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MONTEIRO LOBATO, RACISTA?


No futuro, quando o Brasil tiver evoluído, educado melhor sua população e se aproximado da civilização, a cena que você vê na foto acima se tornará piada de salão.

Contam os anais do Vaticano que, num passado distante, a alta cúpula da Igreja católica se reuniu durante vários dias para discutir qual era o sexo dos anjos. Ao final da longa maratona de debates, sem chegar a qualquer conclusão, decidiram que os anjos não têm sexo.

A expressão “discutir o sexo dos anjos” se tornou, desde então, sinônimo de discussão infrutífera, sem importância.

No Brasil do futuro, caso o país consiga evoluir, a expressão “discutir o racismo em Lobato” será sinônimo de debater questões inócuas - ainda que a reunião que você vê na foto possa trazer graves consequências. 

Um grupo de advogados preocupados com o racismo decidiu levar ao Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país, a descoberta de um mestrando em educação na Universidade de Brasília, o técnico em Gestão Educacional Antônio Gomes da Costa Neto. Segundo ele, o livro Caçadas de Pedrinho, um clássico da literatura infantil brasileira, é racista. Por causa dessa ideia, há quem defenda a proibição do livro.

O atraso do Brasil em educação é tão grave que educadores como Costa Neto e alguns integrantes do Conselho Nacional de Educação simplesmente não sabem, não têm noção, do que é literatura.

Literatura não é educação moral e cívica. Não é cartilha escolar. Não é manual de instruções para injetar informação na cabeça de crianças.

Literatura é arte! Será que esse pessoal sabe o que é isso, arte?

A coisa chegou a tal ponto que pessoas supostamente intelectualizadas decidiram levar ao banco dos réus, repito, na mais alta corte do país, um autor clássico da literatura brasileira, Monteiro Lobato.

Muitas gerações descobriram o prazer da leitura com livros de Lobato. Será que todos esses leitores se tornaram racistas?

Racismo é consequência da ignorância, professor. E o melhor remédio contra a ignorância é a leitura. De autores clássicos, mais ainda.

Será que os professores que ensinam nossas crianças estão levando a elas a poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Manoel de Barros, de Manuel Bandeira, de Ferreira Gullar?

Em audiência no Supremo, representantes do Ministério da Educação e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) concordaram em discutir novamente em 25 de setembro as questões levantadas pelo “racismo” em Lobato. Entre as quais, as relações étnico-raciais em livros adotados pelo sistema de ensino.

Mais importante que o resultado dessa discussão é perceber que, enquanto a literatura não for vista com seriedade nas escolas, a ignorância tende a se alastrar.

Foto: Portal do STF

O LINCHAMENTO DE MARIA BETHÂNIA

A semana que começou no Dia Nacional da Poesia, 14 de março, foi marcada por uma tentativa de linchamento, na internet, de uma das mais importantes artistas da música brasileira: Maria Bethânia. A partir da revelação, por um jornal paulista, de que o Ministério da Cultura aprovara um projeto que prevê a gravação de 365 vídeos em que a cantora lê poemas importantes da língua portuguesa, uma horda de gente preconceituosa e mal informada avançou contra ela com paus e pedras.
 
 O projeto O mundo precisa de poesia foi apresentado ao Ministério da Cultura pela Quitanda Produções Artísticas, e previa a captação de R$ 1,79 milhão, por renúncia fiscal, para a produção e veiculação dos vídeos, um por dia, durante um ano. O Ministério aprovou, reduzindo o valor para R$ 1,3 milhão. De acordo com a Lei Rouanet, esse valor poderá ser obtido junto a empresários, que descontarão uma parte dele ao pagar seus impostos de renda. Portanto, o Ministério não deu o dinheiro, apenas autorizou a produtora a solicitá-lo ao empresariado.

 
De acordo com a proposta, os vídeos serão veiculados em um blog na internet, no YouTube e outros espaços, um por dia, durante um ano, e estarão acessíveis para quem quiser vê-los e copiá-los. A seleção dos poemas será feita pela própria Maria Bethânia, que ao longo de uma irrepreensível carreira de mais de quatro décadas tem prestado inestimável serviço não apenas à melhor música brasileira, como também à poesia de língua portuguesa, levando a obra de autores como Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes, Sophia de Mello Breyner Andresen e inúmeros outros a um público totalmente seduzido pela beleza de suas interpretações.

 
Ao tornar acessíveis, pela internet, 365 poemas de primeira grandeza, Maria Bethânia levará a poesia a um público nem sempre íntimo dessa arte, hoje disponível apenas em livros de circulação restrita. A interpretação de Maria Bethânia resgata a oralidade da poesia, revelando sua beleza a pessoas que nem sempre compreendem os mistérios dessa linguagem. 

 
O episódio merece reflexões profundas. É assustadora a reação das pessoas, entre as quais há até mesmo poetas brasileiros que deveriam ter aplaudido a iniciativa, pois, afinal, como diz o próprio título do projeto, o mundo precisa de poesia, e o Brasil muito mais. Sabemos que o Brasil é um país iletrado, mas pior que isso é nossa vocação para cultuar a ignorância. Entre as manifestações que se reproduziram em redes sociais, blogs e seções de comentários dos jornais, era evidente que a grande maioria dos que protestaram o fizeram pelo simples prazer de protestar, sem ler o projeto, sem saber o que é a Lei Rouanet ou conhecer suas regras, e especialmente por um sadismo pouco disfarçável, alimentado pelo covarde ataque em massa a uma pessoa que obteve prestígio nacional graças a seu talento, coerência e integridade.

 
A obtenção de recursos para produções culturais, via renúncia fiscal, é prática comum e totalmente legítima, prevista em lei. Shows, DVDs, livros, filmes, peças de teatros, CDs são produzidos dessa forma. Pode-se questionar a qualidade dos artistas e vários outros aspectos, mas a aprovação, ou não, do projeto obedece a critérios puramente técnicos, e assim deve ser. 


O mais irônico dessa história é que a maior parte dessas produções não presta qualquer contribuição à cultura brasileira, e nem por isso se organizam protestos contra essa ou aquela. Turnês gigantescas, promovidas por empresas multinacionais, com retorno financeiro garantido, e que nenhuma contrapartida oferecem, são produzidas dessa forma. Há artistas descaradamente comerciais que assim gravam CDs e DVDs, vendidos a preços de mercado. Filmes sem qualquer valor cultural, lançados com estrondosas campanhas de marketing, são patrocinados pela mesma lei. 
 
Qual é o mistério por trás da campanha contra Maria Bethânia? Eu tendo a acreditar, mesmo sem querer, que se a produtora houvesse apresentado um projeto de R$ 2 milhões, ou R$ 5 milhões, apenas para uma turnê de shows de Maria Bethânia, ou gravação de um DVD, não teria havido tal reação. Ninguém protesta contra os milhões obtidos por artistas como Ivete Sangalo, Roberto Carlos, Gilberto Gil, duplas sertanejas ou grupos de axé. O filme Bruna Surfistinha captou R$ 4 milhões da mesma forma. Ninguém protestou. A Lei Rouanet viabiliza a produção de artistas importantes, mas também patrocina o esgoto da cultura brasileira. Tudo sob respeitoso silêncio. Praticamente todos os filmes produzidos no Brasil, alguns vistos por não mais que 3 mil, 5 mil pessoas, obtêm financiamento da mesma maneira. 

 
Duas palavras mágicas desencadearam a onda de protestos contra Bethânia. A primeira é “blog”, um espaço gratuito na internet, onde qualquer um escreve o que quiser. A segunda é “poesia”, uma arte vítima de muitos preconceitos, que para alguns é apenas obra de desocupados (como se a campanha contra Bethânia não fosse também obra de desocupados). As pessoas não entenderam, ou não quiseram entender, que o projeto O mundo precisa de poesia prevê captação de recursos não para a produção de um blog, e sim para a produção de 365 vídeos de nível profissional. E também não se percebe que a Poesia pode prestar grande contribuição para melhorar a qualidade de nossa educação e, em cascata, ajudar a aprimorar nosso senso crítico e nossa capacidade de reflexão. 

 
A onda de protestos encontrou terreno fértil também na irresponsabilidade da imprensa, que adora esse tipo de polêmica, mas é incapaz de analisar a fundo o alcance de um projeto que, ao contrário de quase todos os outros, pode ser uma valiosa ferramenta para as escolas, de todos os níveis, e que levará a melhor poesia de língua portuguesa a um público imensurável. E criará um acervo de grande importância, para agora e para o futuro. Esse desdobramento previsto pelo projeto da Quitanda não existe nas produções meramente comerciais, algumas até mesmo nefastas para nossa cultura, que se multiplicam sob o patrocínio da Lei Rouanet.

 
Maria Bethânia tem uma história irrepreensível e merece respeito. A Poesia também.

[O proprietário deste blog tomou a liberdade de usar a foto de Juan Guerra, da Agência Estado, para ilustrar este texto] 

VIVA MONTEIRO LOBATO!

Monteiro Lobato foi um dos autores que marcaram minha infância. Eu sonhava em ser como aquelas crianças que frequentavam o Sítio do Picapau Amarelo. Suas histórias me transmitiam um clima de amizade e aventura que me fascinava.

Agora, alguns supostos "educadores" querem me convencer que a obra de Monteiro Lobato é racista. Fico estarrecido. A sensação que guardei das leituras da infância, sobre a relação entre aquelas crianças e a Tia Nastácia, a personagem negra que os tais "educadores" supõem vítima de racismo, é de amor, respeito e amizade. 


Minha geração cresceu lendo Monteiro Lobato. Ninguém se tornou racista por causa disso. 

O "escritor" e "pesquisador" Alberto Mussa defendeu, durante o Fórum das Letras de Ouro Preto, a proibição da obra de Monteiro Lobato nas escolas. O nigeriano Felix Ayoh´Omidire, presente ao Fórum, concordou com ele. Nada sei de um ou outro, mas acho estarrecedor.

Há algumas semanas, a "professora" Nilma Lino Gomes, integrante do Conselho Federal de Educação (CNE), defendeu a mesma proibição em um parecer solicitado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Presidência da República.

Quem levantou o assunto foi o técnico em Gestão Educacional Antônio Gomes da Costa Neto, da Secretaria de Educação do DF, que faz mestrado em Educação na Universidade de Brasília. De que tipo de educação esse cara entende?

 
O fato é extremamente preocupante. Além da ameaça de atirar um manto de maldição sobre um autor clássico da literatura brasileira, é um sinal de que muito mais vem por aí. Estamos caminhando com passos firmes e ligeiros rumo ao pior obscurantismo.

Esses "escritores", "pesquisadores" e "educadores" sectários deveriam entender que a causa de todo o racismo é a ignorância, e ignorância se combate ensinando literatura de qualidade nas escolas.

Preparem-se. Brevemente vão propor a proibição de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e outros autores clássicos de nossa literatura. É assim que se destrói uma cultura.

CENÁRIO BRASILEIRO

 Vinte dias fora de Brasília, e retornamos com a primeira chuva. A cidade nos recebe sem a luminosidade dos ipês, mas os gramados ainda guardam o tom pastel que mais de 120 dias de seca impuseram como marca da paisagem.

Brasília está coalhada de lixo, forrada de farrapos de papel, restos de uma campanha eleitoral medíocre. Há quem diga que não é sujeira, é democracia; como se a democracia não fosse feita de propostas concretas para levar uma sociedade à evolução, como se a democracia se restringisse a papeizinhos impressos com sorrisos falsos.

Neste sábado, a primeira chuva, o cansaço, uma última tentativa de isolamento de uma realidade deprimente. O senso crítico apurado por anos de jornalismo leva-me a rejeitar notícias. No domingo, o voto obrigatório. As opções que me apresentam não correspondem a meus sonhos de democracia.

No Distrito Federal, o candidato do partido do governo tem ligeira vantagem sobre uma desconhecida. Surpreendo-me. Mas é a esposa do candidato, e não o candidato... Ameaçado de ter sua candidatura cassada, renuncia e inscreve a própria mulher em seu lugar. O tribunal aceita.

Nas eleições para a presidência da República, uma outra desconhecida lidera. É a máscara de um presidente que não pode disputar o terceiro mandato. O outro candidato parece envergonhado, não defende as ideias e realizações do próprio partido. E há outra mulher tentando se eleger. Não corta os cabelos porque a religião não lhe permite, mas acredita ser capaz de dirigir um país.

No domingo, a chuva que fingiu chegar vai-se embora. Visto meu traje de votar e dirijo-me às modernas urnas eletrônicas que não me permitem escrever mensagens na cédula. Mas basta teclar o número zero e confirmar para anular meu voto. Mais simples que eleger um canalha.

DESENVOLVIMENTISMO DESTRUIDOR


Esta foto, feita por Wilson Pedrosa e publicada no jornal O Estado de S. Paulo desta quinta-feira, 19, ilustra com perfeição o tipo de desenvolvimento proposto pelo bando de Dilma Rousseff e seu partido e que a mim, como eleitor, não interessa. Ela mostra o avanço da Ferrovia Transnordestina, como um tanque de guerra, sobre a histórica igreja de São Luiz Gonzaga, no povoado de Fazendinha, sertão de Moxotó, Pernambuco.
 
A igreja, de acordo com reportagem de Leonêncio Nossa, é um raro símbolo do Brasil Colônia, encravado na caatinga desde o século 18. Antes de chegar às proximidades da igrejinha, as máquinas sedentas do desenvolvimentismo a todo custo passaram por cima de velhas baraúnas, também cultuadas pelas cerca de 200 famílias descendentes de africanos e portugueses, que vivem no local.

Há um livro que conta a história do povoado e da igreja, e cita os ancestrais dos nativos enterrados dentro da igreja, alguns deles personagens históricos. Uma equipe de arqueólogos contratados pela Odebrecht já andou revirando as ossadas.

Muitos dos nativos vivem da bolsa-família, mas todos sabem do óbvio: a ferrovia passará pelo povoado como um bólido, sem deixar qualquer benefício. Os políticos locais estão em cima do muro, preocupados apenas com votos a ganhar ou a perder. E a ferrovia, que poderia muito bem fazer uma volta ao redor do sítio histórico, aguarda apenas a destruição de mais um de nossos bens culturais para seguir em frente.


[Foto: Wilson Pedrosa, Agência Estado]

A BIENAL DE POESIA E A PALESTINA

 No mesmo dia em que o diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, oficializou o cancelamento da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília (BIP), por falta de patrocínio,  o presidente da República, Lula da Silva, sancionava a lei 12.292, autorizando o Poder Executivo a doar R$ 25 milhões à Autoridade Nacional Palestina, "para a reconstrução de Gaza".

As palavras que você lê acima são as mesmas que estão no texto da lei: doar R$ 25 milhões, etc... Repito para não haver dúvidas.

Não sei os verdadeiros propósitos dessa doação, nem se o governo brasileiro tem feito doações semelhantes pelo mundo afora. É possível que os defensores da lisura petista digam que os recursos de doações para o exterior nada têm a ver com os investimentos que se façam ou deixem de ser feitos em cultura no Brasil.

O Brasil é um país miserável e uma das razões dessa miséria é o baixíssimo grau de educação de seu povo. E educação não é apenas ensinar crianças a ler e investir em professores.

Um povo educado e civilizado não sabe apenas ler. Sabe admirar a boa música, a boa literatura, e prefere trocar o Domingão do Faustão por um passeio a um museu ou uma galeria de arte.
 

Além de saber ler e escrever com correção, um povo civilizado admira e respeita as artes e seus artistas. E, convenhamos, nem o nosso presidente entende muito bem o que é isso, a julgar por centenas de suas frases folclóricas: "Ler dá uma preguiça desgramada." Apesar de seus desejos secretos, nem tão secretos assim, de ocupar um cargo de destaque na ONU ou ganhar o Prêmio Nobel.

Por tudo isso, pode fazer todo sentido que o governo ache uma bobagem "investir num festivalzinho de poesia" e relevante doar R$ 25 milhões à autoridade palestina.

Mas, para este solitário escriba, isso é uma aberração. Ainda que reconheça que essa aberração é típica do Brasil.


Quer ver o texto completo da lei 12.292? Clique aqui.

BELO MONTE DE MERDA

O Greenpeace depositou diante da entrada principal da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a melhor representação da Usina de Belo Monte e de outros projetos do governo: um monte de esterco. Sem maiores comentários. 

[clique na foto para ampliá-la]

NOSSO CARNAVAL

Às vésperas do carnaval que o governador do Distrito Federal passará na cadeia, é preciso relembrar que Brasília sofre a maldição de ser a capital de um país doente. A cidade, projetada para a modernidade e o futuro, só não deu certo por causa dos políticos. A comemoração de seus 50 anos, a 21 de abril, deveria ocorrer em absoluto silêncio, não um minuto de silêncio, como se homenageiam os mortos antes das partidas de futebol, mas com 24 horas de silêncio.

Este carnaval também será de silêncio, o mesmo silêncio de perplexidade e impotência, ainda que os blocos saiam às ruas para cantar versos engraçadinhos tendo como tema a desgraça que não é brasiliense, é nacional. No cárcere, ou em casa, se conseguir, o ex-governador curtirá a solidão, a da justiça fingida e hipócrita. Afinal, por que os outros personagens de todos os outros mensalões não estão ao lado de Arruda, compondo o bloco dos mensaleiros?

O governo do DF pretendia promover um festejo inesquecível para comemorar o cinquentenário. Ao invés de trazer artistas de todas as regiões do país para uma grande confraternização - Brasília é a síntese brasileira, já se cansou de repetir - pretendia trazer Paul McCartney. Pretensão e megalomania.

Com as mesmas intenções megalômanas, injetou dinheiro no carnaval carioca. O tema da escola de samba Beija-Flor é Brasília. Muitos brasilienses estarão desfilando na escola. Não sei se, diante dos últimos fatos, a platéia vaiará. Se o fizer, os passistas tentarão demonstrar seu orgulho de viver em Brasília, apesar da bandidagem que tomou o poder.

Não é bem assim. Quem dá o poder aos bandidos é o povo. Brasília se confunde com todo o Distrito Federal, mas o Distrito Federal não se identifica com Brasília. O primeiro erro foi não ter havido um projeto para todo o quadrilátero, como houve o originalíssimo projeto de Lúcio Costa para Brasília. Seria, talvez, revolucionário. Como não foi assim, tornou-se mera utopia, que se esgota enquanto a população do entorno se volta contra uma cidade com a qual não se identifica.

Nessa guerra, políticos desprovidos de ética só enxergam as perspectivas do lucro sem limites. Repetindo mais uma vez, Brasília é a síntese do Brasil.

2010 COMEÇA COM UM TIRO

As tragédias que abriram o novo ano estão em todos os jornais, nas TVs, na internet e nas mesas de bar. Então voltemos nossa atenção para uma foto publicada nos portais de informação na primeira semana de janeiro. A foto é objetiva e nada esconde: um agente da Polícia Rodoviária Federal descarrega sua arma sobre um boi indefeso.

Observe a foto
que ilustra este texto, e atente para o olhar quase humano do animal. Ele sabe que está frente a frente com a morte.


E o policial?
Ele executa o boi como se cumprisse uma tarefa burocrática, como se puxasse com a enxada uma pedra para desobstruir uma pista do asfalto.


O infeliz animal
estava sendo transportado por um caminhão, que tombou na rodovia BR-040 no dia 6 de janeiro. Não era uma fera em postura de ataque. Era um animal inofensivo perdido no meio do asfalto.


O que se deve ler na foto
não é a presteza com que um servidor público eliminou o risco de acidentes, numa rodovia que já estava sofrendo com as chuvas.


O que chama a atenção
é a frieza do policial, é a arrogância de um sujeito armado, que maneja a arma como se fosse um instrumento para colocar as coisas em seus lugares, como se a arma tivesse o poder de devolver o mundo à normalidade.

[Foto de Cristiano Couto, jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte]

FEIRA? LIVRO? BRASÍLIA?

Podem escrever: a Feira do Livro de Brasília não será realizada este ano. Seria a 28a. edição. Seria.

Feiras de livros são importantes
para estimular a leitura e aproximar escritores e leitores. Não são apenas um amontoado de barracas onde se vendem livros. São eventos onde ocorrem palestras, lançamentos, concursos, encontros.


A novela da 28a. Feira do Livro de Brasília
vem de longe. Havia sido marcada para a primeira semana de setembro, depois foi adiada para 16 a 25 de outubro, depois para 23 de outubro a 1 de novembro. Vai ficar para 2010 - se vier.


A Câmara do Livro do DF
precisa de dinheiro oficial para viabilizar a Feira. Nos últimos anos a Feira realizou-se em local inadequado e improvisado, os corredores externos do centro comercial Pátio Brasil. A previsão, este ano, era utilizar o cimentão armado do Conjunto Cultural da República para montar a Feira. A Câmara do Livro precisa de R$ 2,5 milhões para preparar a estrutura. O governo José Roberto Arruda prometeu R$ 700 mil. Já havia prometido para que a feira começasse a 23 de outubro, mas às vésperas o dinheiro não havia saído.


O secretário de Cultura (?)
do DF, Silvestre Gorgulho, garantiu aos livreiros: "A Feira vai acontecer, nem que seja na minha casa." Até parece. A diretoria da Câmara, que empurrou o problema com a barriga até chegar a hora da decisão, deu um sorriso amarelo. Até esta terça-feira, 27 de outubro, tudo permanece na estaca zero.


O evento é importante e o governo deveria ter interesse de contribuir. Mas governador, secretário e toda a turma nada entendem de cultura. No ano passado, eles (o governo) compraram de uma entidade qualquer o título de "Brasília, capital brasileira da cultura", com validade de um ano. Nada aconteceu, absolutamente nada, que pudesse lembrar à cidade o pretenso título. Como se título mudasse alguma coisa.

Nos 49 anos de Brasília,
comemorados em abril deste ano, o GDF teve o prazer de pagar R$ 950 mil para as "cantoras" Xuxa e Cláudia Leitte se apresentarem ao público. No aniversário de 50 anos vão torrar muito mais. Cultura, para o governo local, é isso: juntar uma multidão ao redor de cantores bregas para duas horas de show.


O jornalista Sérgio de Sá,
no Correio Braziliense de sábado, 24, foi incisivo. Lembrou que uma feira do livro "precisa ter conceito", e que a sociedade brasiliense, "desinteressada", precisa "decidir se a cultura é importante para a vida em comunidade ou se prefere se contentar com shoppings, bares, automóveis e nada mais".


Sérgio de Sá está certo.
Enquanto a Câmara do Livro dorme e deixa tudo na mão do governo, o governo prefere construir viadutos, massacrar o verde da cidade com rodovias e promover megashows de duplas breganejas para celebrar a cultura. É a capital do Brasil.

É o Brasil.

A SENHORA DE FÁTIMA E OS FANÁTICOS

No país da caretice contagiosa, o fanatismo religioso continua em ação. Em Brasília, as vítimas da vez são o artista plástico Francisco Galeno e a Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, conhecido cartão postal da cidade. Um grupo de católicos comprou uma briga contra as pinturas de Galeno no interior do templo. Não são apenas ações de censura. Na última segunda-feira, 21 de julho, um agressor, protegido pelo anonimato, rabiscou as obras de Galeno com caneta esferográfica.

A igrejinha de Nossa Senhora de Fátima
é um dos símbolos da arquitetura de Brasília. Projeto de Oscar Niemeyer, localiza-se na entrequadra 307/308 sul e foi inaugurada em 1959, um ano antes da própria cidade. Sua fachada é decorada com azulejos de Athos Bulcão, constantemente agredidos por atos de vandalismo, como aconteceu recentemente em conseqüência de um incêndio mal-explicado.


O interior possuía
originalmente afrescos de Alfredo Volpi, com suas tradicionais bandeirolas. No entanto, uma reforma irresponsável, realizada na década de 60, cobriu as paredes com tinta e a obra de Volpi se perdeu definitivamente.


Estão sendo realizados trabalhos de restauração, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) escolheu Francisco Galeno para fazer uma nova pintura no interior. Ele se inspirou no próprio Volpi, e fez um projeto bonito, singelo, quase infantil: a Nossa Senhora de Fátima, com o rosto não identificável, se apresenta entre pipas e bandeirinhas.

“Essa gente não acredita
em Deus nem na arte”, reclama Galeno, referindo-se aos detratores de seu trabalho. “O fanatismo torna as pessoas cegas.” Para explicar sua pintura, ele lembra que, segundo a tradição católica, Nossa Senhora apareceu para três crianças da cidade de Fátima, interior de Portugal. “Essas crianças eram pastoras, tinham uma vida difícil, mas certamente também brincavam”, afirma ele.


O tom alegre dos desenhos
de Galeno incomoda os fanáticos, que preferem identificar a religião com a dor, a culpa e o martírio. Contra o tradicionalismo, pesa o fato de que a Igrejinha é um dos símbolos da modernidade e do futurismo de Brasília, e ela não é propriedade deste ou daquele grupo religioso. Recebe não apenas católicos intolerantes, mas também turistas e visitantes da cidade, do país e do mundo.


A Igrejinha fica aberta diariamente, de manhã e à tarde, o que a torna vulnerável à agressão e intolerância. Dizem que Deus é onipresente e tudo vê, mas por via das dúvidas vão instalar umas câmeras para vigiar o ambiente.

Há um abaixo-assinado na internet em apoio à obra de Galeno. Acesse
aqui.

FESTA À FANTASIA

Você passa um período fora do Brasil e ao retornar a realidade lhe dá um soco na cara. O choque vem da mesmice das notícias. O governo de joelhos alisa as botas do PMDB. O Brasil inventou uma expressão - "governabilidade" - para justificar o rateio do saque. Assim, aos bandidos e corruptos são entregues as chaves dos cofres para que o país se torne governável. O Senado e a Câmara dos Deputados se revezam no banho de pocilga. O presidente da República comparece a encontro de líderes mundiais para distribuir camisas da seleção brasileira e mostrar que no Brasil só o futebol é levado mais-ou-menos a sério. O "supremo" tribunal federal extingue a profissão de jornalista e o coronel matogrossense Gilmar Mendes compara essa atividade à de cozinheiros e costureiros. Nosso presidente compara os senadores aos pizzaiolos. A política externa brasileira presta apoio a ditadores e governos ilegítimos e transgressores. E até os estudantes, que sempre mantiveram acesa a chama da rebeldia e do inconformismo, agora lambem as barbas do governo, com sua entidade oficial entulhada de dinheiro do contribuinte.

Então ficamos assim: o coronel se traveste de juiz, os jornalistas se travestem de cozinheiros e costureiros, os bandidos se tornam guardiões da democracia, o presidente da República se traveste de enviado de Deus para salvar o Brasil e o mundo, os estudantes se travestem de sindicalistas pelegos. Isto não é uma nação, é uma festa à fantasia. De fora do castelo, os não-convidados chafurdam no lixo.

BRASÍLIA, O LIXO E OS TURISTAS


Cento e sessenta toneladas de lixo, segundo o Serviço de Limpeza Urbana (SLU); 21 esfaqueados, sendo um morto, segundo a Polícia Militar; presença de mais de um milhão de pessoas, segundo o Governo do Distrito Federal, que despendeu R$ 10 milhões para transformar a Esplanada dos Ministérios, área nobre de Brasília, numa gigantesca muvuca. Não dá para entender o sentido de uma bagunça desse porte. O governo local está empenhado em atrair turistas para Brasília, uma cidade tombada pela Unesco como patrimônio da humanidade graças à beleza e leveza de sua arquitetura. Será que turistas do Brasil e do mundo vêm a Brasília em função dessa festa?

OS 49 ANOS DE BRASÍLIA [3]

Você, que vive em Belo Horizonte, São Paulo, Ribeirão Preto, Uberlândia, etc, etc, sairia de sua cidade no feriado para vir a Brasília ver um show da Xuxa ao ar livre?

Os grandes pensadores
do governo do DF acreditam que sim. Acham que pagar R$ 500 mil para a decadente "artista" fingir que canta seu playbacks no alto de um palco na Esplanada vai encher Brasília de turistas.


A multidão que deverá comparecer aos gramados (e enchê-los de lixo, mijo e merda) não é formada por turistas. É formada por moradores das várias cidades que compõem o Distrito Federal e seu entorno. São pessoas que buscam lazer barato. São pessoas que não têm opção de lazer, entretenimento e cultura, a não ser a tediosa televisão.

O governo do DF
não tem política cultural. Não investe em bibliotecas, centros culturais. Não incentiva o aparecimento de artistas entre a juventude da periferia. Não mantém uma política de formação de música, de artes plásticas, teatro. Não investe em política de incentivo à leitura. Não compreende que a arte é o melhor remédio para combater a ociosidade, a droga e o crime.


É por isso que a Esplanada
ficará lotada para ver Xuxa e os bregas que comemorarão os 49 anos de Brasília.


Apoiar a cultura não é
necessariamente lotar o palco com artistas que moram na cidade, embora muitos deles mereçam uma chance de se apresentar a seu público.


Apoiar a cultura é
estimular as atividades culturais entre a população, para que todas as pessoas entendam que a vida é muito mais que lutar o dia inteiro pela sobrevivência e à noite amortecer diante das novelas da Globo (ou mediocridades que tais).

OS 49 ANOS DE BRASÍLIA [2]

Ao desperdiçar dinheiro contratando artistas medíocres, bregas, representantes do mais asqueroso lixo cultural brasileiro, para as comemorações do 49o. aniversário de Brasília, o governo do Distrito Federal nega à população da cidade a oportunidade de uma festa de alto nível.

Os festejos deste ano
terão, além de Xuxa e Cláudia Leite, duplas breganejas e algumas outras bobagens, como demonstração de motocross (será que vão sacrificar os gramados?) e cavalhada. Toda a programação é pensada pela Brasiliatur, empresa vinculada à Secretaria de Desenvolvimento e Turismo. A Brasiliatur está sendo investigada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.


A Secretaria de Cultura não participa porque a Secretaria de Cultura não existe. Há algum tempo, o virtual secretário, Silvestre Gorgulho, declarou que a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional é uma das melhores orquestras do mundo. Então por que não dão a oportunidade ao povo de Brasília de ouvir sua orquestra, ao ar livre?

No ano passado
, Brasília foi eleita a Capital Latino-Americana da Cultura. Eleita é modo de dizer. O governo local comprou o título, para divulgar o nome da cidade e atrair turistas. O governo não sabe que turistas, especialmente internacionais, não são burros.


O que aconteceu nesse ano
em que Brasília foi a Capital Latino-Americana da Cultura? O único evento digno de nota foi a Bienal Internacional de Poesia, que aconteceu graças aos esforços do diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda, ao apoio de algumas embaixadas e à parceria com órgãos federais. A Bienal de Poesia aconteceu apesar do governo do DF, e não graças ao governo do DF.


O que seria necessário
para atrair turistas, o governo local continua não fazendo. Manutenção permanente de nossos monumentos. Transporte público decente, pontual, seguro e com informação de percursos. Sinalização abundante. Abertura de monumentos e palácios para visitação. Melhora dos acervos de museus e galerias, hoje abandonados. Preparo e educação de funcionários. E colaboração da iniciativa privada. Afinal, o atendimento em estabelecimentos comerciais, de todas as espécies, de butiques a restaurantes, é disparado o pior do Brasil.

OS 49 ANOS DE BRASÍLIA [1]

O governo do Distrito Federal vai pagar R$ 500 mil para a Xuxa (que não se pode classificar como cantora, atriz ou artista) subir num palco, no dia 21 de abril, e cantar com playback. Como se sabe, Xuxa só canta com playback, ou seja, ela finge que está cantando, enquanto a platéia de idiotas ouve a gravação da voz dela, com as desafinações corrigidas tecnologicamente.

Este é o "grande evento"
programado para as comemorações de aniversário de Brasília. A platéia também ouvirá Cláudia Leite, brega da axé music. A moça receberá R$ 450 mil, e assim já se vão R$ 950 mil da festa dos 49 anos.


Gente idiota é o que mais
existe no mundo e, em particular, no Brasil e, mais especificamente ainda, em Brasília - assim parece pensar o Governo do Distrito Federal. Nesse aspecto, não deixará de ter razão, se conseguir o que pretende - reunir 1 milhão e meio de pessoas para ver as grandes atrações da festa.


Os mentores dessa aberração
comemorativa são o governador José Roberto Arruda e o vice Paulo Octávio.


O presidente da Brasiliatur
, empresa do governo vinculada à Secretaria de Turismo, Rôney Nemer, deixou o cargo na semana passada, às vésperas do aniversário da cidade. Há rumores de que ele se recusou a pagar metade do cachê de R$ 800 mil para o obscuro "cantor" baiano Edu Casanova para divulgar Brasília em Salvador (essa é outra aberração de que falarei depois).

No dia 8 de abril, quarta-feira, Nemer participou da divulgação da programação dos eventos comemorativos dos 49 anos. Demissionário ou não, ele é tão cara-de-pau quanto Paulo Octávio, que acumula o cargo de secretário de Desenvolvimento e Turismo. Tanto que exibiram sorrisos amarelos para contar a glória de gastar quase R$ 1 milhão com Xuxa e Cláudia Leite.

E a Secretaria de Cultura
, como fica nessa história?


É uma ilusão de ótica
. Seu titular, Silvestre Gorgulho, não é da área, nada entende de cultura, e não passa de um fantoche da área de turismo do GDF. A política cultural do governo Arruda simplesmente não existe, mas o Silvestre circula com orgulho em quase todos os eventos que o pessoal do turismo inventa para fins culturais. Como bom carneirinho, ele balança a cabeça.

Veja aqui.

OS SUBTERRÂNEOS DA PRAÇA


Apesar de Oscar Niemeyer ter desistido de impor a Brasília a sua Praça da Soberania (veja postagem anterior), "ao menos provisoriamente", a população da cidade precisa refletir sobre esse episódio e lembrar-se de algumas coisas.

DESTRUIÇÃO CIVIL
O governador José Roberto Arruda governa em nome das grandes construtoras, que vêem em Brasília uma mina de ouro e não estão preocupadas com a qualidade de vida da população. Seu governo planeja a construção de grande número de setores habitacionais, uma verdadeira invasão de áreas verdes e de mananciais. Os monumentos também satisfazem a fome das construtoras.

O SONHO DA ESTÁTUA
A idéia da praça nasceu de uma sugestão do presidente Lula, que deseja a construção, em Brasília, de um local “para abrigar a memória da República brasileira”. Esse local estava previsto no projeto de Niemeyer. “Um prédio baixo, em curvas e pilotis, dedicado à memória dos presidentes da República”, descreveu o arquiteto, segundo matéria do Correio Braziliense de 10 de janeiro. Lula, o messias, pretende virar estátua.

PROPRIEDADE PRIVADA
Oscar Niemeyer, que se diz comunista, é aliado de todos os poderosos que passam pelos palácios do Planalto ou do Buriti. Aos 101 anos, do alto de seu escritório que dá frente para o mar de Copacabana, ele se considera legítimo proprietário de Brasília, mais do que as pessoas que vivem e padecem dos problemas urbanos na capital federal.

REJEIÇÃO AO PROJETO
A desistência foi anunciada em manchete pelo Correio Braziliense, na edição de 4 de fevereiro.Uma enquete realizada pelo jornal, com 4.066 internautas, indicou a rejeição da proposta por 75,87% dos votantes.

Se a população de Brasília não estiver mobilizada, é possível que Lula, Arruda e Niemeyer estejam apenas aguardando a hora certa de nos enfiar essa aberração pela goela abaixo.


[A foto de Niemeyer foi tomada emprestada do sítio Debatedouro]