EXÍLIA NA BIENAL DE BRASÍLIA

Nesta sexta-feira, 18, lançamento de Exília no Café Literário Jorge Ferreira na Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. 
A Livraria do Chico (estande 33, bloco A) vende Exília na Bienal de Brasília. 


SARAU POÉTICO NA BIENAL

Uma pequena história da poesia em Brasília. Organização de Jorge Amâncio e participação de toda a turma. Nesta sexta-feira, 18 de abril, a partir das 21 horas, na Arena Infantil Monteiro Lobato. 


LITERATURA E INTERNET NA TV

No programa Entrelivros, da TV Brasil, uma conversa sobre literatura, internet e mercado. Foi ao ar na segunda-feira, 14 de abril, durante a 2ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. Participação de André Giusti e deste escriba. 


[crônica] ÍCONES INFANTIS

Eu devia ter no máximo três anos quando meu pai comprou seu primeiro carro, que ele chamava de Prefetinho e que só recentemente descobri que se tratava de um Ford Prefect, de fabricação norte-americana ou inglesa. Pelas pesquisas que fiz, devia ser um modelo produzido entre as décadas de 1930 e 1940, e portanto já um respeitável ancião quando meu pai o adquiriu em 1958 ou 1959. 

O Prefetinho ficava estacionado diante de minha casa, na rua Lourenço de Andrade, em Passos. Era uma rua tranquila, mas já asfaltada. Recém-chegado ao mundo, me encantei com a máquina que meu pai incorporara a seu escasso patrimônio. E foi assim que me transformei em grande problema para minha mãe, pois eu queria passar o dia inteiro em seu interior, e algumas vezes a obriguei, usando os invencíveis argumentos de primogênito de três anos, a levar-me o almoço dentro do carrinho.

Na família não existem fotos do Prefetinho, a não ser uma em que ele pode ser visto pela lateral, apenas a metade da frente, imagem suficiente para identificar o modelo, graças a um relevo característico na lataria. Minha mãe está no banco dianteiro, de perfil, e eu estou no colo dela, olhando para o fotógrafo. Essa foto foi tirada com uma antiga câmera Kapsa, diante da Igreja de Santo Antônio, mais tarde demolida como tantos outros ícones da minha infância. 

Imagino que a foto tenha sido feita pelo meu pai, embora a fotógrafa oficial da família fosse minha mãe. Em ocasiões especiais, geralmente viagens, ela comprava um filme, que o próprio funcionário do cinefoto colocava na Kapsa. Quando voltávamos da viagem, minha mãe fazia algumas fotos em casa, nas ruas próximas ou na Praça da Matriz, e depois mandava revelar no Foto Yokoyama, anos depois substituído pelo Simosono. 

Minha mãe teve duas câmeras Kapsa. A primeira, usada para fotografar o Prefetinho, era preta. O que chamava atenção nessa câmera era que o fotógrafo tinha que segurá-la na altura da barriga, posição adequada para que a imagem fosse vista no visor. Não sei quem ensinou minha mãe a fotografar, mas ela reuniu um respeitável acervo de fotos de minha infância e de meus irmãos. Eu já era adolescente quando pela primeira vez minha mãe permitiu que eu fotografasse com a Kapsa. 

Embora o Prefetinho me fascinasse, meu pai vivia furioso com o carro, que segundo ele “não saía da oficina”. Para complicar, acredito que meu pai o comprara com o objetivo maior de viajar, porque Passos era muito pequena e ele gostava de andar a pé. A cidade ficava a meio caminho entre Belo Horizonte e São Paulo, unida às duas capitais por estradas de terra quase intransitáveis. Viajar era, de fato, uma grande aventura. Lembro-me dos quilométricos lamaçais em tempos de chuva, quando era comum passarmos por uma fila de carros fora de combate, até que nós também atolássemos e mais tarde fôssemos resgatados por um jipe ou um trator. 

O segundo carro de meu pai foi um Chevrolet fabricado também na década de 1940, porém maior e mais confortável. Certa vez, saímos de Passos no início da noite com destino a Belo Horizonte. O carro levava, além de mim, meus pais e meus avós maternos, além de Tia Raquelina. Numa curva, próxima a uma ponte, o carro saiu da estrada e despencou dentro do rio. Ninguém se machucou gravemente, mas poderia ter sido uma tragédia se o carro tivesse avançado mais dois metros. Fomos resgatados por um caminhoneiro que se tornou amigo da família. 

Lembro-me de ter sido retirado do carro, com as roupas molhadas e tremendo de frio, e levado para o interior do caminhão. E lembro-me também de minha mãe lamentando a perda da “máquina de retratos”. Anos depois ela comprou outra, da mesma marca, mas agora de cor cinza. E continuou fazendo fotos que, embora sejam belas recordações, jamais substituirão a memória. 

[história afetiva] HÁ VAGAS - OU HAVIA?


Capa da terceira edição
A revista literária Há Vagas circulou em Brasília de setembro de 1982 a agosto de 1985, em três edições, que contaram com o apoio da Universidade de Brasília. Seus fundadores foram Armando Veloso, Chico Leite, José Adércio Leite e Paulo Joe, com a participação de Regina Ramalho, que fez o projeto gráfico da primeira edição, e um grande número de colaboradores. No início da década de 1980, o movimento literário de Brasília era muito intenso e os criadores da revista conseguiram agregar grande parte dos escritores que circulavam na cidade. Na época, a perspectiva de mudanças políticas, com o fim iminente da ditadura militar, e a capital ainda em busca de identidade, com apenas 22 anos de inaugurada, apontavam para um horizonte sem limites e muita expectativa também na cultura.  

A primeira edição de Há Vagas trazia na capa um desenho que vazava para a contracapa, em que se viam todos os colaboradores da revista segurando a carteira de trabalho. Quem assinava o editorial, sob o título O homem é o lobby do homem, era o jornalista e poeta Tetê Catalão. Apesar de rico em metáforas, ainda hoje o texto não deixa dúvidas quanto à conjuntura política e econômica da época. “A pior recessão será aquela capaz de desfibrar sonho por sonho, letra por letra, carícia por carícia”, afirmava logo na primeira frase. “Em pleno desemprego nacional, afirma-se que HÁ VAGAS.” O país vivia os últimos suspiros da ditadura militar, em meio a crise econômica, mas ainda faltavam três anos para que o último presidente de fardas entregasse o poder. 

Capa da primeira edição
“Quem achar que deve, se apresente. Afinal, quem diz que você pode ou não pode é você mesmo: se a vaga é tua, vai na vaga. Abre o vago-simpático e brilha vagau no brinquedo de estar lúcido.” Tetê Catalão fechou assim o editorial, e deu gás para que alguns escritores que enviaram colaborações à revista e não foram publicados protestassem contra a “falta de vagas”. No entanto, em suas três edições a revista veiculou textos de grande qualidade literária, de autores de diversos estilos e propostas, de vários pontos do país, comprovando que as portas estavam, de fato, abertas. 

Primeiro número – Um dos destaques da primeira edição de Há Vagas era o poeta Francisco Alvim, participante do movimento literário brasiliense, nome importante da poesia dos anos 70. Ele contribuiu com poemas e uma interessante entrevista, em que refletia sobre a ainda recente poesia marginal. 

Entre os autores de contos, poemas e ilustrações publicados no primeiro número estão, além de seus criadores e editores, Ariosto Teixeira, Cassiano Nunes, Cesário de Sousa, Eduardo Rangel, João Borges, Jô Oliveira, Luis Eduardo Resende (Resa), Luís Martins, Paulo Andrade e Turiba. 

Após a publicação do primeiro número de Há Vagas, houve uma dissidência de alguns escritores desse grupo, que se afastaram para criar a Bric-a-brac, outra revista literária de grande importância na história cultural de Brasília. 

Capa da segunda edição
Segundo número – Na capa, o artista plástico Felix Valois reproduziu graficamente uma frase poética pichada em um muro de Brasília: “Não sei como as pal-/avras/ ainda são feitas/ de silenci-os!” O segundo número da revista foi editado por Chico Leite, Armando Veloso, Domingos Pereira Netto e Alexandre Marino, com a colaboração de Paulo Joe (São Paulo) e Theophilus (Fortaleza), e edição de arte de Milton Goes, Resa, Jô Oliveira, Evandro Abreu, Renato Ferrari e Rômulo Andrade. A data de edição é primavera de 1984. 

Colaboraram no segundo número, além dos editores, Adriano Espinola, Cassiano Nunes, Carlos Herculano Lopes, Evandro Abreu, Lourenço Cazarré, Nirton Venancio, Patt Raider e Luís Turiba, entre outros. Chico Leite, Armando Veloso e Alexandre Marino conduziram a entrevista desta edição, com o poeta Affonso Romano de Santanna. 

Uma das curiosidades desta segunda edição foi um conto cedido pelo poeta Paulo Leminski, de título Sintomas. De Leminski também foi publicado um poema, sem título. 

Marino, Chico, Domingos,
Goes, Armando
Outra curiosidade foi o poema enviado por Waly Salomão, O cólera e a febre. O poema fala de uma situação de tédio num domingo de sol. Waly teria ficado furioso ao ver a ilustração de Milton Goes para seu poema, cuja primeira estrofe trazia os versos “Um bode imundo irrompe/ (...) e perante minha pessoa a fera/ estaca e já dentro de mim se esmera/ (...)”. Na ilustração, Goes usou a imagem literal de um bode, o animal, que se transforma numa seta e fere o peito de um homem. Waly talvez não tenha compreendido que, neste caso, o bode foi a metáfora da metáfora, e o realismo reforçou a imagem figurada. 

Terceiro número – Aquela que seria a última edição de Há Vagas, de agosto de 1985, foi feita por Armando Veloso, Chico Leite e Alexandre Marino, com a colaboração de Paulo Joe e Theophilus. A edição de arte ficou a cargo de Milton Goes e Chico Leite. Cristina Bastos teve importante contribuição em todo o trabalho. A imagem da capa, do fotógrafo Juan Pratginestós, mostra um casal sentado nas arquibancadas vazias do antigo anfiteatro do Parque da Cidade, cenário do lendário Concerto Cabeças, e na contracapa as mesmas arquibancadas, lotadas, ambas fotos feitas do alto. 

O poeta Ferreira Gullar foi entrevistado pela jornalista Patrícia Assis. A professora Maria Duarte escreveu um ensaio sobre arte e cultura nos novos tempos que se inauguravam no país. Encartadas na revista vinham as Breves anotações para um provável manigesto, com texto final de Chico Leite, que discutiam a proposta literária dos editores da revista, voltada para uma poesia de linguagem universal, uma “viagem da pedra primitiva ao neon”, revelada nos versos de Paulo Joe: “Nem vanguarda, nem retaguarda, apenas o que o coração aguarda.” 

Entre os colaboradores desta edição estavam ainda Alice Ruiz, Antonio Barreto, Guido Heleno, Nevinho Alarcão, Nilto Maciel, Paulo Leminski, Reynaldo Jardim, Thais Guimarães e Zaida Regina. 

Há Vagas reuniu, em suas três edições, nomes de grande importância da literatura que se fazia na época em Brasília, publicando ainda escritores que se destacavam em outros estados por uma postura de inquietação e questionamento. Novos tempos chegavam. Há Vagas cumpriu sua parte.