Um festival de Poesia em Minas, anos 80: estado poético permanente |
O dia 8 de dezembro era uma segunda-feira, o fim de semana havia rendido alguma grana e eu estava mais ou menos folgado. Namorava uma estudante de jornalismo da Universidade Federal, que morava na rua Aimorés, ao lado da Igreja de Lourdes. Havíamos combinado de almoçar juntos no bandejão da Faculdade de Direito, localizada na Praça Afonso Arinos, próxima à casa dela. Por volta de 11 horas da manhã, eu vinha descendo a avenida Augusto de Lima em direção à praça, pensando em minhas próximas aventuras poéticas, quando um jornaleiro saiu da rua Goiás em minha direção.
Na rua Goiás ficava a sede do Estado de Minas, e no final da manhã saía a edição do Diário da Tarde, tendo como principal atrativo os resultados e comentários sobre os jogos de futebol. Mas, naquela segunda-feira, o jornaleiro, esbaforido, bradava uma manchete que nada tinha a ver com o caderno de esportes. “Mataram John Lennon”, gritava, sem se incomodar com o peso dos jornais que carregava.
Como acreditar naquelas palavras impressas em letras garrafais que ocupavam metade da capa do jornal? Paguei ao jornaleiro e me sentei num banco, a alguns metros da porta do restaurante da universidade. O cara que escrevia canções e promovia eventos e performances para pregar a paz – assassinado a tiros?
Eu tinha 24 anos e vivia em estado poético permanente, como costumávamos dizer, eu e o grupo de poetas com quem editava revistas, promovia saraus e tomava de surpresa bares e outros ambientes para declamações surpresa – as guerrilhas poéticas. A maioria dessa turma já publicara um ou vários livros, alguns editados de forma rudimentar, mas com muito amor. A poesia, para nós, era uma arma ao mesmo tempo poderosa e pacífica, e com ela haveríamos de colocar as coisas em seus devidos lugares.
A notícia que o jornal esfregava na minha cara naquele 8 de dezembro desmentia minhas convicções. Não havia como dar um jeito no mundo. Guardo hoje a sensação de que ali, naquele lugar e naquele momento, perdi pela primeira vez a esperança na humanidade.
Talvez não tenha sido de forma definitiva. Tanto que outras vezes perdi a esperança. Mas continuei escrevendo, lendo, ouvindo e vivendo poesia. Talvez John Lennon gostasse de saber disso. Afinal, ele também deve ter perdido a esperança várias vezes, para fazê-la renascer em seguida. Não foi ele que nos conclamou a imaginar um mundo perfeito? A música de Lennon continua ao nosso alcance, diante do edifício Dakota ou na praça Afonso Arinos, em Belo Horizonte. Dane-se a esperança; a poesia nos salvou a todos.
4 comentários:
Boa noite Alexandre!
Homenagem inspiradora para nos que escrevemos...
Apesar de que na época em nem pensar em nascer...Conheci as canções e as palavras belas deste cantor,Poeta Lennon!
E ah, como faz falta pessoas que pregam a Paz neste mundo...
Bela postagem!!
Beijos na Alma
é bem verdade, há dias que a esperança acaba, quando menos esperamos o drama acontece, depois duma maneira ou de outra renascemos, voltamo-nos mais para a natureza,para a espiritualidade, mas vamos sobrevivendo e acreditando que vale a pena VIVER! John Lenon fez parte da minha adolescência também e mataram-no mas ele não morreu, a memória dele perdura, as musicas continuam, a fascinar milhões, ele é aquela figura que fica no ar para sempre.....
HELENAa
Quando eu estava grávida, fazia aula de hidro com umas senhoras que sempre comentavam sobre suas vidas e suas escolhas de vida e, claro, viviam dando conselhos às coleguinhas mais novas. Uma delas me disse que tinha decidido nunca ter filhos pra não por ninguém nesse mundo cão. Fiquei um pouco perturbada com aquilo. Um pouco triste. Meu Deus, o que será que estou fazendo? E aí, uma outra senhora me disse que o mundo estava precisando muito de gente nova, de gente fresca, de gente generosa e que, por isso, ela tinha contribuído com três filhos. Era sua tentativa de doar alguma coisa bonita pro mundo.
Acho que John, pra mim, é um exemplo da falta de sentido e da crueldade do mundo, mas também da beleza do mundo. No fim, sua poesia ultrapassou barreiras e fez do mundo muito mais bonito, ainda que sempre sem sentido.
Esta é a função da poesia. Ela nos mostra o caminho da redenção.
Abraços!
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