A BIENAL DE POESIA E A PALESTINA

 No mesmo dia em que o diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, oficializou o cancelamento da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP), por falta de patrocínio,  o presidente da República, Lula da Silva, sancionava a lei 12.292, autorizando o Poder Executivo a doar R$ 25 milhões à Autoridade Nacional Palestina, "para a reconstrução de Gaza".

As palavras que você lê acima são as mesmas que estão no texto da lei: doar R$ 25 milhões, etc... Repito para não haver dúvidas.

Não sei os verdadeiros propósitos dessa doação, nem se o governo brasileiro tem feito doações semelhantes pelo mundo afora. É possível que os defensores da lisura petista digam que os recursos de doações para o exterior nada têm a ver com os investimentos que se façam ou deixem de ser feitos em cultura no Brasil.

O Brasil é um país miserável e uma das razões dessa miséria é o baixíssimo grau de educação de seu povo. E educação não é apenas ensinar crianças a ler e investir em professores.

Um povo educado e civilizado não sabe apenas ler. Sabe admirar a boa música, a boa literatura, e prefere trocar o Domingão do Faustão por um passeio a um museu ou uma galeria de arte.
 

Além de saber ler e escrever com correção, um povo civilizado admira e respeita as artes e seus artistas. E, convenhamos, nem o nosso presidente entende muito bem o que é isso, a julgar por centenas de suas frases folclóricas: "Ler dá uma preguiça desgramada." Apesar de seus desejos secretos, nem tão secretos assim, de ocupar um cargo de destaque na ONU ou ganhar o Prêmio Nobel.

Por tudo isso, pode fazer todo sentido que o governo ache uma bobagem "investir num festivalzinho de poesia" e relevante doar R$ 25 milhões à autoridade palestina.

Mas, para este solitário escriba, isso é uma aberração. Ainda que reconheça que essa aberração é típica do Brasil.


Quer ver o texto completo da lei 12.292? Clique aqui.

SIMPÓSIO DE POESIA SERÁ EM NOVEMBRO

  O II Simpósio de Crítica de Poesia, que faria parte da programação da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP), está confirmado pelos organizadores, mas será adiado de setembro para novembro. A professora Sylvia Cintrão, da Universidade de Brasília, que coordena o evento, informou que a mudança de data é necessária para que seja feita nova organização logística, independente da BIP. O diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, coordenador da Bienal, cancelou o evento devido a perda de patrocínios (leia postagem anterior), mas o simpósio já conta com os recursos necessários.

O tema do II Simpósio será Poesia contemporânea: olhares e lugares. Em diversos painéis distribuídos ao longo de três dias, reunirá autores como Marina Colassanti, José Castello, Floriano Martins, Rodrigo Garcia Lopes, Fernando Fiorese, Antonio Carlos Secchin, entre outros, além de poetas radicados em Brasília, como Antonio Miranda, Sérgio de Sá, Nicolas Behr e este escriba. O compositor Oswaldo Montenegro permanece como homenageado do evento. A organização do simpósio aguarda, agora, nova confirmação dos palestrantes. A data prevista é 8, 9 e 10 de novembro, coincidindo com a Semana de Extensão da UnB.

Menos mal. Quem sabe não conseguiremos transformar o simpósio numa pequena amostra do que seria a II Bienal de Poesia - que, se não puder acontecer ainda este ano, jamais poderá ser chamada novamente de "bienal"? 

II BIENAL DE POESIA É CANCELADA

 Aconteceu a tragédia anunciada. A Biblioteca Nacional de Brasília acaba de cancelar a II Bienal Internacional de Poesia (BIP), prevista para acontecer na primeira semana de setembro.

Os escritores convidados, que já haviam confirmado sua participação, estão sendo comunicados pelo diretor da biblioteca e organizador do evento, o poeta e professor Antonio Miranda. A carta atribui a decisão à insuficiente captação de patrocínios, provocada pelo atraso na aprovação do projeto do festival pelo Ministério da Cultura e o contingenciamento de recursos do governo federal.

A página da II BIP ainda estava na internet, às 14h desta terça, 20. Lá está a lista dos poetas confirmados para o evento: Ernesto Cardenal (Nicarágua), Humberto Ak´abal (Guatemala), Leo Lobos (Chile), entre muitos outros. Marina Colasanti, Augusto de Campos, Antonio Cícero, Marco Lucchesi, Floriano Martins, Miriam Fraga, Eucanaã Ferraz, Fred Maia, Wilmar Silva, Ruy Espinheira Filho eram alguns dos brasileiros já confirmados.

Os poetas homenageados da Bienal seriam Cardenal, Augusto de Campos, Ferreira Gullar e o compositor Oswaldo Montenegro, que teve sua formação em Brasília.

A grave crise política que transtorna o Distrito Federal desde o final do ano passado foi uma das causas do cancelamento da Bienal, mas não a principal delas. Qualquer evento cultural de porte, em Brasília, sempre acontece apesar do governo local, e não graças a ele. A principal razão foi a desistência da Petrobrás de patrocinar o evento, depois de haver se comprometido a contribuir. A decisão da Petrobrás é ordem do governo federal.

A Petrobrás também retirou o patrocínio, na última hora, para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). A diferença é que o governo do Estado do Rio reconheceu a importância do evento e injetou R$ 1,5 milhão para viabilizá-lo. Já o atual governador do Distrito Federal, o quarto em um único mandato, depois da prisão do primeiro, da renúncia do segundo e da passagem do terceiro, não chegou a pensar no assunto.

Qualquer grande evento cultural, seja no Brasil ou em Brasília, depende de muita luta e da disposição de indivíduos que acreditam e o levam adiante, como verdadeiros quixotes. O poeta Antonio Miranda é um desses personagens. Infelizmente, o sucesso da bienal de 2008 não foi suficiente para sensibilizar os patrocinadores.

A II Bienal de Poesia era a última esperança de que algum evento realmente importante marcasse o calendário de 2010, ano em que Brasília comemorou melancolicamente seus 50 anos de inauguração.

UM POEMA DE ROBERTO PIVA

Poema submerso

Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror
quando os cílios do anjo verde enrugavam as
chaminés da rua onde eu caminhava
E via tuas meninas destruídas como rãs por
uma centena de pássaros fortemente de passagem
Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o
infinito pousava na palma da minha mão vazia
E meninos prodígios eram seviciados pela Alma
ausente do Criador
Havia um revólver imparcialíssimo vigiado pelas
Amebas no telhado roído pela urina de tuas borboletas
Um jardim azul sempre grande deitava nódoas nos
meus olhos injetados
Eu caminhava pelas aléias olhando com alucinada ternura
as meninas na grande farra dos canteiros de
insetos baratinados
Teu canto insatisfeito semeava o antigo clamor dos
piratas trucidados
Enquanto o mundo de formas enigmáticas se desnudava
para mim, em leves mazurcas

Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 poetas hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Piva foi marginal por natureza, e crítico feroz do conformismo e da cultura oficial. Tudo a ver com uma das epígrafes de seu último livro, Estranhos sinais de saturno: "A verdadeira poesia se encontra fora das leis", frase de Georges Bataille. Piva morreu no dia 3 de julho, aos 72 anos. Algumas semanas antes dele, morreu também o editor Massao Ohno, responsável pelo lançamento de seu primeiro livro e por revelar um grupo importante de poetas brasileiros. Duas grandes perdas, que atestam o enorme capacidade deste país de se empobrecer culturalmente ao negligenciar o que tem de bom.