféu que trago ‘daqueles tempos’, quem sabe nossa origem literária, de onde nos lançamos como protótipos de uma esperança adolescente. Tínhamos bandeiras, a que persiste talvez seja a defesa da liberdade de expressão. Leiam nesse livro Ó putas do meu Brasil – as putas pululam persistentes, o Brasil persistentemente se prostitui, só nós não nos vendemos, mas entregamos alguns sonhos para adoção de gerações novas.
Em 1966, quando tinha 11 anos, cheguei a Passos e fui logo conhecendo o Alexandre Marino. Meu avô materno, Geraldo Magela, assim como o pai do Alexandre, Zé Marino, eram telegrafistas e morsemente se conheciam. Tivemos uma infância compartilhada – jogos de botão, tombos de bicicleta, leitura de gibis (o que na casa dele era permitido, na minha não). Fomos cineastas, façanha que ele conta em Arqueolhar, no poema Heróis do Cinema, a mim dedicado.
Posso dizer que formamos não só uma dupla, mas um ditongo. Amadurecemos e partilhamos literariamente nossos hiatos.
[hiatos] PALAVRAS DE ANTONIO CARLOS SECCHIN
[hiatos] A EXPERIÊNCIA DA POESIA
“Hiato” é um termo rico e interessante, porque carrega significados amplos. Talvez o primeiro que nos ocorra seja aquele que aprendemos nos bancos escolares, nas aulas de gramática, que descreve o encontro de duas vogais pertencentes a sílabas diferentes – como é o caso da própria palavra em questão, que tem três sílabas (hi-a-to). Quando eu estava na escola, achava extremamente difícil distinguir um hiato de um ditongo, que descreve o caso contrário – união de duas ou mais vogais na mesma sílaba, como “pai” ou “muito”. A diferença é o som emitido em um ou outro caso, e portanto a distinção depende de nosso ouvido.
Outros significados da palavra “hiato” têm em comum a ideia de interrupção ou descontinuidade. As fissuras que nos ameaçam ou nos salvam. Como disse o poeta canadense Leonard Cohen, que usei como epígrafe do livro, as rachaduras por onde entra a luz. Aquilo que nos falta, ou a experiência única da vida, que, afinal, é um hiato entre o nada e o nada.
Os 53 poemas que formam meu novo livro abordam temas muito diversos, mas há alguma coisa em comum entre todos eles, já que a sua criação foi impulsionada pelo sentimento de sufocamento e inquietação que nos atinge a todos, nesses tempos caóticos que atravessamos – não só no Brasil. Alguns se alienam para se defender; outros se xingam nas redes sociais; outros perdem totalmente o rumo e partem para a violência, que é uma retaliação contra a humanidade. O caminho para a salvação, no meu caso, é a poesia. E não só aquela que escrevo: é também a que leio e a que me sensibiliza na música, no cinema, nas artes em geral. A poesia está em toda parte – pode ser encontrada também numa conversa entre amigos numa mesa de bar.
A primeira parte do livro aborda uma experiência que poderia ter sido traumática, mas foi superada graças à minha autoconfiança, às pessoas próximas a mim, que me deram força, e a algumas crenças, e a literatura é uma delas. Tive que fazer uma cirurgia delicada, cujas marcas levo comigo, e transformei um pouco daqueles momentos em poesia. Foi uma experiência sem dúvida muito pessoal, íntima até. Porém, a magia da literatura é alcançar a intimidade das pessoas sem a necessidade de expor a intimidade de ninguém. E é por isso que esse tema está no livro, que uma vez publicado já não pertence a mim.
Algumas experiências da vida são transformadoras. Trabalhar seriamente com a poesia, lutar com as palavras durante quatro anos, na tentativa de encontrar a melhor expressão, abordar temas que nos obrigam a refletir sobre o mundo, o exterior e o interior, tentar compreender por que nós, seres humanos, somos o que somos, tudo isso provoca um tsunami em nossa normalidade. Não saí ileso disso – mas saí com um novo livro, a que dei o título de Hiatos, um objeto palpável que se tornou uma criatura viva, que agora trago nas mãos. Lá está um pouco de minha vida, de meu olhar, de minha visão de mundo, das pessoas que amo, de minhas perdas e ganhos.
[hiatos] PALAVRAS DE ANGÉLICA
"Que belo livro, Alexandre. Hiatos é o seu melhor, para mim, até agora. Você tem a dizer e diz com a profundidade que se espera de um poeta. Mais ainda: um poeta com tempo de rua e de estrada, arenosa, pedregosa mas também interestelar. Seu duelo com o presente, o passado e o futuro dialoga com os hiatos da matéria animal, vegetal, mineral e cósmica de quem te lê, ou seja, não há pra onde correr. A identificação é flagrante. É um espelhamento do vazio, da solidão, do deserto, das ruínas, da perplexidade existencial que carregamos, sem atenuantes convincentes.
E ao final se confirma: Hiatos é um poema só, o que a meu ver é prova de maturidade poética mas também humana e cidadã – portanto, tenho que dizer isso, você fez bem em não abordar o grande momento nacional. Assim o que fica em essência é o denominador comum de uma cosmogonia partilhável, de novo ressaltando o Um que irmana leitor e poeta, essa espécie de gol do verso.
Li com admiração e prazer e te abraço com a antiguidade da nossa amizade.
Angélica Torres Lima"
[poesia] LANÇAMENTOS DE ´HIATOS´ AGENDADOS
Projeto Sempre um Papo
Livraria Ouvidor Savassi
Rua Fernandes Tourinho, 253
A partir das 11h
[livro] ALGUMA COISA A RESPEITO DE 'HIATOS'
LANÇAMENTO DE HIATOS EM BRASÍLIA
Hiatos é uma publicação da Editora Patuá, de São Paulo.
Informarei oportunamente lançamentos em outras cidades.
HIATOS
Composto de 53 poemas, distribuídos em seis partes, este livro dá prosseguimento à busca que venho empreendendo desde o primeiro, de 1979: a de desvendar a alma das palavras, de forma a transcender seu significado aparente e com a ajuda delas alcançar o mistério presente no vácuo, na sombra, entre rastros de corpos, hiatos humanos.
Hiatos parte de uma experiência pessoal intensa e avança no encalço dessa criatura que, ao tentar compreender a si mesma, só poderá salvar-se pela poesia. Um ser às vezes invisível, às vezes fantasma, esfinge na metrópole, confrontando memória e amnésia, sonhando no deserto, à sombra da última árvore.
Hiatos, a caminho.