OS LIVROS, O NATAL E O MERCADO

Uma carta aberta do CEO da Editora Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, pede que no Natal as pessoas presenteiem com livros, uma forma de combater a profunda crise em que o mercado livreiro está mergulhado. Duas das maiores redes de livrarias do país, a Saraiva e a Cultura, estão em processo de recuperação judicial. A Cultura acumula uma dívida de R$ 285 milhões, enquanto a Saraiva, maior do país, deve R$ 675 milhões. Juntas, devem para as editoras R$ 325 milhões, segundo o Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel). Elas respondem por 40% do faturamento das principais editoras do país, o que revela o tamanho do estrago em cascata. 

A Livraria Cultura, em pouco mais de dez anos, investiu numa expansão irracional por várias capitais do país. Invadindo o mercado como um tanque de guerra sem freios, atropelou e provocou o fechamento de pequenas livrarias, que tinham como foco livros de qualidade e não “livros de mercado”, aqueles que vendem centenas de milhares de exemplares mas não carecem de reedições, pois são lidos (quando são) e depois caem no esquecimento, sem deixar marcas. 

“É impossível concorrer com a Cultura”, me disse Luiza Neiva, que eu poderia chamar de empresária mas prefiro chamar de uma amante dos livros, pouco antes de fechar a sua Café com Letras, simpática livraria de rua de Brasília, palco de leituras, lançamentos, saraus e shows. Com a livraria, encerrou-se também a “fábrica de leitores” que ela mantinha numa sala dedicada a atividades para as crianças. 

Nesse processo de expansão, a Livraria Cultura comprou a Estante Virtual, rede de sebos que sempre atendeu a quem procurava livros mais baratos ou raros. Ao anunciar a compra, em dezembro de 2017, a Cultura já estava em crise – atrasava pagamentos para as editoras há pelo menos dois anos. Tudo isso sem falar na aquisição da Fnac, que na verdade pagou à Cultura para que a empresa assumisse suas dívidas. 

Para um bom leitor, garimpar numa pequena ou média livraria dá resultado melhor que numa gôndola das grandes redes, onde os espaços são vendidos para as editoras e os livros lá expostos têm a obrigação de vender a rodo. As grandes editoras, como a Companhia das Letras, têm que atender a esse mercado tão voraz quanto culturalmente irrelevante. Essa editora, que também passou por um processo de expansão nos últimos anos, publica livros nas mais diversas áreas, entre as quais literatura e, dentro desta, poesia. Mas um texto sobre “análise de originais”, publicado em seu site, avisa: “Livros de poemas não serão aceitos para análise.” É curioso: a editora publica livros de poesia, mas não recusa-se a receber originais. 

Brasília possui duas lojas da Livraria Cultura. A primeira, no Shopping Casa Park, foi aberta em 2000. Na festa de inauguração da segunda, no Shopping Iguatemi, em 2010, eu disse a Pedro Herz, proprietário da empresa, que a estante de poesia, comparada ao tamanho da loja, era muito pequena. “Isso é uma questão de demanda”, ele respondeu. Para mim, Brasília não apresentava demanda para duas lojas da Cultura, mas essa demanda foi criada com estratégias de marketing. Hoje, a frequência às lojas se reduziu e as estantes estão cheias de espaços vazios. 

Ao longo de seu processo de expansão, a Cultura nunca se preocupou em criar estratégias para vender livros culturalmente importantes – entre os quais incluo a poesia – mas apenas livros “de mercado”. Por isso, tornou-se uma livraria desinteressante, onde o bom leitor circula sem vontade de comprar. As gôndolas da Cultura deixaram de expor livros instigantes, ao contrário de livrarias menores, onde o propósito é mais cultural que comercial. Com a crise, a situação piorou, porque os estoques, mesmo de livros de maior apelo, não são repostos. Se mesmo antes da crise a Cultura já se recusava a vender livros de editoras menores ou independentes, ou de autores menos conhecidos das panelinhas da mídia, agora até escritores mais conhecidos desapareceram de suas estantes. 

As duas lojas da Cultura acabaram com as livrarias de rua de Brasília, que não existem mais. Em outras cidades, elas sobrevivem, mesmo com a concorrência da Saraiva, que sempre foi mais um supermercado de livros que uma livraria. Numa livraria, o consumidor – leitor – recebe, ou deveria receber, uma assessoria do vendedor para encontrar o livro que pensa em comprar e para conhecer um livro que atenda seu gosto. Isso também não existe mais na Cultura. É coisa do passado. 

Sou a favor do apelo de Luiz Schwarcz e também acho que o Natal deve ser coalhado de livros. Mas, ao comprar, por que não fazê-lo em pequenas livrarias, que também lutam para sobreviver, e por que não atentar para as pequenas editoras? O livro é um produto artesanal, por mais industrializado que seja o processo de sua produção, que é sempre guiado por uma paixão, ainda que apenas enquanto é escrito. As pequenas editoras enfrentam dificuldades, mas também são guiadas pela mesma paixão. Com a vantagem de que as grandes redes não lhes devem milhões de reais, porque jamais se interessaram por elas. 

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