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[crônica] ELES AINDA ESTÃO AQUI

 
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A crônica publicada em 15/11/2024 na Folha da Manhã de Passos trata de Ainda estou aqui, fascinante filme de Walter Salles. Foi escrita no calor da emoção provocada por essa belíssima produção do cinema brasileiro, e certamente não esgota o tema.

[cinema] AQUARIUS, OU AS RUÍNAS DO EDIFÍCIO


Fui ver Aquarius, movido pelas polêmicas em torno do filme. Estrelado por Sônia Braga, teve sua primeira exibição em maio deste ano, no Festival de Cannes, na França, quando concorreu à Palma de Ouro – mas não ganhou qualquer prêmio. Vem tendo boa carreira internacional e principalmente no Brasil, onde estreou em 1º de setembro. Mas não foi escolhido para concorrer ao Oscar, o que acrescenta mais uma polêmica às que já havia provocado. 

Dirigido por Kleber Mendonça Filho, o filme ficou famoso antes de ser exibido por aqui, graças ao protesto promovido no tapete vermelho do Festival de Cannes, quando a equipe do filme exibiu cartazes denunciando um “golpe de estado” contra a então presidente Dilma Rousseff. A enorme repercussão da manifestação transformou o diretor e seu filme em queridinhos dos petistas e seus apoiadores, que batem palmas nos finais de sessão e gritam “fora Temer”. Ouvi alguns desses gritos no Cine Brasília, onde o assisti (mas não ouvi nenhum “volta Dilma”). 

A primeira pergunta que me ocorre é: será que o filme faria o sucesso que está fazendo se não tivesse havido protesto em Cannes? 

Cinema é indústria, mas também é arte. Se não for assim, não faz sentido refletir a respeito. E arte e política não costumam resultar em boa mistura. Por força dessa mistura, Aquarius vem sendo apresentado por alguns de seus fãs com adjetivos superlativos que não merece. É um filme mediano, que tem um grande mérito – segurar a tensão até o fim, ao deixar a plateia na expectativa do desfecho da queda de braço entre Clara (Sônia Braga) e a construtora Bonfim, que quer expulsá-la do apartamento onde mora, na praia da Boa viagem, em Recife. 

Um parêntesis: até aqui, a história do filme é conhecida. A quem não viu o filme e não quer quebrar a surpresa do que se segue, recomendo que não prossiga a leitura, pois não há como comentá-lo sem falar do final.

Para acompanhar a história, o público encara 2 horas e 25 minutos de filme, que caberia em menos de duas horas. Se escrever é cortar palavras, como disse o poeta Drummond, filmar é cortar cenas. Mas o roteiro padece de excessos. Logo no início, uma festa comemora o aniversário de Tia Lúcia. O ano é 1980 e ela completa 70 anos. Enquanto crianças discursam, ela recorda cenas de sexo (explícito) que praticou ali pelos vinte anos – portanto, nos anos 1930. A cena da festa é extremamente longa e nada tem a ver com o restante do filme, a não ser pelo fato de que foi em cima da mesma cômoda agora pertencente a Clara que ela se ofereceu para o amante lhe fazer sexo oral. 

Clara vive de recordações. É jornalista aposentada, e todos os vizinhos já venderam seus apartamentos para a construtora Bonfim. Só ela resiste. Na sua intimidade, ela ouve uma enorme coleção de vinis (que fornecem a ótima trilha sonora do filme), eventualmente cuida do neto, dorme numa bela rede, sai com as amigas para conversar futilidades ou desce para ir à praia, enquanto Ladjane, uma serviçal que trabalha para ela há 19 anos (e a adora) prepara na cozinha seus pratos favoritos. 

Kleber Mendonça Filho tem uma ótima história nas mãos. O filme é um elogio da memória, da identidade e da resistência. Clara é uma personagem forte, pela disposição de lutar contra a construtora e pela batalha que travou no passado contra o câncer. Por outro lado, é uma burguesa cujo único projeto de vida é permanecer no apartamento onde mora – um dos cinco que possui, como confessa, no final do filme, ao engenheiro Diego Bonfim. 

Aquarius discute questões da maior atualidade e importância no Brasil. A história e a memória versus o capitalismo sedento é uma delas. Dentro do apartamento, temos um exemplo da desigualdade social, com Clara curtindo suas recordações e Ladjane trabalhando para ela. Clara, aposentada e bem de vida, mora de frente para o mar. Ladjane, mais velha que Clara, vive em Brasília Teimosa, meio caminho entre bairro e favela. Outras questões colocadas na mesa são a homossexualidade, a ostentação do poder, a questão feminina. 

O público supostamente de esquerda que ama o filme e engorda sua bilheteria toma as dores de Clara e se emociona com sua luta. O irônico é que os vilões do filme são os donos da Construtora Bonfim, empresa inescrupulosa provavelmente inspirada nas grandes empreiteiras nacionais – OAS, Odebrecht, etc – que se tornaram cúmplices dos governos do PT no gigantesco assalto aos cofres públicos promovido nos últimos anos. O público que continua apoiando o PT sabe do que os empresários da construção civil são capazes, mas talvez não recorde quem são os seus aliados. 

O que segura o filme é a surpresa que parece se preparar para o final. As ações contra Clara incluem ofertas em dinheiro, pressão sobre os filhos, festas e orgias no apartamento ao lado, invasão por crentes de alguma igreja. Mas ninguém faz ideia do que vai acontecer. 

E o que acontece? Clara descobre uma arma mortífera contra a construtora. São documentos que obtém num arquivo público. Quando os apresenta aos donos da empresa, eles, pela primeira vez, saem do sério. Mas que documentos são esses? O que eles provam? Não se sabe. À plateia, que tanto torceu por Clara, é sonegada essa informação essencial: qual é a arma usada por ela contra seus inimigos. 

As luzes se acendem e ouvem-se aplausos. Depois, alguns gritos de “fora Temer”. As pessoas saem do cinema acreditando na vitória de Clara. Mas acontece que os cupins introduzidos pela construtora no prédio vão destruí-lo inapelavelmente. É uma metáfora do que acontece há anos no Brasil, onde as grandes empreiteiras, ao financiar as campanhas petistas, também introduziram na administração pública cupins insaciáveis. E depois cobraram seu preço. 

[cinema] UM FRACASSO MONUMENTAL


Plano B: Brasília sem máscaras
O documentário Plano B, de Getsemane Silva, conta a história de um gigantesco fracasso. Ele parte do quase inacreditável caso de censura do filme Contradições de uma cidade nova, vetado pelo próprio patrocinador, e que teve uma única exibição pública. De 1967, quando o filme deveria ter sido lançado, até 2013, quando o documentário de Getsemane será visto pela primeira vez, foram 46 anos de consolidação do fracasso que a empresa italiana Olivetti, a patrocinadora, tentou esconder. 

Plano B é um dos três filmes brasilienses classificados para a 46ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2013. O documentário resgata a história do filme perdido de Joaquim Pedro de Andrade, um dos ícones do Cinema Novo, que, logo após sua exibição no mesmo festival, em 1967, foi apreendido pela censura da ditadura militar. 

Produzido sob encomenda da Olivetti, Contradições de uma cidade nova não chegou a ser finalizado, porque os diretores da empresa retiraram o patrocínio quando viram a cópia de trabalho. Mesmo assim, o filme foi inscrito no Festival de Cinema de Brasília naquele ano, mas, apreendido pela censura, tornou-se uma raridade. “Finalmente vou ver esse filme”, exclamou a escritora Edla Van Steen, ao ser procurada por Getsemane Silva para falar sobre a obra. Na época, ela era assessora cultural da Olivetti. 

“Vi esse filme quatro anos atrás”, conta Getsemane Silva. “É um filme lindo, e achei interessante investigar a história do veto. Além disso, o filme é extremamente atual, foi como ver uma profecia do passado acontecendo no presente.” Havia três cópias do filme, restaurado recentemente. Para que fosse feita a restauração, a Olivetti italiana cedeu os direitos, desde que fossem retirados o nome da empresa e os dizeres: “A Olivetti, produzindo este filme, tem a intenção de salientar a coragem e a imaginação com que foi resolvido, de modo contemporâneo e inusitado, problema tão antigo quanto a história da civilização: projetar e construir uma cidade.” 

Plano B reforça e intensifica o desnudamento das elites brasileiras feito pelo filme de Joaquim Pedro de Andrade. Foi o preconceito e o desprezo pelas classes menos favorecidas que levaram ao fracasso uma das ideias mais geniais do século XX. “A atitude de exclusão, arraigada na classe média brasileira da época, seria a grande barreira para realizar um projeto modernista em sua totalidade”, reflete Getsemane. “O modernismo foi negado aos mais pobres. Foi um projeto de elite, vendido ao povo como mito de modernidade e igualdade”.

Chega a ser hilária a narração que se ouve aos 45 minutos de Plano B, retirada da propaganda oficial da época, com imagens atuais e da década de 1960: “A mística de Brasília contamina o país. A jovem cidade do Planalto Central é a estrela guia do futuro, a menina dos olhos do Brasil. Uma equipe dedica-se à arte de fazer cidades, dentro de perfeitas soluções dos problemas urbanos. Será a cidade dos parques e avenidas intensamente arborizadas, (...) como se no Planalto Central brasileiro a humanidade tivesse atingido a última expressão da civilização moderna.” 

O filme de Getsemane colhe depoimentos de várias pessoas que trabalharam no filme de Joaquim Pedro, como o roteirista Jean Claude Bernadet e o poeta Ferreira Gullar, que fez a narração. E de pessoas que trabalharam na implantação da capital, como a assistente social Maria Abadia, ex-governadora do DF, que atuou na remoção de favelas à época da inauguração. Ela se lembra até hoje “das ruas empoeiradas, com caminhões pipa distribuindo água entre os barraquinhos”. 

Os “barraquinhos”, que cercavam os edifícios monumentais de Brasília, foram transferidos para um cerrado absolutamente vazio, a quilômetros de distância. “Brasília foi defendida como mito, mas a cidade real é bem diferente”, observa Getsemane. “Apenas 8% da população do DF vive hoje no Plano Piloto. Uma micro minoria vive o mito do modernismo.” 

Este texto foi publicado na revista Roteiro Brasília, edição 220, de setembro de 2013

UMA ODISSEIA NA FICÇÃO


Meu avô morreu em 1975, sem jamais acreditar que o homem foi à lua. Lembrei-me dele ao rever, pela enésima vez, 2001, Uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, agora com a nitidez proporcionada pelo blue-ray. No filme, um clássico do cinema, dois astronautas viajam em direção a Júpiter numa nave controlada por um computador avançadíssimo, capaz de dialogar, deduzir, refletir e sentir.

Filmado com efeitos especiais nunca vistos no cinema, que até hoje não perderam a força, 2001 foi lançado em 1968, um ano antes da suposta viagem dos astronautas norte-americanos à lua. A epopéia de Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins foi uma resposta dos Estados Unidos à União Soviética, que haviam colocado um astronauta na órbita da Terra. Em plena Guerra Fria, a façanha foi uma vitória diante dos soviéticos.

 
Existem muitos indícios de que a viagem à lua não passou de uma montagem, uma farsa, uma ficção. Observações nas fotografias dos astronautas no solo lunar, divulgadas pela agência espacial norte-americana Nasa, revelam contradições, como a penumbra, inexistente em ambiente sem atmosfera, marcas de pegada onde não deveriam existir, devido à falta de gravidade, ausência de sinais do propulsor do módulo lunar, exposição dos astronautas à radiação solar, mortal naquelas condições, e muitas outras evidências – ou razões para dúvidas.


Há quem identifique o cineasta Stanley Kubrick numa foto anterior, produzida pela própria Nasa, o que poderia significar que ele contribuiu para a farsa. No contexto político daquela época, poderia ter sido possível ao governo norte-americano convencer alguns participantes da importância da conquista, ainda que fictícia, da lua. 

 
Ao rever o filme 2001, Uma odisséia no espaço, lembrei-me de toda essa história ao observar os detalhes das naves espaciais e especialmente das cenas passadas na lua, em cenário extremamente parecido com o das filmagens da viagem supostamente forjada. Nos créditos, no final do filme, há agradecimento aos cientistas que prestaram consultoria para roteiro e filmagens.

 
Para fazer um filme que, mais de 40 anos depois de lançado, permanece moderno e futurista, Stanley Kubrick e seu parceiro, o escritor Arthur Clarke, precisaram de uma competente assessoria, para que os detalhes científicos não se tornassem inverossímeis. Precisaram também de projetos de naves espaciais e outros equipamentos, que o governo norte-americano e a Nasa poderiam ter cedido, em troca de algum tipo de compensação. Era a parceria perfeita para dois filmes de ficção científica, e não apenas um. 

 
Assim como todas as obras de arte, o filme possui várias camadas de leitura, que vão de uma simples história de ficção a todo o simbolismo sobre a evolução da humanidade. O tempo, o ritmo, a fotografia, os cenários, tudo permanece perfeito. Do gesto do símio que transforma um osso em arma, no início do filme, ao olhar do feto diante da Terra, na cena final, 2001 é uma obra-prima do cinema. Inesquecível.

PAISAGEM NA NEBLINA


Esta é uma das mais belas cenas que já vi no cinema. Está em Paisagem na Neblina, do grego Theo Angelopoulos. Essse filme encabeçaria a lista dos que eu levaria para uma ilha deserta, com certeza. Quem viu o filme há de se lembrar da cena. É uma obra de arte carregada de simbolismo, uma lição de como a vida, em seu sentido mais amplo, pode ser profundamente refletida em uma história que se conta em duas horas. Agora, acabo de saber que Angelopoulos, aos 76 anos, acaba de falecer, em consequência de um atropelamento. É muito difícil aceitar e compreender. É um daqueles mistérios que ele próprio tentou desvendar com os belíssimos filmes que nos deixou.

CORAÇÃO VAGABUNDO

O tempo trouxe maturidade e levou embora um tanto daquela arrogância que Caetano Veloso parecia gostar de exibir. Mas o gênio, o olhar aguçado, a sensibilidade e a capacidade de observação continuam afiados, a julgar pelo que se vê no documentário Coração Vagabundo, lançado nacionalmente no final de julho e ainda circulando pelos cinemas do Brasil.

O filme de Fernando Grostein Andrade
mostra momentos de intimidade do músico baiano durante turnês de lançamento do CD Foreign Sounds, em shows realizados em São Paulo e cidades dos Estados Unidos e do Japão (2003-2005). Chega a ser estranho ouvir Caetano falar de suas dificuldades com a língua inglesa ao enfrentar uma entrevista na televisão norte-americana. “Eu sou de Santo Amaro, e lá vivi até os 18 anos”, afirma ele. “Não sou de São Paulo, uma cidade com espírito cosmopolita.” Não é qualquer baiano que encara aquela gororoba japonesa que Caetano se esforça para provar, na cena mais hilária do filme.


Ao mesmo tempo, é emocionante
ver Caetano Veloso interpretar, em plena forma, clássicos do jazz ou os seus próprios, com destaque para Terra, uma das mais belas canções feitas no Brasil desde que o Festival da Record revelou o músico. E as manifestações de fãs ilustres, como o cineasta Pedro Almodóvar e o cantor David Byrne, só reforçam a experiência dos brasileiros privilegiados que acompanham sua carreira. Coisa que estrangeiros anônimos também aprenderam a fazer, como o monge que se declara fã, ou os japoneses que contorcem a língua para entoar trechos de suas canções.


Outro momento marcante do filme
é a rápida aparição do cineasta Michelangelo Antonioni, homenageado por Caetano com uma bela canção. Antonioni revê num computador um de seus grandes momentos no cinema, a cena final de Passageiro profissão repórter, enquanto conversa com a esposa sobre o músico brasileiro.


O documentário também mostra
que a produtora do filme, Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, é aquilo que sempre foi: uma chata. Na época, o casal estava em processo de separação e Caetano demonstra, em algumas passagens, não viver bom momento emocional. Agora que Caetano Veloso está livre de Paula Lavigne, quem sabe volte a criar um grande disco, como os que fez nos anos 70 e 80? Ao mostrar o grande artista que ele é, o filme nos reacende a esperança.

O Globo em Cannes

A atriz paulista Sandra Corveloni, protagonista de Linha de Passe, filme de Walter Salles e Daniela Thomas, deve ter ficado com essa expressão desconsolada ao ler a capa do Caderno 2 do O Globo de sábado. A matéria de Rodrigo Fonseca, reverente e bajuladora, apresentava um perfil da atriz Angelina Jolie, e a anunciava como virtual vencedora da Palma de Ouro do Festival de Cannes. Segundo o repórter, não havia concorrência. Sandra Corveloni, paulista? Nem pensar.
Acontece, é bom que se diga, que Angelina Jolie era a atriz principal de um concorrente hollywoodiano - The Exchange, de Clint Eastwood.
Bem, aconteceu o que Fonseca não esperava. O júri de Cannes premiou Sandra Corveloni. Melhor atriz do Festival.
Na segunda-feira, de ressaca moral, Rodrigo Fonseca anunciou os premiados e escreveu um pequeno box, com um tímido perfil da brasileira vencedora. No texto da matéria principal, ele falou que "Audácia é o adjetivo ideal para descrever as decisões do júri" (sic).
Qualquer dicionário da Língua Portuguesa que você consultar esclarecerá que "audácia" é um substantivo, não um adjetivo. Mas para saber disso os bons redatores não precisam consultar dicionário algum. O repórter estava mesmo atordoado.
Jornalismo colonizado, reverente ao cinema hollywoodiano. Não tem conserto.