As três virtudes

Quais são as três características fundamentais de um bom escritor? A questão foi lançada por Stela Maris Rezende aos colegas escritores reunidos no Café Literário da Feira do Livro no último domingo, 27, para falar sobre a antologia Todas as Gerações - O Conto Brasiliense Contemporâneo, lançamento da LGE. Da mesa, além de Stela e do organizador Ronaldo Cagiano, faziam parte Lourenço Cazarré, Alaor Barbosa, Rui Fabiano, Alexandre Pilati e Emanuel Medeiros Vieira, diante de um público curioso, que superlotou o salão.
Este escriba, um dos selecionados para a Antologia, toma a liberdade de utilizar este espaço para dar sua resposta à pergunta apresentada. A primeira qualidade de um bom escritor é a profundidade. Não basta observar a superfície da vida - o escritor (e isso vale para todos os artistas) deve escavar a alma do ser humano na tentativa de desnudá-lo, dissecá-lo e, se possível, compreendê-lo; da mesma forma, deve estar atento para desnudar e denunciar a vileza, o cinismo, a sordidez e outros "dons" humanos que se apresentam sob máscaras virtuosas. A segunda qualidade do bom escritor é a criatividade, que lhe permita encontrar sempre uma nova roupagem para suas palavras, ainda que aborde temas universais e milenares, fugindo do clichê como o diabo da cruz. A terceira qualidade é a necessidade vital de cumprir seu ofício, como a única forma possível de superar a mesquinhez da vida e da própria condição humana.

Liga liga liga Tripa-pá

A Sala Cássia Eller do Complexo Funarte abriu seu palco, no último fim de semana (26-27 de agosto), para mais uma aparição do Liga Tripa, a trupe que há 26 anos transforma Brasília numa cidade ainda mais diferente do que já é. E, assim como acontece sempre, compareceram os súditos fiéis da música mais tipicamente brasiliense que já se criou. Sérgio Duboc, Aldo Justo, Carrapa, Fino, Toninho Alves e Caloro (que não aparece nesta foto) apresentaram velhas e novas canções e o sempre aguardado momento inusitado do show. Na platéia, desde cinqüentões até as crianças, que também se ligam numa "ligada".

[foto de Marcelo Dischinger]


Ivan Guerreiro


O Ivan da Presença volta a ocupar espaço na vida cultural de Brasília. Ele é o idealizador do Curto-Circuito Poético, que começou no dia 12 de agosto, e deve acontecer no segundo sábado de cada mês até o fim do ano, no espaço central do Conic, no Setor de Diversões Sul. Nessa primeira edição, organizada por Paulo Cac e Luís Turiba, houve participação de cerca de 30 poetas, entre veteranos e estreantes, que versejaram durante quase duas horas.
Ivan mantém ali mesmo no Conic o Quiosque Cultural, duas tendas localizadas em frente ao Teatro Dulcina de Moraes, onde vende livros novos, usados, raros e esgotados, além de vinis e filmes. E, neste domingo, 20, Ivan foi capa do Caderno de Cultura do Correio Braziliense, numa simpática reportagem contando sua história. Ivan anuncia para o próximo ano a realização da Feira Cultural, com barracas de livros e artesanato, além de lançamentos e bate-papos com escritores, igual aos inúmeros eventos que ele organizou à frente da Livraria Presença.
Ivan é um desses personagens que não podem faltar numa cidade. Um guerreiro da cultura.

Cones de chocolate

Há algum tempo venho me surpreendendo com as composições de Octávio Scapin. Não só pela criatividade, mas pela leitura pessoal de alguns de meus poemas, a partir dos quais ele tem criado belas canções. Antes de chegar aos 20 anos, Octávio Scapin já deixa aflorar uma personalidade de artista curioso, sensível e criativo. Seu CD Cones de Chocolate, lançado recentemente, é uma pequena mostra de sua busca pela harmonia entre o conhecimento e a intuição, técnica e sensibilidade. Ele vem formando um acervo musical em constante evolução, feito de peças únicas e unas, que revelam o início de uma trajetória além dos limites de mera aventura musical. Essa coletânea indica novas surpresas para o futuro. Octávio vive em Goiânia, onde começa a tornar-se conhecido no circuito universitário. Quem tiver oportunidade, embarque com ele nessa viagem através de cenários repletos de imagens e cores, e ouça a sua leitura pessoal de uma urbanidade ao mesmo tempo comum e estranha. Será um prazer. Palavra de parceiro e admirador.

Escritores de Brasília na Livraria Cultura

Luiz Carlos da Costa, engenheiro aeronáutico e mestre em transporte aéreo pelo ITA, meio paranaense, meio paulista, se diz apaixonado por Brasília e sua literatura. Que ninguém duvide: ele dedicou dois anos a cansativas pesquisas para escrever a História da Literatura Brasiliense, lançada no final do ano passado pela Thesaurus. Está certo que falar em "literatura brasiliense" me dá um certo mal-estar, pelo sentido de regionalização, um evidente provincianismo. Mas o trabalho está lançado. Nesta segunda-feira, 14 - ou seja, hoje - Luiz Carlos vai fazer palestra no auditório da Livraria Cultura (Shopping Casa Park) e será montado um balcão com obras de autores da cidade. À venda, é claro.

Contistas de Brasília em antologia


Está saindo do forno mais um belo trabalho de garimpagem e documentação sobre a literatura feita em Brasília. Mais uma vez, quem está à frente da empreitada é o escritor Ronaldo Cagiano. Neste livro, Todas as Gerações - o conto brasiliense contemporâneo, ele reuniu 102 autores para mostrar a vitalidade da arte da escrita na capital brasileira.
Cagiano já organizou antologias semelhantes. O que distingue esta das demais é que aí estão apenas, como o título diz, escritores vivos, em plena atividade. Há um ou outro caso de autores que se mudaram recentemente, mas neste caso são brasilienses e criados na cidade.
Pode-se dirigir a esta antologia as mesmas críticas que usualmente se fazem a qualquer antologia. Mas é interessante observar que se trata de um importante documento, e mais ainda para uma cidade que ainda está com seu universo cultural em formação. Cagiano observa que reuniu no livro escritores de três gerações: a pioneira, que são aqueles que para cá vieram nos anos de inauguração da capital; uma já estabelecida, representada por escritores que aqui vivem há muito tempo e já se estabeleceram, embora não tenham raízes brasilienses; e uma nova, formada por autores aqui nascidos e criados, e que já incorporaram Brasília no seu universo ficcional.
Todas as Gerações é editada pela LGE e terá lançamento na cidade muito em breve. Este escriba, como um dos antologiados, sugere aos internautas que estejam atentos, e que se considerem convidados.

Ouvindo Keith Richards

O multiartista Gomes de Souza, de Goiânia - e do mundo - acaba de inaugurar seu blog, onde pretende escrever sobre artes plásticas, filosofia e história das artes. Na imagem acima, um belo exemplar de seu trabalho, "Listening Keith Richards", que se encontra numa galeria dos Estados Unidos. O endereço do blog: http://degomes.blogspot.com/. Vale uma visita.

Universo em nomes

Este escriba prestou assessoria de imprensa ao 19. Inverno Cultural, promovido pela Universidade Federal de São João del-Rei, entre 15 e 29 de julho de 2006. O festival celebrou os 50 anos de publicação do romance Grande Sertão:Veredas, de Guimarães Rosa. O texto que se segue refere-se a um interessante estudo da escritora Ana Maria Machado, e foi publicado pelo Correio Braziliense no dia 22 de julho de 2006.

Riobaldo? um rio que não flui, mas se fecha num baldo, e ainda guarda em seu nome todas as letras do diabo. Diadorim? Nome que encerra o Diá, forma como são chamados, na narrativa, tanto o demo quanto o personagem. Diadorim é guerreiro, mas também dea, que se revela adorada Deodorina, a Deus dada. São exemplos da complexidade da construção dos nomes dos personagens em Guimarães Rosa, não apenas em “Grande Sertão:Veredas”, como em todos os demais livros.

A escritora Ana Maria Machado mergulhou nesse mundo tão grande quanto o sertão, que nas palavras de Riobaldo “está em toda parte”, e descobriu que os nomes, em Guimarães Rosa, são material suficiente para uma tese. Esse foi o tema de sua pesquisa de doutorado, que concluiu na Sorbonne, França, no início dos anos 70, sob orientação do semiólogo Roland Barthes, e deu origem ao livro Recado do nome, recentemente publicado pela Editora Nova Fronteira. E foi o assunto de sua palestra durante o Inverno Cultural, que a Universidade Federal de São João Del-Rei promove na cidade e outros 20 municípios, tendo como tema central os 50 anos de publicação de Grande Sertão:Veredas.

Cada nome de personagem carrega, em sua etimologia, o universo físico, social, religioso e histórico em que se passa a história, além de ser importante dentro da estrutura narrativa. Ana Maria cita o exemplo da novela O recado do morro, e garante que a significação da história seria outra se os personagens tivessem outros nomes. No texto, o vaqueiro Pedro Orósio (Pedro como pedra, Orósio como oros, montanha) faz uma viagem pelo sertão e escapa de uma cilada, graças a uma mensagem que o morro lhe manda.

Pedro percorre as fazendas do Apolinário, de Nhá Selena, do Marciano, de Nhô Hermes, do Jove, de Dona Vininha e do Juca Saturnino, em companhia dos vaqueiros Helio Dias Nemes, João Lualino, Martinho, Zé Azougue, Jovelino, Veneriano e Ivo Crônico. Todos esses nomes aludem aos dias da semana, como são nomeados em outras línguas, e aos deuses e seus planetas correspondentes: Apolo/Sol; Selene/Lua; Marte, Mercúrio/Hermes; Júpiter, Vênus, Saturno/Cronos. Parecem facilmente perceptíveis, assim relacionados, mas não quando diluídos na narrativa. O que acontece nas fazendas tem a ver com cada deus dominante (beleza, festa, guerra, comércio/mensagem, poder e fartura, amor, tempo). O recado que salva Pedro Orósio é decifrado por Pedrão Chãbergo (chão e berg , rocha em alemão).

Em Buriti, o patriarca viril, homem poderoso, chama-se Liodoro Maurício Faleiros, que faz referência ao nome científico da palmeira do título, Mauritia vinifera. A novela aborda um universo vegetal, onde as mulheres têm nomes de plantas - Dionéia, Leandra, Alcina. Ana Maria Machado identificou até mesmo um anagrama do nome de Guimarães Rosa no conto Cara-de-bronze, em que um fazendeiro recluso encarrega o vaqueiro Grivo de ver o sertão e descrevê-lo. É Soares Guiamar, que faz comentários de pé de página. “É interessante também citar o vaqueiro Moimeichego, cujo nome soma ‘eu’ em quatro línguas: moi, me, ich, ego”, diz Ana Maria.

Com 33 anos de carreira, mais de 100 livros publicados no Brasil e outros 17 países, ocupante da cadeira número um da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado lembra que começou por acaso a perceber a riqueza dos nomes em Guimarães Rosa, e ao mergulhar nesse contexto puxou “um fio sem fim”. A tese de doutorado, iniciada no Brasil sob orientação de Afrânio Coutinho e concluída durante seu exílio na Europa, permitiu-lhe revelar a Roland Barthes um escritor que ele desconhecia, o que lhe valeu uma manifestação de agradecimento do semiólogo, ao final do trabalho.