[estante afetiva] À BEIRA DE QUASE NADA

Os personagens de Sérgio Fantini parecem viver numa comunidade onde todos têm muito em comum. Estão sempre na pindaíba, mas encaram a dureza da vida com bom-humor; andam à toa pela cidade; tomam cerveja em botecos pé-sujo; comem um pastel; esperam ônibus de madrugada, gostam de filosofar enquanto esperam passar a chuva. E, no entanto, quando essas figurinhas comuns circulam pelas páginas dos livros de Fantini, há sempre alguma coisa fora do comum para acontecer. E, mesmo que não aconteça, a gente prossegue na leitura até o fim.

Qual é o segredo? Em Novella, seu livro lançado recentemente pela Jovens Escribas, de Natal, a lição está posta. Por que Novella? – ele responde num prefácio que mais se parece uma peça de ficção. Você pode até pensar que ele está mesmo enrolado com processos judiciais, mas desconfie. Sérgio Fantini já enganou até a comissão editorial de uma grande editora, ao enviar-lhes um conto em forma de carta – eles acharam que era mesmo uma carta e publicaram seu conto com nome trocado. É uma história divertida, se quiser saber os detalhes, peça a ele que lhe conte. 

Novella começa com duas histórias sobre personagens muito comuns, tipo aqueles que parecem nada fazer que valha uma história, mas depois Fantini começa a plantar umas armadilhas no caminho do leitor. Em Sua, ele mostra que em pouco mais de duas páginas é capaz de transformar uma figura absolutamente fútil numa boa personagem, ou em personagem de uma boa história. Em Daqui pra frente, ele invoca Wander Piroli para construir um mini-conto instigante. Mão certíssima.

Há outras histórias assim; não vou falar de todas. Mas é preciso falar de Praia da Estação, um manifesto pela liberdade, pela alegria e pela vida que ele transforma em texto poético, e de Dorinha, uma historinha feliz vivida por personagens simples, não simplórios, que parece advertir o leitor que tudo aquilo que ele almeja para sua aposentadoria é uma grande bobagem. No final, vem a história mais longa, Muito silêncio (por nada), mas essa eu vou deixar engatilhada para o leitor encerrar o livro. Vamos dizer, Maria, que a vida é feita de equívocos, mas sempre nos resta a fantasia.

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