OS CAMINHOS ATÉ LEONARD COHEN

Estrasburgo: uma das mais belas cidades da França

A bordo de um trem TGV francês, vejo passarem pela janela as belas paisagens da Alsácia. Estou a caminho de Estrasburgo, cidade sede do Parlamento Europeu, quase fronteira com a Alemanha. O trem é veloz, o dia está bonito, ligeiramente nublado, mas é impossível evitar uma certa ansiedade.  É manhã de sábado, véspera de realizar um antigo desejo: estar na platéia de um concerto de Leonard Cohen, um personagem quase lendário entre minhas admirações musicais.


Na bagagem, uma camisa de malha preta, em que mandei imprimir a frase “From Brazil to see Leonard Cohen in Strasbourg”, e dois ingressos, comprados quase por impulso, em 11 de fevereiro, pela internet. Naquela noite, soube pelo site “Leonard Cohen Files”, desenvolvido na Finlândia, maior fonte de informações sobre o compositor canadense, que os shows previstos para os primeiros meses deste ano haviam sido adiados para o segundo semestre. Por causa de dores na coluna, Cohen deveria se submeter a seis meses de fisioterapia. O adiamento me soou como um convite. Eu teria tempo de planejar a viagem. Com um simples clique no mouse, garanti meu lugar e tornei próximo um sonho distante.

O ticket: sete meses de espera

Na viagem de duas horas
entre Reims e Estrasburgo, penso em Leonard Cohen, suas histórias e lendas. Nascido em Montreal em 1934, Leonard dedicou-se à poesia desde muito jovem, para desespero de sua família, de origem judaica, que o pretendia um brilhante homem de negócios. Por não obter renda suficiente com os vários livros que publicou, decidiu fazer da música um veículo para seus belos e sensíveis poemas, e assim atingir um público maior. Passo a passo, chegou em 1968 ao primeiro disco, batizado apenas de Songs, ou canções. Tinha 34 anos quando estreou no mercado musical.

Hoje, é um dos últimos grandes ídolos que, surgidos nos anos 60, deram à música jovem um status que jamais tivera. Os Beatles, Bob Dylan, Lou Reed, Pink Floyd, Bob Marley e uma lista significativa de artistas transformaram um divertimento de adolescentes em veículo de reflexão, que propôs novos comportamentos e reinventou o mundo. A diferença entre Leonard Cohen e todos os outros é que Cohen começou apenas como poeta – como se fosse pouco.

Eu havia conhecido Cohen
com enorme atraso, na década de 80, quando um amigo, o jornalista João Alberto Ferreira, me deu um extraordinário presente de aniversário, o vinil I´m your man. A música título é uma de suas obras clássicas, mas o que me pegou pelo coração naquele álbum irretocável foi uma canção construída sobre um poema de Federico Garcia Lorca, Take this waltz, ou Pequena valsa vienense, título do poema original. 

Ao fundo, o Zenith

Com esse álbum,
Cohen começava a confrontar um mundo em desintegração, segundo sua própria leitura, o que se evidenciava na canção First we take Manhattan. O choque total veio no álbum seguinte, The future, em que sentenciava, logo na primeira faixa: “Prepare-se para o futuro, ele é assassino.”  A poesia de Cohen sempre abordou os conflitos humanos e sociais e a inútil busca da salvação, seja pelo amor, pelo sexo ou pelos caminhos religiosos. Mas parecia, com esse disco, ter chegado a um impasse. Logo em seguida, Cohen saiu de cena, e desapareceu por mais de 10 anos.

Desde 1993, Leonard Cohen não se apresentava em público. Passou cinco anos recluso no mosteiro budista de Mont Baldy, nos arredores de Los Angeles. Mas reapareceu em 2001, quando lançou o CD Ten new songs, em parceria com a cantora e compositora Sharon Robinson. Para Cohen, é um álbum de celebração. Talvez a redenção que foi buscar no mosteiro, onde escreveu as letras das canções. 

Doze mil fiéis súditos de Cohen

A turnê mundial iniciada
em 2008 é uma megaprodução, com uma superbanda, formada não apenas por artistas contratados para acompanhá-lo, mas músicos que são, acima de tudo, súditos a serviço de seu mestre. Esse grupo harmonioso tem se apresentado em espaços de alto prestígio, sempre lotados.  O Zenith de Estrasburgo, por fora, parece um ginásio de esportes. Por dentro, é uma casa de espetáculos de alto nível, com uma acústica inimaginável para os padrões brasileiros. Tem precisamente 12.079 lugares. Estava totalmente tomado por pessoas que foram não apenas ouvir Cohen, mas reverenciá-lo. 

Eu e meu amigo inglês

Um público enorme,
mas nenhum sinal de tumulto, nenhuma fila, nenhum estresse. Uma hora antes, os portões estão abertos, as pessoas aos poucos vão tomando o hall que cerca as entradas da platéia. Há alguns bares e quiosques onde são vendidos CDs, livros e camisetas. Minha camisa de brasileiro exótico chama a atenção. Algumas garotas pedem para tirar fotos comigo. Já na platéia, eu e minha esposa, Nádia, explicamos a um grupo de ingleses que Leonard Cohen nunca esteve no Brasil, onde tem um público sofisticado e reverente, mas supostamente pequeno.

O concerto vai começar. Os músicos assumem seus lugares e tocam os primeiros acordes de Dance me to the end of love. Vemos apenas seus perfis, no palco em penumbra. Então, a intensidade da luz aumenta e Cohen entra correndo, com um largo sorriso. Traja um terno bem cortado e o mesmo chapéu que o acompanha nos últimos anos. Está a dois dias de completar 76 anos. Quando sua voz inconfundivelmente grave se projeta e hipnotiza o público, sinto que vivo um momento especial. Aquelas horas vividas ali na platéia do Zenith ficarão congeladas no tempo. 

Cohen, com as Webb Sisters ao fundo: emoção

As canções mais emblemáticas
de Cohen, que tive o privilégio de ouvir como se ele as cantasse para mim, fizeram de seus discos verdadeiras obras primas. Suzanne, Famous blue raincoat, Sisters of mercy, Hallelujah são algumas delas. Bird on the wire é uma espécie de projeto de vida de Leonard. “Como um pássaro no fio, como um bêbado numa cantoria noturna, vou buscando meu jeito de ser livre”, diz a letra. Cohen cita um conhecido verso dos Beatles antes de cantá-la: “Dizem que tudo que precisamos é amor, mas penso que é liberdade”, diz ele. Nessas alturas, já está difícil conter as lágrimas.

Cohen disse certa vez
ao jornalista Mikal Gilmore, da revista Rolling Stone, que encontrou na arte conforto e força – “ao fazer canções, muito da dor da minha vida se dissolvia.” É este Leonard Cohen que vemos ao longo de quase três horas de concerto, cantando de olhos fechados, muitas vezes de joelhos, prestando total reverência a cada palavra com que construiu seus poemas e às belas melodias com que os vestiu. Creio que aqui reside minha maior identificação com Leonard Cohen, a crença de que a poesia é a cura para os males da vida. 


A música a serviço da poesia

Cohen canta em estado de êxtase,
trocando reverências com os músicos, que parecem tão deslumbrados quanto o público. Ao apresentá-los – o produtor musical e baixista Roscoe Beck, o tecladista Neil Larsen, os guitarristas Javier Mas e Bob Metzger, o baterista Rafael Gayol, o saxofonista Dino Soldo e as vocalistas Hattie e Charley, as Webb Sisters – Cohen compõe um poema para cada um. Quando um deles apresenta um solo, Cohen tira o chapéu, segura-o junto ao peito e ouve atentamente.

A maior parte deles trabalha com Cohen há décadas. “Podemos jogar pela janela tudo que sabemos sobre música, porque o importante é interpretar as letras de Leonard”, afirma Metzger, no documentário Songs from the road, recém-lançado. O espírito da turnê é revelado pelo produtor Rob Hallett: “Não estamos tentando vender nada, nem quebrar recordes... apenas promover encontros entre Cohen e seus fãs.”

“Não sei quando voltaremos, mas estejam certos que eu e os músicos damos o melhor de nós”, diz Leonard. Os dois telões, ao lado do palco, mostram closes dele e dos músicos, e todas as canções são legendadas em francês. A música mais aplaudida, The partisan, fala de um personagem da resistência francesa, formada por civis que tentavam sabotar a dominação alemã durante a segunda guerra mundial. 


Leonard Cohen, canções para sempre na memória

Iniciado às 20h20,
o concerto só termina às 23h30. No bis, Cohen canta mais seis canções, até que o público se acalma e cessa de chamá-lo de volta. Uma dessas canções – If it be your will – ele apenas declama, passando a tarefa de cantar para as vocalistas Webb Sisters. Outro momento de emoção. Cohen tira novamente o chapéu e fecha os olhos. No final, entrega a elas um buquê de flores que alguém colocou no palco. Cohen é o mesmo cavalheiro cortês de sempre, agora de cabelos grisalhos e rosto vincado. O tempo passa e o concerto chega ao fim, mas as canções permanecem no ouvido, no cérebro, no coração. Dou uma última olhada para o palco, já vazio, antes de sair. Eu sei que, sempre que ouvir de novo aquelas canções, estarei de volta a Estrasburgo. 


Esta crônica foi publicada no Correio Braziliense, Caderno Pensar, em 23/10/2010

BIBLIOTECA PROMOVE A PRÉ-BIENAL

O poeta Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, não desistiu de promover a II Bienal Internacional de Poesia (II BIP),embora a tenha cancelado por insuficiência de patrocínio. Programada para setembro passado, será realizada em 2011, garante Miranda. Vamos acreditar.

Nesta quinta, 14, e sexta, 15, dois eventos fazem o lançamento público da II Bienal. Chamados de Pré-Bienal, é um "ato de afirmação da poesia", segundo o poeta, reúnem no auditório da Biblioteca poetas nacionais e de países hispano-americanos, além dos cantores Zeca Baleiro e Célia Porto. Célia canta em homenagem a Renato Russo, nesta quinta. Na sexta, Zeca Baleiro lança discos e livro.

O poeta brasiliense Jarbas Junior, o uruguaio Roberto Bianchi, a argentina Maria Casiraghi e a nicaragüense Milagros Terán participam dos dois eventos. O grupo OiPoema, formado por Amneres, Angélica Torres, Bic Prado, Cristiane Sobral, Luis Turiba e Nicolas Behr, encerra o primeiro dia de atividades com o lançamento da Coleção OiPoema.

Na sexta, recital com o poeta brasiliense Sids Oliveira e com a argentina Ana Guillot, além de lançamento do livro Poesia em tránsito: Antologia de poetas argentinos y brasilenõs contemporâneos, edição bilíngue português/espanhol, que inclui os brasilienses Anderson Braga Horta, Isolda Marinho, Antonio Miranda e  Salomão Sousa.

Tudo a partir das 19h. Força a Miranda e à Bienal de Poesia, ainda que ela se transforme em trienal!

A FEIRA DO LIVRO E OS ESCRITORES

 A Feira do Livro de Brasília acontece este ano no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade. Começa nesta sexta-feira, 8. Finalmente a retiraram do shopping Pátio Brasil, o que é uma grande evolução. No entanto, a Câmara do Livro do DF segue cometendo seus equívocos e pouco fazendo para aproximar o público brasiliense da leitura e, mais importante, de seus escritores.

Na página da feira na internet, o secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho, publica um artigo sobre as virtudes do livro. Será que ele se lembra do desprezo demonstrado pelo governo do DF pela Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que teve que ser cancelada este ano? Aliás, se o governo local tivesse algum apreço pelos livros, a Biblioteca Nacional de Brasília já estaria consolidada há muito tempo.

Mas os escritores de Brasília seguem em frente. Este ano, cinco deles - Reynaldo Jardim, Sérgio Maggio, José Rezende Jr, Anderson Braga Horta e Graça Ramos - foram finalistas do Prêmio Jabuti, promovido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), e os três primeiros, premiados. O poeta Ronaldo Costa Fernandes recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio de melhor livro de poesia do ano com A máquina das mãos.  No entanto, não vi o nome de nenhum desses autores na programação da Feira do Livro de Brasília, nem para uma palestra, um bate-papo com os leitores ou um lançamento. Assim é difícil.

Para completar, os potenciais visitantes da Feira não parecem muito preocupados com livros ou leitura. Quase todos os internautas que inseriram comentários no site da Feira do Livro estão preocupados com shows de música que, depois de anunciados, foram cancelados. Ninguém pergunta, por exemplo, por que o poeta Ferreira Gullar, que este ano completou 80 anos, lançou um novo livro e foi homenageado em vários cantos do país, não foi convidado para comparecer.

E depois querem fazer de Brasília a capital da leitura... 

CENÁRIO BRASILEIRO

 Vinte dias fora de Brasília, e retornamos com a primeira chuva. A cidade nos recebe sem a luminosidade dos ipês, mas os gramados ainda guardam o tom pastel que mais de 120 dias de seca impuseram como marca da paisagem.

Brasília está coalhada de lixo, forrada de farrapos de papel, restos de uma campanha eleitoral medíocre. Há quem diga que não é sujeira, é democracia; como se a democracia não fosse feita de propostas concretas para levar uma sociedade à evolução, como se a democracia se restringisse a papeizinhos impressos com sorrisos falsos.

Neste sábado, a primeira chuva, o cansaço, uma última tentativa de isolamento de uma realidade deprimente. O senso crítico apurado por anos de jornalismo leva-me a rejeitar notícias. No domingo, o voto obrigatório. As opções que me apresentam não correspondem a meus sonhos de democracia.

No Distrito Federal, o candidato do partido do governo tem ligeira vantagem sobre uma desconhecida. Surpreendo-me. Mas é a esposa do candidato, e não o candidato... Ameaçado de ter sua candidatura cassada, renuncia e inscreve a própria mulher em seu lugar. O tribunal aceita.

Nas eleições para a presidência da República, uma outra desconhecida lidera. É a máscara de um presidente que não pode disputar o terceiro mandato. O outro candidato parece envergonhado, não defende as ideias e realizações do próprio partido. E há outra mulher tentando se eleger. Não corta os cabelos porque a religião não lhe permite, mas acredita ser capaz de dirigir um país.

No domingo, a chuva que fingiu chegar vai-se embora. Visto meu traje de votar e dirijo-me às modernas urnas eletrônicas que não me permitem escrever mensagens na cédula. Mas basta teclar o número zero e confirmar para anular meu voto. Mais simples que eleger um canalha.