UM POEMA DE ROBERTO PIVA

Poema submerso

Eu era um pouco da tua voz violenta, Maldoror
quando os cílios do anjo verde enrugavam as
chaminés da rua onde eu caminhava
E via tuas meninas destruídas como rãs por
uma centena de pássaros fortemente de passagem
Ninguém chorava no teu reino, Maldoror, onde o
infinito pousava na palma da minha mão vazia
E meninos prodígios eram seviciados pela Alma
ausente do Criador
Havia um revólver imparcialíssimo vigiado pelas
Amebas no telhado roído pela urina de tuas borboletas
Um jardim azul sempre grande deitava nódoas nos
meus olhos injetados
Eu caminhava pelas aléias olhando com alucinada ternura
as meninas na grande farra dos canteiros de
insetos baratinados
Teu canto insatisfeito semeava o antigo clamor dos
piratas trucidados
Enquanto o mundo de formas enigmáticas se desnudava
para mim, em leves mazurcas

Roberto Piva nasceu em São Paulo no dia 25 de setembro de 1937. Poeta ligado aos marginais dos anos 60, esteve na Antologia dos Novíssimos de Massao Ohno em 1961 e em 26 poetas hoje de Heloisa Buarque de Holanda. Piva foi marginal por natureza, e crítico feroz do conformismo e da cultura oficial. Tudo a ver com uma das epígrafes de seu último livro, Estranhos sinais de saturno: "A verdadeira poesia se encontra fora das leis", frase de Georges Bataille. Piva morreu no dia 3 de julho, aos 72 anos. Algumas semanas antes dele, morreu também o editor Massao Ohno, responsável pelo lançamento de seu primeiro livro e por revelar um grupo importante de poetas brasileiros. Duas grandes perdas, que atestam o enorme capacidade deste país de se empobrecer culturalmente ao negligenciar o que tem de bom.

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