Agenda literária de Brasília para a semana

Quinta, 27 de março
O escritor Antônio Temóteo faz palestra sobre a poetisa Maria Braga Horta, no auditório da Associação Nacional de Escritores (ANE), na 707/907 Sul, às 20h.

Segunda, 24 de março
Antonio Miranda e o fotógrafo Robson Corrêa de Araújo lançam Grito Interrompido, primeiro título da Edições Fresta, dedicada a livros de arte em tiragens reduzidas. No Carpe Diem, 104 Sul.

Sexta, 28 de março
José Jeronymo Rivera presta tributo ao poeta Anderson Braga Horta, no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília, a partir das 19h.

Um brinde ao Dia Nacional da Poesia

Sangria

um amor triste
expulso do recinto
revolto, revolta-se,
bate à porta, insiste

sou um deus farto de fantasmas
e orações inúteis
pobre diabo
só cometo pecados fúteis

poeta vulgar
rastejo no assoalho
doente de miopia
tateio o alcadafe —
será vinho ou sangria?

na paisagem bordô
sonho um bacanal
paixão sem pudor
o líquido se agita
o amor nada

entre os cacos da garrafa
o sorriso ferido do retrato
ah, sonho de cabernet!
ah, pobre zurrapa!

Bob Dylan. Eu estive lá.

Estar frente a frente com uma das maiores lendas de nosso tempo é uma oportunidade rara. Por isso, valeu o sacrifício de comprometer o cartão de crédito durante alguns meses e deixar de comprar meia dúzia de CDs para assistir o show de Bob Dylan, na Via Funchal, em São Paulo. A casa tem uma acústica excelente e, apesar dos garçons chatos cruzando à frente das ridículas mesas de seis lugares em que a platéia foi confinada, a visão e audição de Bob Dylan e sua fenomenal banda compensaram qualquer discurso sessentista de hippies-velhos frustrados.

Bob Dylan é um artista. Ponto. Um artista em constante mutação, não um cantorzinho mumificado. Sua música e suas apresentações ao lado de músicos talentosos e reverentes estão carregadas de energia, de vida. Você, que esteve lá na Via Funchal ao lado de milhares de pessoas, teve o privilégio de ouvir interpretações que não se repetirão. Porque Dylan jamais cantará Blowind in the wind ou qualquer outro de seus inúmeros clássicos da forma como os cantou nos anos 60, ou 70, ou 80, ou 90, ou ontem. Foi uma oportunidade única.

Bob Dylan virou um milionário do rock? Nós, seus fãs na faixa dos quarenta-cinqüenta, nos transformamos em burgueses bebedores de Chivas Regall e proprietários de BMW? Nem uma coisa nem outra, periféricos. Bob Dylan continua o iluminado que sempre foi, o genial poeta que passou a vida inteira metendo o dedo na ferida dos poderosos e alienados babões. Mas ele sempre deixou claro que nunca quis relações com o poder. Sempre questionou as injustiças, mas não será ele que acabará com elas. Isso é tarefa da humanidade. Bob Dylan é um artista, um profeta que sempre viu o mundo do alto de sua poesia genial.

Os ingressos para o show eram caros? Sim, caríssimos. Mas para alguns valeu o sacrifício de pagar o preço. Para outros, não. É uma questão de opção. Os ingressos eram caros porque existe toda uma estrutura para montar um show profissional, para transportar os músicos e para pagar as produtoras que trouxeram Dylan até o terceiro mundo. E eram caros porque aqui é o terceiro mundo, onde vê-lo é uma oportunidade rara, e onde o custo de trazê-lo é elevado.

Não promovam confusões mentais. Há quase 50 anos Bob Dylan vem denunciando os podres desse mesmo sistema que nos arranca o couro para vê-lo. São as contradições do capitalismo, e as contradições estão aí para que as enfrentemos. Bob Dylan não é Deus. Bob Dylan é apenas uma das personalidades mais importantes da cultura contemporânea. Não há qualquer contradição nisso.