O artigo de Marcos Linhares sobre “A invisibilidade
literária de Brasília”, publicado no Correio Braziliense, me pegou de surpresa
nesta segunda-feira (24/6). Vira e mexe este assunto pré-histórico volta à
discussão, para depois retornar o silêncio. Quando vim para Brasília, nos anos
1980, eu já sentia isso. Durante os 3 anos que trabalhei no Caderno de Cultura
do Jornal de Brasília (sim, existiam cadernos culturais em Brasília), eu
percebia isso e coloquei nas páginas do jornal muitos escritores e muitas
iniciativas literárias que tive a curiosidade de descobrir por aqui. Depois saí
da imprensa local e a modorra continuou. No Jornal do Brasil, onde trabalhei
também quase 3 anos, apresentei aos leitores do Caderno B inúmeros eventos,
iniciativas culturais e artistas de Brasília. Anos depois, assumi a subeditoria
de Cultura do Correio Braziliense e sempre trabalhei pelos escritores de Brasília.
Mas o auge dos cadernos de Cultura e dos próprios jornais já passou.
Hoje o anonimato dos artistas e especialmente dos
escritores de Brasília continua, e a grande culpada é a mídia, a imprensa. O
Correio, que já teve alcance nacional e hoje é apenas o principal jornaleco da
cidade, tem a editoria de Cultura mais capenga que já vi por aqui. Seu editor
(há muitos anos) é especializado em piadinhas de salão (tipo “a última do
Joãozinho”), algumas bem preconceituosas, e não propõe nada de interessante há
muito tempo. Resta aos escritores da cidade tentar mostrar seu trabalho via
redes sociais, aquelas bolhas que só atingem quem não precisa ser atingido.
A mídia seria importante para atuar nessa questão, mas jornalismo
cultural não é para qualquer um. O jornalista tem que ser preparado, ter muita
leitura e conhecimento, inclusive da história da cultura e da literatura locais.
E, acima de tudo, tem que tomar para si uma missão, não pode ser um burocrata.
E o principal motor dessa missão é a curiosidade, o interesse, a vontade de
descobrir o que não está aparente.
Há outras razões históricas para esse anonimato, inclusive
a postura equivocada de muitos escritores, que só olham para o próprio umbigo e
preferem ignorar o que acontece no meio literário à sua volta. Os tradicionais
– e decadentes – saraus de poesia são ótimo exemplo: um grupo de poetas vai se
apresentar. O primeiro diz seus poemas e vai embora, o segundo diz seus poemas
e vai embora, e assim por diante. Quando chega o último da lista, não há
ninguém para ouvi-lo, porque o público presente é formado por poetas que foram
lá para falar, não para ouvir.
A tal invisibilidade dos escritores de Brasília pode ser
estendida a plano nacional. Os grandes jornais do Rio, São Paulo, etc, só falam
de meia dúzia de escritores alçados a um olimpo, e há muita gente boa anônima
absolutamente ignorada. A imprensa sempre segue os caminhos traçados pelas
grandes editoras, que definem a pauta e a pauta é sempre fechada em algumas
celebridades. E não há grandes editoras em Brasília. A academia, que deveria se
apresentar como uma luz que tirasse a mídia dessa escuridão, faz o contrário:
em vez de guiar, é guiada pela mídia. Os livros estudados nas universidades são
aqueles que a mídia recomenda. É óbvio que nem a mídia brasiliense nem as
universidades de Brasília sabem o que acontece no meio literário local.
Por último, é bom lembrar que Brasília – o DF – jamais
teve um governo que se interessasse pela cultura local e muito menos pela literatura.
O Teatro Nacional, um dos mais importantes monumentos e espaços culturais da
cidade, está fechado há 10 anos, por falta de manutenção. Governo atrás de
governo, desastre atrás de desastre, as sucessivas administrações vêm
destruindo em Brasília aquele espírito que guiou sua construção, o de fazer da
capital um centro pensante e voltado para o futuro. O atual governador, um
certo Ibaneis, direitista envergonhado, colaborador das invasões de 8 de
janeiro, preparou na surdina a armadilha que poderá levar Brasília a perder seu
título cultural mais importante, o de Patrimônio Cultural da Humanidade,
outorgado pela Unesco. Não pergunte a ele sobre bienal de literatura ou sobre
qualquer evento semelhante.
A minha literatura – antes que alguém levante o dedo para
perguntar – é a minha expressão, e sendo assim ela já me salvou de demônios e
maus espíritos. Por isso ela é importante. Publiquei oito livros de poemas, e
obviamente nunca esperei me tornar uma celebridade. Divulgo meu trabalho nas
redes sociais e convido amigos, colegas, conhecidos para lançamentos. Não
espero que essa mídia pobre de espírito de Brasília divulgue: ela não me
conhece, porque não se interessa por mim. Não espero presença de representantes
de Sindicato dos Escritores, de Associação Nacional de Escritores, das Academias
de Letras, de jornalistas de Cultura, de qualquer grupinho corporativo. Mas
comparecem pessoas desconhecidas que tenham tomado conhecimento de meu trabalho
e, por curiosidade, decidem comprar o livro.
A literatura de Brasília será sempre invisível, a não ser que um ou outro escritor alcance o olimpo de uma das grandes editoras do Rio ou São Paulo e passe a ser incensado lá fora. Aí, será visto também por aqui, mas deixará de ser “escritor de Brasília”. Não será assim que a invisibilidade da literatura em Brasília terá fim. Aliás, não terá. Não é a vocação de Brasília, esta é a verdade.
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