O documentário Plano B, de Getsemane Silva, conta a história de um gigantesco fracasso. Ele parte do quase inacreditável caso de censura do filme Contradições de uma cidade nova, vetado pelo próprio patrocinador, e que teve uma única exibição pública. De 1967, quando o filme deveria ter sido lançado, até 2013, quando o documentário de Getsemane será visto pela primeira vez, foram 46 anos de consolidação do fracasso que a empresa italiana Olivetti, a patrocinadora, tentou esconder.
Plano B é um dos três filmes brasilienses classificados para a 46ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2013. O documentário resgata a história do filme perdido de Joaquim Pedro de Andrade, um dos ícones do Cinema Novo, que, logo após sua exibição no mesmo festival, em 1967, foi apreendido pela censura da ditadura militar.
Produzido sob encomenda da Olivetti, Contradições de uma cidade nova não chegou a ser finalizado, porque os diretores da empresa retiraram o patrocínio quando viram a cópia de trabalho. Mesmo assim, o filme foi inscrito no Festival de Cinema de Brasília naquele ano, mas, apreendido pela censura, tornou-se uma raridade. “Finalmente vou ver esse filme”, exclamou a escritora Edla Van Steen, ao ser procurada por Getsemane Silva para falar sobre a obra. Na época, ela era assessora cultural da Olivetti.
“Vi esse filme quatro anos atrás”, conta Getsemane Silva. “É um filme lindo, e achei interessante investigar a história do veto. Além disso, o filme é extremamente atual, foi como ver uma profecia do passado acontecendo no presente.” Havia três cópias do filme, restaurado recentemente. Para que fosse feita a restauração, a Olivetti italiana cedeu os direitos, desde que fossem retirados o nome da empresa e os dizeres: “A Olivetti, produzindo este filme, tem a intenção de salientar a coragem e a imaginação com que foi resolvido, de modo contemporâneo e inusitado, problema tão antigo quanto a história da civilização: projetar e construir uma cidade.”
Plano B reforça e intensifica o desnudamento das elites brasileiras feito pelo filme de Joaquim Pedro de Andrade. Foi o preconceito e o desprezo pelas classes menos favorecidas que levaram ao fracasso uma das ideias mais geniais do século XX. “A atitude de exclusão, arraigada na classe média brasileira da época, seria a grande barreira para realizar um projeto modernista em sua totalidade”, reflete Getsemane. “O modernismo foi negado aos mais pobres. Foi um projeto de elite, vendido ao povo como mito de modernidade e igualdade”.
Chega a ser hilária a narração que se ouve aos 45 minutos de Plano B, retirada da propaganda oficial da época, com imagens atuais e da década de 1960: “A mística de Brasília contamina o país. A jovem cidade do Planalto Central é a estrela guia do futuro, a menina dos olhos do Brasil. Uma equipe dedica-se à arte de fazer cidades, dentro de perfeitas soluções dos problemas urbanos. Será a cidade dos parques e avenidas intensamente arborizadas, (...) como se no Planalto Central brasileiro a humanidade tivesse atingido a última expressão da civilização moderna.”
O filme de Getsemane colhe depoimentos de várias pessoas que trabalharam no filme de Joaquim Pedro, como o roteirista Jean Claude Bernadet e o poeta Ferreira Gullar, que fez a narração. E de pessoas que trabalharam na implantação da capital, como a assistente social Maria Abadia, ex-governadora do DF, que atuou na remoção de favelas à época da inauguração. Ela se lembra até hoje “das ruas empoeiradas, com caminhões pipa distribuindo água entre os barraquinhos”.
Os “barraquinhos”, que cercavam os edifícios monumentais de Brasília, foram transferidos para um cerrado absolutamente vazio, a quilômetros de distância. “Brasília foi defendida como mito, mas a cidade real é bem diferente”, observa Getsemane. “Apenas 8% da população do DF vive hoje no Plano Piloto. Uma micro minoria vive o mito do modernismo.”
Este texto foi publicado na revista Roteiro Brasília, edição 220, de setembro de 2013