CANCELADA A BIENAL DE POESIA

 Poetas de 21 países, além dos brasileiros ¬– nomes como Alcides Buss, Álvaro Alves de Faria, Felipe Fortuna, Floriano Martins, Horácio Costa, Lêdo Ivo, Miriam Fraga, Ricardo Silvestrin, Ruy Espinheira Filho, Wilmar Silva, entre outros – receberam na tarde desta segunda-feira, 22 de agosto, um comunicado do diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, Antonio Miranda. Em texto lacônico, frustrado e triste, ele informava, sem esclarecer os motivos, que a II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que seria realizada de 14 a 17 de setembro, estava cancelada.
 
Sem que tenha havido um comunicado oficial, fica difícil analisar as razões para o segundo cancelamento de um evento que parecia ter sua morte anunciada. Por ser bienal, como foi batizado desde a primeira edição, ocorrida em 2008, esse evento deveria ter acontecido no ano passado, mas foi adiado por falta de recursos. O ano de 2010 foi histórico para Brasília: foi o ano do cinquentenário de inauguração da cidade e o ano em que, pela primeira vez, um governador foi preso em pleno exercício do mandato. Além disso, o Distrito Federal bateu um triste recorde: teve quatro governadores em um único ano. 

 
Com a eleição do petista Agnelo Queiroz para governar o DF, houve quem visse renascer uma perdida esperança. Mas em pouco tempo percebeu-se que o novo governo de novo tinha muito pouco: não havia um projeto cultural a ser proposto ou implantado, e o secretário de Cultura, Hamilton Pereira, parece perdido no cargo. 

 
O resultado não poderia ser diferente. Os equipamentos culturais do DF continuam sucateados, com o Cine Brasília abandonado, o Museu de Arte fechado para uma misteriosa reforma, uma Biblioteca Nacional ainda sem livros disponíveis, apesar dos quatro anos de inauguração e os esforços de seu diretor, Antonio Miranda. Outros espaços, em Brasília e demais cidades, estão em situação equivalente. Enquanto isso, os artistas e a sociedade parecem em estado de letargia e perplexidade. 

 
Era muito peso para que Miranda o carregasse sozinho. Como evento nascido nos corredores oficiais, ainda que gerado no coração de um poeta com vasta história, a II Bienal Internacional de Poesia de Brasília carecia pelo menos do apoio de um governo sensível, que se dispusesse a reconduzir Brasília à condição de polo cultural no centro do Brasil. Uma condição cada vez mais distante e utópica. O cancelamento da Bienal é apenas reflexo de um caos muito maior, que cabe aos artistas, e à sociedade, reparar e ordenar.

A ARTE DE JOSÉ VASCONCELLOS

A infância redescoberta
Eu conhecia o artista plástico José Vasconcellos graças a um pequeno e belo desenho a lápis, feito por ele nos anos 70 numa folha de papel A4. Minha mãe, prima dele, o ganhou de presente e o guardava com carinho entre objetos preciosos. “Isso vale muito dinheiro em Copenhague”, me disse o próprio Vasconcellos, quando o conheci na sala Martins Pena do Teatro Nacional, em Brasília, na semana passada.
 
Vasconcellos vive desde 1974 na Dinamarca, onde é reverenciado pelos museus e galerias e, é claro, também pelo público. Suas obras fazem parte de coleções de vários países europeus e dos Estados Unidos, e livros sobre ele foram publicados em edições inglesas, francesas, alemãs, entre outras. 

Ele trabalha, hoje, basicamente com resina vegetal sobre tela ou madeira, às vezes usando colagens, criando obras complexas, de grande beleza plástica. Há muitos anos não produz mais gravuras como a que lhe mostrei no dia 2 de agosto, quando enfim o conheci pessoalmente.

Sem título
 Apesar do parentesco e de nascidos na mesma cidade – Passos, em Minas Gerais – só o encontrei agora, em Brasília, onde ele esteve para abrir uma exposição de 23 de suas obras no Espaço Cultural Zumbi dos Palmares, na Câmara dos Deputados. Fiquei impressionado com as cores, as texturas e sua abordagem muito pessoal do realismo fantástico, expressão, aliás, que dá nome à exposição. “Um mergulho no universo mágico do inconsciente coletivo, apontando certos arquétipos comuns a todos nós e resgatando fantasmas adormecidos no canto da memória de cada um”, como ele mesmo escreveu no catálogo da exposição.

Embora viva há quase 40 anos fora do Brasil, Vasconcellos é aquele mineiro típico – eu diria até um passense típico – que gosta de uma boa prosa, desenrolada com sotaque inconfundível. E é casado com uma artista igualmente talentosa, a pianista Valéria Zanini, que fez um recital inesquecível na Sala Martins Penna, tocando peças de Schubert, Schumann, Liszt, Villa-Lobos e Prokofieff. 

Valéria é goiana de Anápolis. Ela e Vasconcellos deixaram o Brasil em 1973, por pressão da ditadura militar. Foram para o Chile, de onde saíram no ano seguinte, após o golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende. Partiram direto para a Dinamarca, onde encontraram terreno fértil para desenvolver sua arte.