EM MEMÓRIA

Já pensei várias vezes em não mais escrever obituários neste blog. Recentemente, tivemos perdas importantes de grandes artistas: Glauco, Wilson Bueno, Antonio Poteiro e, agora, José Saramago. Bem, pessoas chegam ao fim de suas trajetórias todos os dias, e nem sempre seus nomes alcançam a mídia ou o nosso conhecimento. Certamente muitos trabalhos interessantes são interrompidos sem nos darmos conta. Mas é impossível não lembrar da grandeza de algumas dessas trajetórias e lamentar as perdas, embora o mais agradável seja contribuir para o conhecimento de suas obras. 

RONALDO FERNANDES, PRÊMIO DA ACADEMIA

A poesia de Ronaldo Costa Fernandes não silencia sobre os ruídos obscenos do mundo. Seus versos são serenos, como se ao abrir a cortina ele apenas pronunciasse as palavras exatas, sem alterações na voz, para analisar a cena que desnuda. São poemas altamente líricos, coloridos com ironia sutil e imagens às vezes inusitadas, que fazem mudar o foco do sentido nos objetos descritos. É o caso, por exemplo, do intrigante Churrasco: "Da minha janela, vejo fornos crematórios. / (...) / Nos fins de semana, / começa o sacrifício de bois e rins ; e a fumaça se evola, em suas cólicas / cinzas, a passagem das horas, / o riso grotesco dos feriados (...)".
 
 Seu livro A máquina das mãos, onde se lê esse poema, valeu a Ronaldo Costa Fernandes, maranhense radicado em Brasília, o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras deste ano. Os acadêmicos Lêdo Ivo, Affonso Arinos de Mello Franco e Alberto da Costa e Silva assim explicaram a sua escolha: “Trata-se de um livro em que a experiência pessoal do poeta, convertida em linguagem, se transmuda em poemas de excelente nível, e nos quais se casam a emoção e a execução apurada, sob a regência de um rigor que não exclui a aventura e a transgressão.” A máquina das mãos foi publicado pela Editora 7 Letras, do Rio de Janeiro. 

 
Os demais vencedores do Prêmio Literário da ABL foram, respectivamente, Rodrigo Lacerda (romance Outra vida), Ângela-Lago (Marginal à esquerda) e Milton Lins (Pequenas traduções de grandes poetas), nas categorias ficção, literatura infanto-juvenil e tradução. O mais importante dos prêmios, o Machado de Assis, pelo conjunto da obra, coube ao crítico literário, professor, escritor, ensaísta e filósofo paraense Benedito Nunes.

FERREIRA GULLAR, PRÊMIO CAMÕES

"A arte existe porque a vida, só, não basta." Esta é uma das frases lapidares do poeta Ferreira Gullar, maranhense prestes a completar 80 anos e a lançar mais um livro - Em alguma parte alguma. Ao longo do tempo, Gullar refinou sua linguagem poética sem jamais perder a capacidade de observação e indignação que o leva a ganhar, agora, o Prêmio Camões, principal distinção concedida a autores de língua portuguesa. 
 
Gullar está cheio de energia, e esta semana participa do programa Viagem Literária, da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, que leva escritores a cidades do interior para falar com estudantes e leitores. Em setembro, mês de seu aniversário, Gullar será um dos homenageados da II Bienal Internacional de Poesia de Brasília, que deve reunir na capital do país poetas de todas as linguagens artísticas, vindos das Américas, Europa e Ásia.
 

Um viva para Ferreira Gullar.

HOMENAGEM AOS POETAS DE BRASÍLIA

  O poeta e compositor Climério Ferreira presta uma inusitada homenagem aos poetas que vivem em Brasília. Seu livro Da poética candanga - Poesia sobre poesia (Ed. Casa das Musas) traz releituras e recriações de versos de autores da cidade. Este escriba é um dos homenageados, ao lado de Reynaldo Jardim, Guido Heleno, Cassiano Nunes, Ariosto Teixeira, Paulo Tovar, Eudoro Augusto, Chico Alvim, entre outros. 

Climério é professor aposentado da Universidade de Brasília e autor de canções de sucesso da MPB, ao lado de seus irmãos Clodo e Clésio. 

O livro será lançado nesta quinta-feira, 29, no Açougue Cultural T-Bone, 312 norte, em Brasília. Estaremos lá. 

[Foto: Arquivo Correio Braziliense, Elza Fiúza - 1979]

BELO MONTE DE MERDA

O Greenpeace depositou diante da entrada principal da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a melhor representação da Usina de Belo Monte e de outros projetos do governo: um monte de esterco. Sem maiores comentários. 

[clique na foto para ampliá-la]

BRASÍLIA NÃO TEM O QUE FESTEJAR

Os compêndios médicos tratam de uma rara doença, a síndrome de Hutchinson-Gilford, popularmente conhecida como progéria, que se caracteriza pelo envelhecimento precoce de crianças. Apresenta-se antes da adolescência e a perspectiva de vida é de no máximo 17 anos. A cidade de Brasília padece de uma síndrome parecida - uma certa progéria urbana.

 Ao completar 50 anos, Brasília sofre de todos os males de metrópoles que o tempo arruinou aos poucos. O péssimo serviço de transporte urbano cria o caos no trânsito. O desemprego estimula a violência, e a segurança pública é a pior possível. Miséria, corrupção sem disfarces em todos os níveis da administração pública, problemas ambientais. Hospitais não oferecem nem o mais básico serviço esperado. Crianças vivem nas ruas, sobrevivendo de esmolas e consumindo drogas. E para completar, a própria população carece de respeito pela cidade. Um retrato do Brasil.

Inaugurada em 1960, trazia o germe de males que grandes cidades do Brasil e do mundo já enfrentavam. Muitos desses problemas poderiam ter sido previstos ainda na prancheta, e sanados gradualmente.

Seus criadores esqueceram-se de um detalhe: como qualquer aglomerado urbano, nascia ali um organismo vivo, e seu destino era ser habitado por milhões de almas, criando uma sociedade, ou várias sociedades, complexas e carentes de boas condições de vida.

 O primeiro erro de seus construtores, que sonharam uma cidade meramente estática, foi não pensar o projeto de ocupação de todo o quadrilátero do Distrito Federal. Prevista para ser um centro administrativo, a capital do país é uma cidade artificial, com uma população de 200 mil habitantes. Tombada pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade, ocupa uma área de 450 quilômetros quadrados dentro dos 5.800 quilômetros quadrados do quadrilátero do Distrito Federal, que na época da construção de Brasília era uma enorme extensão de terra vazia sem qualquer planejamento de ocupação.

Os 200 mil habitantes dessa área privilegiada estão cercados de uma população de 2,4 milhões de “vizinhos” sem qualquer identidade com Brasília, que vivem em dezenas de cidades que se multiplicaram ao redor, sem qualquer planejamento urbano.

Os sucessivos governos do Distrito Federal, ao longo desses 50 anos, permitiram e até incentivaram essa ocupação desordenada, alimentada por uma especulação imobiliária descontrolada e pelo mito de que Brasília era um eldorado. O governo local chegou ao ponto de distribuir gratuitamente lotes para moradia de milhares de famílias, criando aglomerações urbanas populosas, sem que se criasse uma estrutura econômica geradora de empregos.

Essa enorme população, sem consciência de cidadania, sem qualquer projeto para o futuro, sem quaisquer intenções coletivas, só tem olhos para os problemas individuais de cada um. Os políticos entenderam que somente com propostas assistencialistas terão chance de se eleger. O eleitor do Distrito Federal não se incomoda com a corrupção, e é o grande culpado, sim, pela gente desqualificada que ocupa cada vez mais cargos públicos. Repito: é o retrato do Brasil.

 Algumas das maiores cidades do Distrito Federal, com mais de 200 mil habitantes, não têm cinemas ou teatros. Todos os equipamentos públicos do setor cultural, quase todos localizados na pequena área central tombada pela Unesco, estão abandonados. Obras importantes de artistas do Brasil e exterior, que compõem o acervo do Museu de Arte de Brasília, estão empacotadas para se proteger de goteiras e do mofo. O Cine Brasília, onde se realiza um dos mais tradicionais festivais de cinema do país, o Espaço Cultural 508 Sul, Concha Acústica, envelheceram sem manutenção.

Monumentos de grande importância cultural, como o Memorial JK, Teatro Nacional, Catedral Metropolitana, Palácio do Planalto (sede do governo federal) estão em péssimo estado de conservação. Os três últimos estão em obras, que não ficarão prontas na data de comemoração dos 50 anos, 21 de abril.

Criada para ser um modelo para o futuro, Brasília falhou em tudo e, ao completar 50 anos, não tem do que se orgulhar. A cidade é hoje um microcosmo do Brasil, um país incapaz de planejar seu desenvolvimento e que tenta resolver os problemas depois que eles surgem, sem criar uma estrutura de prevenção.

A grande utopia de Brasília, cidade cheia de propostas utópicas, foi a tentativa de se criar no centro do Brasil uma civilização avançada, de primeiro mundo. Foi também o grande fracasso. Se Brasília tivesse sido criada no mundo civilizado, provavelmente seria uma das cidades mais visitadas do planeta. Mas foi criada no Brasil, país que prefere crescer como um câncer, sem qualquer planejamento. Brasília tornou-se, assim, apenas a caricatura de uma utopia. 

[Foto 1: Poesia Nômade; foto 2: Ecotidiano; foto 3: UnB]

A PROFECIA DE SÁ, RODRIX & GUARABYRA

Gravado no segundo semestre de 2008, o CD Amanhã, de Sá, Rodrix e Guarabyra só foi lançado em fevereiro de 2010, quase um ano após a morte de Zé Rodrix. O CD traz 12 canções inéditas do trio, mas a faixa que mais chama a atenção é Novo Rio, uma profecia, carregada de lirismo, da tragédia que assolou o Rio de Janeiro nos últimos dias. Clique para ouvir.

UMA PERGUNTA E INFINITAS RESPOSTAS

O que é poesia? A pergunta desperta mais questões do que respostas. O livro organizado por Edson Cruz, fundador e ex-editor do portal de literatura Cronópios, é, por isso, um labirinto em espiral. Affonso Romano de Sant´Anna, Antonio Cícero, Cláudio Daniel, Frederico Barbosa, Sebastião Nunes são alguns dos 45 poetas que tentaram responder a pergunta. O resultado gerou uma instigante antologia reflexiva sobre essa linguagem que encanta, seduz e às vezes assusta leitores. O que é poesia?, publicação das editoras Calibán e Confraria do Vento, será lançada nesta sexta-feira, 26 de março, em Brasília, com a presença dos poetas Antonio Cícero, Antonio Miranda, Chico Alvim, Felipe Fortuna, Frederico Barbosa, Nicolas Behr e Ronaldo Costa Fernandes, em debate com apresentação e mediação do próprio Edson Cruz. Será na Livraria Dom Quixote, no Centro Cultural Banco do Brasil, a partir das 18h.

LÁ VEM BOMBA!!!


Você pode dizer o que quiser, mas Sérgio Fantini é o cara. Ele gosta de zanzar por aí com seu jeito sarcástico, mais que irônico, sempre amigo, mas quando solta um livro novo, lá vem bomba. A ponto de explodir. Você que se segure com essa escrita que é só dele, ainda que ele dê uma entrevista aqui e ali tentando explicar um pouco a coisa e tal.

Algumas dessas explicações
ele deu em entrevista à Revista de Autofagia, publicada em Belo Horizonte e disponível na internet, se você procurar. "Transformei o poeta em prosador". Desde 1976 ele vinha publicando seus poemas em xerox, zines, livrinhos, folhetos, e a coisa tomou grandes dimensões.

A ponto de explodir
, sua mais recente façanha, começa com um contozinho despretensioso, HC, uma historinha adolescente, que você vai guardar na memória até a velhice,como se aquilo tivesse acontecido com você. "Um dia vamos rir disso tudo", você diz para ele, ele e os personagens, a Liz e o Pistache, você já imaginou um personagem que se chama Pistache? E de repente você já está a ponto de explodir de rir daquilo tudo.

Tem também aquela gente sofrida e amarga
que circula pelas páginas a ponto de explodir. Tem aquela história policial com um título instigante, seu deus não é o meu, tem o John Lennon marcando para sempre a agenda de três jovens soltos na vida... Sim, todo o mundo se lembra o que fazia naquele 8 de dezembro!

E tem poesia, é claro.
Implícita e explícita. Por exemplo, Diário do inclame, mais que justa homenagem a Tião Nunes, e o texto título, uma porrada que nos atira contra o muro dos becos sem saída.

O livro foi lançado pelo selo Uainote
em 2008 e circula entre amigos, parentes, eventos, lugares onde o Sérgio circula. Sempre haverá o risco de dar de cara com ele. Em Belo Horizonte, onde vive, ou qualquer outra quebrada por aí. E então, está esperando o quê para ler o livro do Sérgio Fantini? A ponto de explodir estamos todos.

NOSSO CARNAVAL

Às vésperas do carnaval que o governador do Distrito Federal passará na cadeia, é preciso relembrar que Brasília sofre a maldição de ser a capital de um país doente. A cidade, projetada para a modernidade e o futuro, só não deu certo por causa dos políticos. A comemoração de seus 50 anos, a 21 de abril, deveria ocorrer em absoluto silêncio, não um minuto de silêncio, como se homenageiam os mortos antes das partidas de futebol, mas com 24 horas de silêncio.

Este carnaval também será de silêncio, o mesmo silêncio de perplexidade e impotência, ainda que os blocos saiam às ruas para cantar versos engraçadinhos tendo como tema a desgraça que não é brasiliense, é nacional. No cárcere, ou em casa, se conseguir, o ex-governador curtirá a solidão, a da justiça fingida e hipócrita. Afinal, por que os outros personagens de todos os outros mensalões não estão ao lado de Arruda, compondo o bloco dos mensaleiros?

O governo do DF pretendia promover um festejo inesquecível para comemorar o cinquentenário. Ao invés de trazer artistas de todas as regiões do país para uma grande confraternização - Brasília é a síntese brasileira, já se cansou de repetir - pretendia trazer Paul McCartney. Pretensão e megalomania.

Com as mesmas intenções megalômanas, injetou dinheiro no carnaval carioca. O tema da escola de samba Beija-Flor é Brasília. Muitos brasilienses estarão desfilando na escola. Não sei se, diante dos últimos fatos, a platéia vaiará. Se o fizer, os passistas tentarão demonstrar seu orgulho de viver em Brasília, apesar da bandidagem que tomou o poder.

Não é bem assim. Quem dá o poder aos bandidos é o povo. Brasília se confunde com todo o Distrito Federal, mas o Distrito Federal não se identifica com Brasília. O primeiro erro foi não ter havido um projeto para todo o quadrilátero, como houve o originalíssimo projeto de Lúcio Costa para Brasília. Seria, talvez, revolucionário. Como não foi assim, tornou-se mera utopia, que se esgota enquanto a população do entorno se volta contra uma cidade com a qual não se identifica.

Nessa guerra, políticos desprovidos de ética só enxergam as perspectivas do lucro sem limites. Repetindo mais uma vez, Brasília é a síntese do Brasil.

VITÓRIA SOBRE O NADA

O jornalista e poeta Ariosto Teixeira viveu longos anos no fio da navalha, mas era ali mesmo que ele colhia sua energia para viver. E era dali que tirava inspiração para seus notáveis poemas, carregados de um lirismo seco, que atingiam o leitor - ou ouvinte - diretamente na alma.

Portanto, não poderia ter sido diferente o que aconteceu na noite desta terça-feira, 26, no Café Martinica, quando colegas e amigos de Ariosto prestaram-lhe inesquecível homenagem. Mais de 200 pessoas lotaram as dependências do Café para ouvir, com reverência, admiração e respeito, durante quase duas horas, os poemas de Ariosto, a maioria retirados do livro Poemas do front civil (Editora 7 Letras, RJ, 2006).

Sob o mote "O poema é minha vitória sobre o nada", verso de Ariosto, um grupo de poetas com quem ele dividiu o palco do Martinica, no projeto Palavra Solta, fizeram leituras emocionadas de seus poemas. Participaram Luís Turiba, Nicolas Behr, Carla Andrade, Angélica Torres, Paulo José Cunha, além deste que lhes escreve. A viúva de Ariosto, Solange, e seu filho mais novo, João Manuel, fecharam o recital com a apresentação de poemas inéditos.

"Meu pai fazia muito esforço para vir aqui recitar poemas para vocês", revelou João Manuel, referindo-se a eventos de que Ariosto participou - o Palavra Solta e os recitais da Bienal Internacional de Poesia de Brasília, realizada em setembro de 2008. "Ele ensaiava em casa para dizer os poemas da melhor maneira possível."

HOMENAGEM A ARIOSTO TEIXEIRA


O niilista medroso

Ariosto Teixeira

Às vezes você se pergunta
Olhando o rosto no espelho
Se o reflexo é verdadeiro
Ou se a verdade é o corpo
Parado no meio do banheiro

Você acha que sabe bem o que é
Você acha que sabe bem o que quer
Você acha que sabe quem você é

Mas você sente medo
Medo de não ser você no espelho
Medo de ser mero reflexo
Do outro que consigo parece

Você não tem medo de sexo
Você gosta de sexo
Você sonha com sexo
Você procura fazer muito sexo

Sexo à distância
Sem beijo sem fluido
Higiênico e sem lirismo
Seguro como sexo com prostituta
Você de frente ela de costas
Ela por cima de costas
Você por baixo de costas deitado

É que você tem medo
Do ataque de um vírus complexo
Medo de gravidez
Medo de se apaixonar irremediavelmente
Medo de perder o controle
Medo de assumir o controle
Medo de que tudo enfim faça nexo

Você acende e apaga o cigarro
Com medo de pegar câncer de pulmão
Medo de apagar a luz
Medo de acender a luz
Medo de desligar o alarme
Medo de abrir o portão
Medo de ladrão policial pivete
Medo de colisão
De atropelamento
De ataque do coração

Medo de padre
Da certeza cristã absoluta
Da democracia liberal
Da esquerda latina
Medo da nova direita francesa
Medo do presidente americano
Medo da falta de medo do terrorista muçulmano
Medo de ser fragmentado por um raio da Al Qaeda

Medo da China capitalista
De milho transgênico
De buraco negro
De carne vermelha
Medo da falta de limite da física quântica
Do aquecimento global
Da inteligência artificial
De velocidade acima do permitido
De remédio de quinta geração
Da globalização
Do fim da globalização
Da falta de sentido

Medo de que Deus provavelmente não exista
De não haver outra vida
Você tem medo de ficar sozinho
Sem ninguém nem final feliz

Ah mas você confia no amor
O terno e doce amor
Do homem pela mulher
Do homem por outro homem
Da mulher por outra mulher
Do homem pelos animais
Da humanidade pela natureza
Você confia no amor das criancinhas

Você pensa nessas coisas
E por um instante
Acha que nada está perdido
Que o amor salvará o mundo
O amor romântico como no cinema
Como em um soneto de Shakespeare
Apesar da podridão no reino terrestre
Mas quanto tempo dura o amor
Antes de se dissolver em tédio
15 minutos uma tarde inteira uma noitada?

Você odeia sentir isso assim tão sentimentalmente
Mas é impossível ser de outro modo
É preciso agarrar-se a algo
Não ter medo de que o vazio
Tenha se espalhado em todos os quadrantes

O fato indiscutível é que você tem medo
Medo muito medo
De ficar vivo durante o inverno nuclear

Você principalmente tem medo
Do que um dia vai fazer
Quando ao anoitecer
O seu rosto tiver desaparecido do espelho do banheiro
_______

O poeta e jornalista Ariosto Teixeira será homenageado nesta terça-feira, 26, no Café Martinica (CLN 303, Asa Norte, Brasília), a partir de 21h. O Café Martinica foi palco do Palavra Solta, um programa de leitura de poesia que teve em Ariosto um dos mais fortes participantes. Prestam essa homenagem os amigos que com ele conviveram e tiveram o privilégio de ouvir suas palavras. Pois foram as palavras suas infalíveis aliadas, que o fortaleceram e lhe deram coragem. Seu livro Poemas do front civil é uma incontestável prova de que a poesia foi uma inseparável companheira nos momentos mais difíceis.

2010 COMEÇA COM UM TIRO

As tragédias que abriram o novo ano estão em todos os jornais, nas TVs, na internet e nas mesas de bar. Então voltemos nossa atenção para uma foto publicada nos portais de informação na primeira semana de janeiro. A foto é objetiva e nada esconde: um agente da Polícia Rodoviária Federal descarrega sua arma sobre um boi indefeso.

Observe a foto
que ilustra este texto, e atente para o olhar quase humano do animal. Ele sabe que está frente a frente com a morte.


E o policial?
Ele executa o boi como se cumprisse uma tarefa burocrática, como se puxasse com a enxada uma pedra para desobstruir uma pista do asfalto.


O infeliz animal
estava sendo transportado por um caminhão, que tombou na rodovia BR-040 no dia 6 de janeiro. Não era uma fera em postura de ataque. Era um animal inofensivo perdido no meio do asfalto.


O que se deve ler na foto
não é a presteza com que um servidor público eliminou o risco de acidentes, numa rodovia que já estava sofrendo com as chuvas.


O que chama a atenção
é a frieza do policial, é a arrogância de um sujeito armado, que maneja a arma como se fosse um instrumento para colocar as coisas em seus lugares, como se a arma tivesse o poder de devolver o mundo à normalidade.

[Foto de Cristiano Couto, jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte]

LIVROS E PANETONES

Encerrada no último domingo, 29 de novembro, a Feira do Livro de Brasília teve um balanço melancólico. Durante a primeira semana, segundo a Câmara do Livro do DF, recebeu 25 mil visitantes. O número total nem foi divulgado - esperava-se 300 mil visitantes. "Esperava-se" é força de expressão. Obviamente, ninguém esperava isso, depois da desorganização e falta de planejamento, que ficaram evidentes.

A agenda de convidados
foi fechada no dia da inauguração - e todos os autores de fora tiveram sua vinda cancelada. Exceção apenas para Ziraldo, um dos homenageados. O outro foi Reynaldo Jardim, que mora em Brasília. O gaúcho Marcelo Carneiro da Cunha só soube que não viria mais porque sua editora pediu à organização da feira uma posição oficial sobre a viagem do escritor.

A culpa de tamanha desorganização é da diretoria da Câmara do Livro, que não fez qualquer planejamento e esperou por verba oficial, e do governo do DF, que não dá a mínima para qualquer evento na área da cultura e é incapaz de perceber a importância que teria uma feira de livros realmente bem feita e organizada.

Bem, depois das investigações da operação Pandora, da Polícia Federal, é possível compreender melhor a política no DF, e saber por que a política cultural simplesmente não existe.

Cultura, para o governo do DF
, é qualquer coisa que traga turistas a Brasília. Por isso querem comemorar os 50 anos da cidade, em 21 de abril do ano que vem, com Paul McCartney ou Madonna, e não com artistas de todo o Brasil reunidos aos de Brasília, numa grande festa de congraçamento.


Com a crise instalada no governo do DF, que poderá levar ao impedimento do governador José Roberto Arruda, percebe-se o que está por vir. Se ele pelo menos tivesse distribuído livros ao invés de panetones...

Brasil, capital Brasília.

ALÉCIO CUNHA, JORNALISTA

Alécio Cunha começou a trabalhar como repórter da editoria de Cultura do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, no início da década passada, e lá permaneceu até 6 de outubro, quando sofreu um AVC. Morreu no último sábado, aos 40 anos. Apesar do longo período em coma, sua morte foi um choque para artistas, jornalistas e intelectuais da capital mineira, e até para quem não o conhecia pessoalmente ou só o havia encontrado uma única vez, como era meu caso. Alécio Cunha era o tipo de repórter hoje praticamente extinto nas editorias de cultura dos grandes jornais. Sensível, curioso e interessado, ocupava espaço nas páginas do jornal para escrever sobre poesia, música e artes, sem prender-se à agenda das grandes editoras, gravadoras ou ao marketing cultural. Era também poeta, reconhecido pelos conterrâneos da simpática Boa Esperança, no sul de Minas, como membro da Academia de Letras local. Deixo aqui meu lamento pela perda que não é apenas do jornalismo de Belo Horizonte, mas de todos aqueles que mantêm algum vínculo com a literatura mineira.

O PODER MÁGICO DOS LIVROS

A foto histórica que ilustra este texto mostra a biblioteca da Holland House, impiedosamente bombardeada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Localiza-se em Kensington, subúrbio de Londres, e hoje faz parte de um teatro ao ar livre. A foto é emblemática. Registra o momento em que três homens, indiferentes à barbárie da guerra, pesquisam as estantes quase intactas, como se o espírito do conhecimento, simbolizado pelos livros e pela leitura, os tornasse imunes à violência.

Os livros representam
o que de melhor a civilização humana produziu, e não é à toa que sempre foram execrados pelos ditadores. Agora sofrem uma ameaça de outra espécie. Algumas empresas de alta tecnologia tentam nos convencer das vantagens de substitui-los por uma ferramenta eletrônica de leitura.

Há evidências de que um público consumidor sedento por novidades começa a adotar a idéia, como se deduz de alguns números [leia as postagens anteriores]. Mas cada país tem uma realidade diferente, e o Brasil, é bom jamais esquecer, é um "país de não leitores", como já foi chamado pela imprensa inglesa.

Que tipo de revolução
comportamental a chegada de aparelhos como kindle, sony reader e equivalentes poderá causar ao Brasil? O que será das bibliotecas comunitárias? E aquele livro sensacional que você acaba de ler, como o emprestará ao amigo? O livro que você possui e acha que não vai mais ler, mas que poderia ser útil à biblioteca do bairro, o que você fará dele? E as livrarias, vão fechar as portas? Ou se transformarão em mero balcãozinho com um computador em cima? E os sebos, com suas raridades escondidas, seus mistérios empoeirados? Aquele sujeito que se alfabetizou aos 20 anos, se apaixonou pela leitura e montou uma biblioteca na favela – o que será dele?


A leitura não significa apenas
aquisição de conhecimento ou o exercício de um prazer. É uma atividade que envolve atitudes e comportamentos. O ato de emprestar um livro fascinante para um amigo é mais que um favor, é uma declaração de afinidade, carinho, intimidade. A devolução do livro, devidamente lido, idem. A troca de comentários a respeito é um movimento de aproximação, um laço a mais de amizade. Com o kindle, como se dará essa relação?


Os grandes personagens da literatura
são seres vivos, que aguardam em silêncio, dentro das lombadas empoeiradas, por uma nova leitura. Ou por um novo leitor, a quem contam, pela milionésima vez, a sua inesquecível história. Eles vão sobreviver no meio eletrônico?


Ler um clássico, um grande romance
, um livro daqueles que ficam em nossa memória feito tatuagem não é um exercício banal. É uma atividade que exige concentração e dedicação. O fascínio da leitura, ao ativar nossa imaginação e criatividade, nos leva a uma outra realidade, uma realidade paralela, tão real e mais emocionante que a realidade cotidiana.


O grande mistério que só o futuro
desvendará é se a tecnologia do livro eletrônico nos permitirá continuar usando e desenvolvendo essas capacidades. Ou se elas serão incompreensíveis qualidades de um ser humano que, ao contrário dos livros guardados em museus, estará simplesmente extinto.

A MAIOR INVENÇÃO DA HUMANIDADE [2]

A grande diferença entre o livro de papel e o e-book é que o e-book é apenas uma imagem projetada por um aparelho eletrônico, e não um objeto palpável. Precisa do suporte, que também serve para leitura de jornais e revistas, e certamente servirá também para veicular imagens, como fotos ou histórias em quadrinhos. As exigências do mercado farão com que uma segunda geração do kindle também sirva para tocar músicas. Assim, com o tempo, o aparelho leitor será cada vez menos leitor, e cada vez mais multiuso.

A ascensão dos e-books
se deve à internet, e portanto deve ser estranho descobrir que o produto mais comprado pela internet é o livro. Livro mesmo, de papel. A informação é da empresa Nielsen/NetRatings, verificadora de consumo online, que recolheu dados em 48 países para descobrir que 41% dos 875 milhões de consumidores compram mais livros que qualquer outro objeto. Esse foi o levantamento feito nos últimos três meses de 2007. Outra informação surpreendente é que, entre esses 48 países, o Brasil ocupa a quinta posição, atrás da Coréia do Sul, Alemanha, Áustria e Vietnã.


O Brasil não é um país de leitores
, mas nossa elite parece ler bem – afinal, embora não contemos com dados estatísticos a respeito, é evidente que a parcela que acessa a internet é pequena, menor ainda a que tem cartões de crédito, e ainda mais reduzida a que faz compras pela internet usando seu cartão. Pois foi essa parcela da população que colocou o Brasil nessa elite. Para se ter uma idéia, sabe-se que 20% da população brasileira tem nas mãos 66% dos livros publicados no país.


Diante de um quadro desses
, o que significará a chegada do e-book ao Brasil? A pergunta está posta.

[clique para ler a primeira parte deste texto]

A MAIOR INVENÇÃO DA HUMANIDADE [1]

O livro é a maior invenção da humanidade. Desde os primórdios da História armazena o conhecimento, e as bibliotecas são o próprio símbolo da civilização. Sem o livro, é possível que algumas das grandes invenções não tivessem sido possíveis.

E no entanto, parece estar em curso uma campanha articulada para que, em pouco tempo, o livro, um organismo vivo que dialoga com os homens, seja extinto.

É impressionante a pressão exercida pela mídia, pela publicidade, pela indústria tecnológica, para nos convencer de que devemos trocar o livro tradicional pelas ferramentas eletrônicas – kindle, sony reader – que recebem o texto escrito pela internet e substituem as folhas de papel por uma tela, em que estão disponíveis comandos para mudanças de página e até para marcação de trechos do texto. Três ou quatro grandes empresas, nos Estados Unidos, Japão e Europa, desenvolvem esse equipamento e tentam vendê-lo ao mundo.

Uma pesquisa realizada durante a 61ª. Feira do Livro de Frankfurt, no mês passado, constatou a previsão de que o livro digital superará o de papel em 2018. Há controvérsias, é claro, a partir da velha constatação das desigualdades econômicas, que hoje, no Brasil, inviabilizam a comercialização do aparelho leitor, vendido a US$ 300 nos Estados Unidos. Mas naquele país a venda de livros digitais (e-books) superou os US$ 100 milhões em 2008, segundo dados da Associação Norteamericana de Editores (AAP). E a Alemanha registrou a venda de 65 mil aparelhos vendidos no primeiro semestre.

A loja virtual Amazon já conta com mais de 300 mil obras digitais à venda. Para as empresas, esse mercado pode ser extremamente vantajoso, já que o livro deixará de ser uma mercadoria para se tornar um serviço. O futuro que se vislumbra será o do cliente diante de uma máquina, apertando um botão e recebendo o livro virtualmente, contra o pagamento. Ao contrário da venda tradicional, iniciada quando a editora contrata uma gráfica, paga a impressão do livro, vende o objeto às livrarias, às quais o leitor se dirige para fazer a sua compra. Com variações, é claro.

Em 500 anos de história, o livro praticamente não mudou. Por quê? Porque é uma “máquina” perfeita, de fácil utilização, leve, pode ser levada a qualquer lugar, não precisa ser ligada, não requer prática ou habilidade, a não ser a de saber ler. E tem o apelo sensorial – ou você acha que o kindle pode ser acariciado e folheado da mesma maneira, em gesto quase sensual?

[clique para ler a segunda parte deste texto]

UM ROMANCE

Em Brasília, o livro a ser lançado esta semana é o romance Um, de Geraldo Lima, publicado pela LGE. O personagem principal é um ex-seminarista, dividido entre os caminhos do desejo e a vocação espiritual. Geraldo Lima observa que não se trata de livro religioso, e que o foco na crise do personagem é um recurso para dramatizar a narrativa. O lançamento será nesta quinta-feira, 12, na Saraiva Megastore, no Pátio Brasil Shopping, a partir das 19h30.