ALÉCIO CUNHA, JORNALISTA
O PODER MÁGICO DOS LIVROS

Os livros representam o que de melhor a civilização humana produziu, e não é à toa que sempre foram execrados pelos ditadores. Agora sofrem uma ameaça de outra espécie. Algumas empresas de alta tecnologia tentam nos convencer das vantagens de substitui-los por uma ferramenta eletrônica de leitura.
Há evidências de que um público consumidor sedento por novidades começa a adotar a idéia, como se deduz de alguns números [leia as postagens anteriores]. Mas cada país tem uma realidade diferente, e o Brasil, é bom jamais esquecer, é um "país de não leitores", como já foi chamado pela imprensa inglesa.
Que tipo de revolução comportamental a chegada de aparelhos como kindle, sony reader e equivalentes poderá causar ao Brasil? O que será das bibliotecas comunitárias? E aquele livro sensacional que você acaba de ler, como o emprestará ao amigo? O livro que você possui e acha que não vai mais ler, mas que poderia ser útil à biblioteca do bairro, o que você fará dele? E as livrarias, vão fechar as portas? Ou se transformarão em mero balcãozinho com um computador em cima? E os sebos, com suas raridades escondidas, seus mistérios empoeirados? Aquele sujeito que se alfabetizou aos 20 anos, se apaixonou pela leitura e montou uma biblioteca na favela – o que será dele?
A leitura não significa apenas aquisição de conhecimento ou o exercício de um prazer. É uma atividade que envolve atitudes e comportamentos. O ato de emprestar um livro fascinante para um amigo é mais que um favor, é uma declaração de afinidade, carinho, intimidade. A devolução do livro, devidamente lido, idem. A troca de comentários a respeito é um movimento de aproximação, um laço a mais de amizade. Com o kindle, como se dará essa relação?
Os grandes personagens da literatura são seres vivos, que aguardam em silêncio, dentro das lombadas empoeiradas, por uma nova leitura. Ou por um novo leitor, a quem contam, pela milionésima vez, a sua inesquecível história. Eles vão sobreviver no meio eletrônico?
Ler um clássico, um grande romance, um livro daqueles que ficam em nossa memória feito tatuagem não é um exercício banal. É uma atividade que exige concentração e dedicação. O fascínio da leitura, ao ativar nossa imaginação e criatividade, nos leva a uma outra realidade, uma realidade paralela, tão real e mais emocionante que a realidade cotidiana.
O grande mistério que só o futuro desvendará é se a tecnologia do livro eletrônico nos permitirá continuar usando e desenvolvendo essas capacidades. Ou se elas serão incompreensíveis qualidades de um ser humano que, ao contrário dos livros guardados em museus, estará simplesmente extinto.
A MAIOR INVENÇÃO DA HUMANIDADE [2]

A ascensão dos e-books se deve à internet, e portanto deve ser estranho descobrir que o produto mais comprado pela internet é o livro. Livro mesmo, de papel. A informação é da empresa Nielsen/NetRatings, verificadora de consumo online, que recolheu dados em 48 países para descobrir que 41% dos 875 milhões de consumidores compram mais livros que qualquer outro objeto. Esse foi o levantamento feito nos últimos três meses de 2007. Outra informação surpreendente é que, entre esses 48 países, o Brasil ocupa a quinta posição, atrás da Coréia do Sul, Alemanha, Áustria e Vietnã.
O Brasil não é um país de leitores, mas nossa elite parece ler bem – afinal, embora não contemos com dados estatísticos a respeito, é evidente que a parcela que acessa a internet é pequena, menor ainda a que tem cartões de crédito, e ainda mais reduzida a que faz compras pela internet usando seu cartão. Pois foi essa parcela da população que colocou o Brasil nessa elite. Para se ter uma idéia, sabe-se que 20% da população brasileira tem nas mãos 66% dos livros publicados no país.
Diante de um quadro desses, o que significará a chegada do e-book ao Brasil? A pergunta está posta.
[clique para ler a primeira parte deste texto]
A MAIOR INVENÇÃO DA HUMANIDADE [1]

E no entanto, parece estar em curso uma campanha articulada para que, em pouco tempo, o livro, um organismo vivo que dialoga com os homens, seja extinto.
É impressionante a pressão exercida pela mídia, pela publicidade, pela indústria tecnológica, para nos convencer de que devemos trocar o livro tradicional pelas ferramentas eletrônicas – kindle, sony reader – que recebem o texto escrito pela internet e substituem as folhas de papel por uma tela, em que estão disponíveis comandos para mudanças de página e até para marcação de trechos do texto. Três ou quatro grandes empresas, nos Estados Unidos, Japão e Europa, desenvolvem esse equipamento e tentam vendê-lo ao mundo.
Uma pesquisa realizada durante a 61ª. Feira do Livro de Frankfurt, no mês passado, constatou a previsão de que o livro digital superará o de papel em 2018. Há controvérsias, é claro, a partir da velha constatação das desigualdades econômicas, que hoje, no Brasil, inviabilizam a comercialização do aparelho leitor, vendido a US$ 300 nos Estados Unidos. Mas naquele país a venda de livros digitais (e-books) superou os US$ 100 milhões em 2008, segundo dados da Associação Norteamericana de Editores (AAP). E a Alemanha registrou a venda de 65 mil aparelhos vendidos no primeiro semestre.
A loja virtual Amazon já conta com mais de 300 mil obras digitais à venda. Para as empresas, esse mercado pode ser extremamente vantajoso, já que o livro deixará de ser uma mercadoria para se tornar um serviço. O futuro que se vislumbra será o do cliente diante de uma máquina, apertando um botão e recebendo o livro virtualmente, contra o pagamento. Ao contrário da venda tradicional, iniciada quando a editora contrata uma gráfica, paga a impressão do livro, vende o objeto às livrarias, às quais o leitor se dirige para fazer a sua compra. Com variações, é claro.
Em 500 anos de história, o livro praticamente não mudou. Por quê? Porque é uma “máquina” perfeita, de fácil utilização, leve, pode ser levada a qualquer lugar, não precisa ser ligada, não requer prática ou habilidade, a não ser a de saber ler. E tem o apelo sensorial – ou você acha que o kindle pode ser acariciado e folheado da mesma maneira, em gesto quase sensual?
[clique para ler a segunda parte deste texto]
UM ROMANCE

ESPELHO

A POESIA NA CONTEMPORANEIDADE

O livro, organizado pela professora e poeta Sylvia Cintrão, discute a crítica e o texto poético à luz da contemporaneidade, e põe a poesia em interação (ou confronto, em alguns casos) com gênero e memória, ensino e tradução, imprensa e mídia, entre outros temas. São diferentes olhares estéticos, por 27 especialistas das cinco regiões do país, além de três ibero-americanos.
Um dos pontos altos do livro, sem dúvida, é a palestra apresentada pelo homenageado do Simpósio, o poeta Affonso Romano de Sant´Anna, durante a abertura da Bienal: As muitas vidas e muitas mortes da poesia, um texto antológico.
Este escriba também está presente no livro, em honrosas companhias, com o texto A imprensa perdeu o que a poesia tem de melhor. Alguns dos autores publicados: Antonio Carlos Secchin, Alexandre Pilati, Anderson Braga Horta, Antonio Miranda, Elga Laborde, Fernando Marques, Rinaldo de Fernandes, Viviane Mosé, Wagner Barja, Maurício Melo Júnior, entre outros.
O livro tem 300 páginas e ainda traz como encarte o CD Fale-me de amor, com poemas e canções do espetáculo apresentado pelo grupo VivoVerso, criado na Universidade de Brasília. Pode ser solicitado pelo endereço vivoverso@gmail.com, ao preço de R$ 25, com frete grátis.
A FEIRA DO LIVRO E OS 50 ANOS
A Feira do Livro de Brasília, agora anunciada para 21 a 29 de novembro na área externa do Pátio Brasil, é tema que desperta debates. O texto que escrevi aqui no dia 27 (veja postagem anterior) recebeu vários comentários, alguns diretamente por e-mail, o que significa que não estou autorizado a divulgá-los. Mas vou prosseguir a discussão.
Li uma entrevista do vice-governador Paulo Octávio em que ele conta que uma das atrações em negociação para a festa dos 50 anos de Brasília é um megashow com as três "rainhas da axé music", cujos nomes considero irrelevantes. Essa intenção comprova: mais importantes que eventos artísticos de alto nível são os eventos comerciais de mau gosto. Ele, que é político, pode dizer que isso faz sentido porque o lixo cultural atrai multidões e deixa o povo feliz. Eu não sou político e estou livre para combater a mediocridade.
Não acho a literatura superior à música, às artes plásticas ou outras manifestações culturais. Mas quando cito o exemplo de megashows da Xuxa ou de duplas sertanejas estou criticando a postura massificante dos administradores públicos, que preferem investir numa atitude conservadora e esquecem o risco revolucionário da arte enquanto produto da consciência, e não do mercado.
Sejamos claros: um show da Xuxa ou de uma dupla sertaneja (que eu prefiro chamar de breganeja para deixar bem clara a distinção da música caipira de raiz) são eventos mercantis, comerciais, e não artísticos. É claro que uma Feira do Livro poderá levar um visitante a entrar em contato com subliteratura, ou literatura produzida a partir de um impulso comercial ou de mercado, mas a feira também será a oportunidade, às vezes tão rara, para que pessoas sem acesso assistam uma palestra, participem de uma oficina, que poderão contribuir para a ampliação de seus horizontes culturais.
Não sou contra megashows. Mas uma atitude sincera do governo poderia partir de uma premissa como essa: "Se o povo não tem acesso a uma das maiores orquestras do Brasil, que é a do Teatro Nacional (na opinião do secretário de Cultura, já veiculada na mídia), então no aniversário da cidade vamos oferecer à população a oportunidade de ouvi-la."
Música breganeja o povo ouve no rádio. O lixo musical existe, sim, não é preconceito ou discriminação. O lixo existe e é imposto pelas gravadoras, pelas rádios, pela televisão, por ser de fácil assimilação e se tornar, mais facilmente, sucesso e, em conseqüencia, dinheiro. Muito dinheiro. O acesso ao lixo é fácil.
Grandes comemorações deveriam ter uma intenção mais nobre, a de levar ao povo que comparece ao evento, ao povo que não pode pagar, a oportunidade de contato com um evento realmente artístico, que o rádio, a televisão não lhe oferecem.
Recuso-me a aceitar que esta minha postura seja preconceituosa, embora tenha consciência de que é elitista, o que é muito diferente. Não tenho nada contra as elites artísticas ou intelectuais. Os grandes artistas são uma elite, os grandes cientistas são uma elite. E quando se fala da necessidade de investir em educação, fala-se da necessidade de conduzir o país a uma elite planetária.
No Brasil há um forte preconceito contra as elites, como se fossem todas farinha do mesmo saco, como algumas elites políticas, econômicas, privilegiadas e egoístas, que preferem saquear o país a investir em projetos para um futuro melhor para a sociedade.
E de saqueadores o Brasil está cheio.
Li uma entrevista do vice-governador Paulo Octávio em que ele conta que uma das atrações em negociação para a festa dos 50 anos de Brasília é um megashow com as três "rainhas da axé music", cujos nomes considero irrelevantes. Essa intenção comprova: mais importantes que eventos artísticos de alto nível são os eventos comerciais de mau gosto. Ele, que é político, pode dizer que isso faz sentido porque o lixo cultural atrai multidões e deixa o povo feliz. Eu não sou político e estou livre para combater a mediocridade.
Não acho a literatura superior à música, às artes plásticas ou outras manifestações culturais. Mas quando cito o exemplo de megashows da Xuxa ou de duplas sertanejas estou criticando a postura massificante dos administradores públicos, que preferem investir numa atitude conservadora e esquecem o risco revolucionário da arte enquanto produto da consciência, e não do mercado.
Sejamos claros: um show da Xuxa ou de uma dupla sertaneja (que eu prefiro chamar de breganeja para deixar bem clara a distinção da música caipira de raiz) são eventos mercantis, comerciais, e não artísticos. É claro que uma Feira do Livro poderá levar um visitante a entrar em contato com subliteratura, ou literatura produzida a partir de um impulso comercial ou de mercado, mas a feira também será a oportunidade, às vezes tão rara, para que pessoas sem acesso assistam uma palestra, participem de uma oficina, que poderão contribuir para a ampliação de seus horizontes culturais.
Não sou contra megashows. Mas uma atitude sincera do governo poderia partir de uma premissa como essa: "Se o povo não tem acesso a uma das maiores orquestras do Brasil, que é a do Teatro Nacional (na opinião do secretário de Cultura, já veiculada na mídia), então no aniversário da cidade vamos oferecer à população a oportunidade de ouvi-la."
Música breganeja o povo ouve no rádio. O lixo musical existe, sim, não é preconceito ou discriminação. O lixo existe e é imposto pelas gravadoras, pelas rádios, pela televisão, por ser de fácil assimilação e se tornar, mais facilmente, sucesso e, em conseqüencia, dinheiro. Muito dinheiro. O acesso ao lixo é fácil.
Grandes comemorações deveriam ter uma intenção mais nobre, a de levar ao povo que comparece ao evento, ao povo que não pode pagar, a oportunidade de contato com um evento realmente artístico, que o rádio, a televisão não lhe oferecem.
Recuso-me a aceitar que esta minha postura seja preconceituosa, embora tenha consciência de que é elitista, o que é muito diferente. Não tenho nada contra as elites artísticas ou intelectuais. Os grandes artistas são uma elite, os grandes cientistas são uma elite. E quando se fala da necessidade de investir em educação, fala-se da necessidade de conduzir o país a uma elite planetária.
No Brasil há um forte preconceito contra as elites, como se fossem todas farinha do mesmo saco, como algumas elites políticas, econômicas, privilegiadas e egoístas, que preferem saquear o país a investir em projetos para um futuro melhor para a sociedade.
E de saqueadores o Brasil está cheio.
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